“O Orgulho Trans*Forma”: esperançando utopias e lutas.

@anadijk (60), é do Coletivo Amsterdam pela Democracia, coletivo fundador da FIBRA.

Holanda, 22.06.2021

No próximo domingo 27, o Programa Vozes de Fibra, produzido e transmitido pelo canal da FIBRA no YouTube (@FibraFrenteInternacional), vai trazer o “O Orgulho Trans*Forma”, com participação de Indianara Siqueira, Luiz Mott, Laura Finocchiaro, Paulo Giacomini e Linda Brasil, e moderação de Cássio Paz e Tarcísio D’Almeida. Um timaço de nomes referendando a live que conta com o apoio da FIBRA. O programa busca honrar com muito ativismo este junho de 2021, em que se fala e celebra o Gay Pride por todo o lugar. A intenção é marcar a importância da luta pelos direitos de toda a comunidade LGBTQIA+ e dar um passo à frente num mundo ainda tão reacionário e excludente. Um mundo confuso, que se quer civilizado, porém profundamente sectário, racista, misógino e homofóbico. O avanço das liberdades individuais versus xenofobia de intolerantes é a gênesis de um mundo profuso de possibilidades contraditórias: os “diferentes”, os não binários, os não-machos, os inconvencionais e até mesmo grande parte das mulheres vivem suas naturezas, alegrias, dores, sucessos, fracassos e utopias apesar do mundo violento e violador de corpos e sonhos. A aparente leveza de trânsito, a liberdade de se expor para além das sombras do medo e da não aceitação, ainda disputa espaço e dignidade numa sociedade que persegue, estigmatiza, isola e cancela seres humanos. E tragicamente, por prazer ou paranóia, ainda os mata, e muito, pelo simples fato de serem quem são ou querem ser. Daí para mim a emoção com a relevância do programa: a pauta é militância pura como não poderia deixar de ser!

E foi na vibe de produção do Vozes que me deparei com um elemento importante da vida brasileira, e meio que fio condutor dos convidados ilustres. Direta ou indiretamente, todos se relacionam com um fenômeno cultural, que em plena ditadura militar (anos 60 e 70) revolucionaram a vida, os costumes e a própria arte das noites cariocas – o grupo Dzi Croquettes. Para mim um nome vago, mas que arrebatou encantamento da equipe do programa! O incômodo de não conhecer quase nada daqueles nomes me levou à procurar na web do que se tratava!!!!

Da infinidade de imagens e vídeos do grupo, ou melhor, da trupe que chacoalhou conceitos, limites, bundas, plumas e palcos sem moderação, selecionei o “Dzi Croquettes Documentário 2009” de Tatiana Issa; seria uma olhadinha pra me situar… Mergulhei por quase duas horas numa viagem ao tempo. Acabei de assistir e veio um desejo enorme de saber mais….. Para quem conhecia o Rio de Janeiro “das férias” e da TV, reconheci com ávido saudosismo alguns rostos famosos, lugares e músicas que me fizeram voltar no tempo de minhas referências de infância e juventude. À época, o Rio de Janeiro era o destino cobiçado e invejado por muitos dos jovens com quem convivia. A memória saudosa foi, no entanto, impedida pelo gap entre a maturidade e a juventude de qualquer romantismo daquele Rio (re)vivido. Como paraense, lembro da enorme discrepância regional – à época tatuada às nossas percepções de mundo, levando “aos do norte” a cobiçar o tal “sul maravilha”, ponto central de produção dos termos da vida nacional. Ali se vivia uma explosão cultural e comportamental que não era nem reflexo, nem motivador do que ocorria no “resto país” (que produzia coisas fantásticas na sua invisibilidade!). Rincões profundos, quase apartados pela geografia da soberba e esquecimento, da desimportância estrutural de um projeto de Estado, ditando políticas públicas que sofriam e faziam sofrer os envolvidos. Dos relatos no documentário, percebi nomes que vagamente lembrava, e alguns rostos que lembrava muito, e bem!, porque chegavam até nós pela Globo. Ai, ai, daqueles dias o sabor que ficou é que “o que a Globo não levava pra nós não existia”!!! E isso diz tanto e muito do período da ditadura militar, naturalizando privilégios como direitos, a uma empresa tornada poderosa e nefasta, já que livre para modelar corações, mentes e o destino do próprio país.

Do tempo do glamour dos Croquettes lembro de um país à deriva em preconceitos e ignorância de si mesmo, do colonialismo interno tão nefasto quanto o externo, que hoje lutamos para decolonializar. Ah se ali tivéssemos mergulhado como nação, na sabedoria de Paulo Freire! A vida fervilharia por todo lado e não haveria arrego ao mar de ignorância que hoje nos suga para as profundezas do fundamentalismo religioso. Um fosso nunca inocente – porque projeto de Poder, a banalisar e ridicularizar a diversidade! Dessa ignorância oportuna vemos hoje a tara e a gana de passar boiadas na vida brasileira, suprimindo o que não interessa, porque assim segue a lógica de desbravadores e genocidas.

Se o descaso foi idiota, hoje é criminoso porque refuta de caso pensado o protagonismo, valor e significado de nossas diversidades, pedaços pouco valorizados, porque ainda não nos tratamos como iguais! Dzi e outros fenômenos que enriqueceram parte do país com suas genialidades, poderiam ter sido ainda mais ricos de significados, se estivessem atentos ao país todo. Teria Lennie Dalle incorporado o carimbó e o forró nas coreografias e quem sabe “O Frevo de Sapatilha” subverteria a ordem de tudo, por todo o lugar, expandindo o movimento da contracultura para além dos palcos do sul e sudeste do Brasil. A arte dos desiguais inspirando outras artes, e inspirando-se em outras formas ver o mundo.

Minha geração perdeu naqueles anos, sob o jugo militar, a chance de ter se compreendido como nação para além do futebol.

Devaneio eu, que haveria hoje mais empatia com as diferenças e nos sobraria a humanidade que ainda nos falta para expelir o tal mito do poder e resgatar o Brasil que agoniza pelo vírus e pelo verme.

A live é luta pelo #forabosonaro. O programa é neste domingo, mas para mim ele já começou!

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