Alceu Valença e a nova turnê europeia. Entrevista Exclusiva.

Por Flávio Carvalho, sociólogo e escritor.
@1flaviocarvalho | @quixotemacunaima

Barcelona/Olinda, julho de 2022.

“Eu previ assim: a Bunda vai derrubar o Muro de Berlim”.
(Alceu Valença/em entrevista – junho de 2022)

Acabando de completar 76 anos, no dia 1 de julho passado, Valença nos recebeu e contou novidades e muitas curiosidades do tempo em que o artista maior de São Bento do Una ganhou, no exterior, o título: The Protest Song, Brazilian Bob Dylan.

Leia todos os detalhes desta conversa recente, animada e cheia de poesia com este ícone da música brasileira.

Quando dois olindenses se encontram ou se reencontram, apesar de qualquer distância, sempre há de haver uma ladeira. Na casa de Alceu, um pouco acima do seu chapéu de palha, havia um quadro que se destacava, pendurado na parede: uma típica imagem olindense, colorida. Foi o suficiente para uma boa conversa, com o objetivo principal de falar das cidades europeias onde o cantor e compositor pernambucano está, neste momento, carregando toda essa energia positiva.

Valença tratou de temas da sua infância, revisitou parte significativa de sua obra musical e detalhou suas relações sentimentais com cada cidade ou país, “pelas ruas que andou” (e por onde, sim, logo voltará!). Contador de causos, imitador cheio de graça, não escondia a satisfação pela boa acolhida dos seus últimos trabalhos junto às “novas gerações”: – “a visualização da Belle de Jour na Internet, bateu mais de 200 milhões – 219 milhões para ser exato. E isso não é pouco. É quase como se a população de todo o Brasil tivesse me visto, a mim, lembrando da moça bonita na Praia de Boa Viagem – e foi justamente pra ela que eu escrevi o meu primeiro Blues” – explicou-me, cantarolando. E tudo isso por uma música que ninguém escutou muito quando ela saiu, que fala de uma moça que estava dançando música clássica na frente da casa da minha mãe, lá em Boa Viagem…

Confira, a seguir, a entrevista.

FC: Valença, eu posso começar voltando no tempo? Estamos comemorando 40 anos de lançamento de um disco que virou a minha cabeça e de toda uma geração (não somente em Olinda). Cavalo de Pau. Você estava morando na Europa, antes de voltar ao Brasil e explodir com esse disco que vendeu um milhão e seiscentas mil cópias.

AV: Pois é. Tem história. Antes disso, no ano 1979 eu gravei Saudades de Pernambuco, quando eu morava em Paris, num autoexílio. Então já faz tempo que eu faço muitos shows pela Europa. Voltei cheio de inspiração e gravei, sim, Cavalo de Pau. Eu tava muito inspirado. Depois eu fiquei indo e voltando para fazer meus shows na Europa. Eu tenho boas lembranças, por exemplo, da gravação do disco Mágico, na Holanda.

FC: Eu te proponho fazermos, juntos, então, o percurso da Turnê Europeia, que está em pleno andamento, de 14 a 30 de Julho. Começando por Amsterdam, em Melkweg. Vamos?

AV: Claro, vamos sim. Começando pela Holanda, que sempre me inspirou muito.

Alceu se interrompe para cantar “Moinhos, Moinhos, Moinhos de Holanda”… Salta para outra parte da sua própria composição: “Coqueiros de Olinda, Moinhos de Holanda”

FC: Sua relação com a Holanda vem de longe, né?

AV: Eu me lembro de quando eu preparei toda uma comitiva para receber a ilustre visita de um príncipe holandês – que até, depois, virou rei da Holanda. Será que ele viria no meu próximo show, em Amsterdã? Eu montei num cavalo branco, aqui na frente do Mosteiro de São Bento, e preparamos uma comitiva de Caboclos de Lança, muito bonito, do Maracatu Rural. A gente fez um almoço muito louco praquele príncipe, na minha casa, em Olinda. Depois daquele tempo eu passei a me vestir de Maurício de Nassau, fantasiado, pelo carnaval. A Holanda é uma maravilha.

FC: O que já conhecias da Holanda, antes de fazer aqueles shows, composições e gravações por lá?

AV: Pois bem… Quando eu tinha perto de 12 anos eu respondi várias perguntas sobre a Holanda, num programa chamado O Céu é o Limite. E eu sabia quase tudo sobre a Invasão Holandesa. E eu fui ganhando, avançando, naquele programa. Enquanto meu pai dizia “Desista!”, e eu não desisti. Eu só parei quando me botaram uma pergunta errada. Depois me pediram desculpas e mandaram me chamar de volta, mas eu não voltei.

FC: Jogaram uma casca de banana pra Alceu Valença quando ele ainda era criança, no programa O Céu é o Limite?

AV: Exatamente. E foi assim que eu dei tchau pra aquele programa. Já não dava mais. Deixei.

FC: Já vejo que começar a turnê por Amsterdam te trouxe muitas lembranças.

AV: E realmente está tudo relacionado, foi na Holanda que um diretor da Polygram, chamado Cor Van Dyke, queria me lançar internacionalmente. O cara era muito importante e todo mundo me falava dele. Acontece que eu não tinha a menor ideia de quem ele era. Só sei que dali eu tive um impulso para gravar o disco Mágico.

O cara era o diretor geral da gravadora na Europa e eu me perguntando quem diabos era Cor Van Dyke. Já pensou?

Alceu não para de rir relembrando esse episódio…

“Passarinho do dia, como o Canário. Passarinho da noite, como o Bacurau. E caminharemos pela Rua do Amparo sobre a Lua de São Jorge nos protegendo do Mal”… Eu não resisto e interrompo a entrevista mencionando essa canção, que abre o disco Mágico, mencionado pelo compositor. Até que Alceu me pergunta de onde eu sou. “Eu, Flávio, sou de Olinda”. –“É amigo de Serginho”, comenta Alceu – me trazendo com ele pra Olinda.

FC: Vamos então, Valença, para… Berlim! Um Festival em Kreuzberg!

AV: Em Berlim a primeira coisa importante e que me vem à mente é que, lá, eu tenho queridos parentes. Como a minha sobrinha, Ricarda. Que eu até gostaria de poder visitar, mas a turnê é algo tão intenso que eu lamento não poder dedicar todo o tempo que eu queria para essas cidades bonitas da Europa. É um show atrás do outro. Tudo muito intenso. Não vai dar tempo de curtir tranquilamente, infelizmente.

FC: Estivestes em Berlim quando ainda havia o muro, sim?

AV: Eu tenho boas lembranças desse tempo, em que eu passava várias vezes de Berlim Ocidental pro lado Oriental. E o curioso é que ninguém criou caso com a gente. Eu não via aquela agressividade tão grande que então me falavam. Até que num certo dia, eu procurei um banheiro, e falei pras autoridades na fronteira, que estavam dentro de uma Van: vai cair esse Muro de Berlim. Ficaram surpresos e me perguntaram, como é que o muro iria cair. Por causa do papel higiênico de vocês, eu respondi. É que parece uma lixa! A bunda vai derrubar o Muro de Berlim! E não é que aconteceu logo depois?

FC: Grande Alceu. Um profeta do agreste pernambucano em Berlim!

AV: Pois bem, eu vou lembrando muitas coisas agora mesmo, na minha cabeça. Em Berlim tinha um operador de câmera incrível chamado Ilverson. Me ajudou a gravar, acho que no estúdio da Philips, o Rock de Repente, Que Grilo Dá, com uma rapidez genial. Ficou na minha cabeça, foi maravilhoso. Tem até um videoclipe e um documentário na Internet. Merece ser visto. Eu recomendo.

FC: Precisamente, Alceu, farei questão de te lembrar: são 12 shows em 8 países. Aliás, como é que tu aguentas, rapaz?

AV: É, mas eu aguento, sim. Aqui no Brasil tudo é até muito mais distante. Pra quem está acostumado, como eu, a viajar de um show em Porto Alegre pra outro show em Fortaleza, essas distâncias aqui da Europa não têm nem comparação. Né?

Veja bem, eu fiz aniversário no dia 1 de julho e o pessoal da Fundação Progresso disse que eu era doido de fazer show no dia do meu aniversário e pensaram que eu não ia querer. Eu falei: eu quero é palco!

FC: Tens toda razão. Vamos então para Dublin? Eu só me lembro dos grandes escritores, Joyce, Becket, Oscar Wilde… Teu show, no Button Factory.

AV: Eu gosto muito da cultura europeia. Tenho muitas lembranças. Vou gostar de visitar as cidades por onde andei, mas ao mesmo tempo estou empolgado em conhecer lugares novos, para mim, como Dublin. Prepararam-me bem, falando da Irlanda, dizendo que é bacana demais. E realmente é bom demais, bom demais, sim.

FC: Eu vou aqui, Valença, seguindo o teu roteiro…

AV: É você que vai me lembrando. Muito bom. Vá me dizendo aí que eu tô preparado…

FC: Depois, Valença, três shows seguidos em Londres: três shows seguidos no mítico The Jazz Cafe. Eu li um jornalista inglês, muitos anos atrás, insistindo nas tuas influências do rock britânico, te chamando de roqueiro…

AV: Eu gosto muito de Londres. Fiz shows por lá, acho que no ano 93, voltando de Nova York. Fomos pra França, Itália, voltamos a Berlim… Eram muitas turnês. E depois eu fui fazendo mais turnês aqui mesmo, por esse grande Brasil. E hoje em dia estamos, aos poucos, voltando às viagens internacionais. Eu acho que com a internet, a questão da linguagem universal da música vai se tornando cada vez mais universal. Antigamente até havia a questão anglófona com certo predomínio, mas que hoje caiu muito com a questão da internet. Por exemplo, eu vi – recentemente – um cara, perto de mim, ouvindo uma música inglesa, depois entrou uma música indiana. Não é legal?

Mas, bem, voltando a esse assunto, eu, de fato, não sou roqueiro.

Quando eu fui para o SummerStage, em Nova York, houve aquele jornalista do New York Times que não entendeu a minha música. Quem melhor entendeu a minha música foi Luiz Gonzaga, quando falou que eu inventei um timbre – e aqui Alceu volta a imitar a fala de Gonzaga:-‘olha Alceu juntando a guitarra com a flauta, parecendo uma Banda de Pife Elétrica’. Gonzaga entendeu, porque música tem aquela coisa: melodia, harmonia e ritmo. E como na minha música eu tinha aquela pegada, vamos dizer assim, dos instrumentos que eram utilizados pelo rock, a distorção que eu usava confundia as pessoas. Na verdade, meu irmão, a questão é que eu não ouvi muita música, não. Não ouvia porque o meu pai não queria que eu fosse artista. Não ouvia porque eu nunca aprendi música. Não ouvi porque a música que eu aprendi era a música que tocava no rádio quando eu era pequeno. E olha que eu tinha condições, sim, de ter radiola em casa, porque o meu pai era Promotor Público. Mas era pra eu não me influenciar e não seguir a carreia de artista. Tá entendendo? Desta maneira foi que eu me descobri. Eu nem compunha. Não tocava. Até hoje eu tenho essas dificuldades.

Eu inventei de ser artista quando eu fui pros Estados Unidos. Pra Boston. Pra Universidade de Harvard. De repente eu peguei num violão que não era nem meu, emprestado de um amigo e passei a tocar na rua. Aí todo mundo adorava. Era a época da Guerra do Vietnã. Os hippies botavam a mão na cabeça e pareciam que estava até baixando um santo neles.

Daí passou um jornalista chamado de uma localidade lá perto de Boston, chamada Fall River, e me perguntou: -‘que música é essa?’ Eu disse: é A Minha! -‘Mas quem é você?’ – ele insistiu em perguntar. Eu sou um estudante aqui da Universidade, respondi. -‘Mas é Brasil? Isso é Samba?’ – ele continuou: Eu disse: não; pois o samba é mais de outros locais do Brasil. E eu sou de Pernambuco. Ele então perguntou: -‘e você faz que tipo de música?’ Eu respondi assim: eu faço música romântica, e música contra a ditadura. Era uma reunião do grupo ativista aquele, Os Panteras Negras. Daí ele escreveu: Alceu Valença: The Protest Song; Brazilian Bob Dylan. Porra! eu não tinha nem como ouvir Bob Dylan naquela época, como eu já expliquei. Até sabia quem ele era, mas nunca tinha ouvido. Pois bem, depois que eu voltei pra Nova York e toquei no Village, aí sim. Eu trabalhei como jornalista, repórter, no JB, o Jornal do Brasil, e na Revista Bloch. E aí sim, eu fiquei mais por lá, me inspirando pra voltar pro Brasil e me inscrever no Festival Internacional da Canção. E logo que eu cantei no Brasil, a primeira vez, foi no Ginásio do Maracanãzinho. Imenso! Daí em diante, eu, já advogado, entrei pra trabalhar num escritório de advocacia. Porém, fui dar razão à outra parte, à parte contrária à minha. Aí não deu, né? Caí fora.

E pra terminar essa história da minha relação com o rock, eu cantei lá nos Estados Unidos no Cool Jazz Festival. Perguntaram logo de onde eu vinha, sobre aquela música que eles diziam não saber de onde vinha. E, em seguida, me perguntaram se eu conhecia o Yes. Eu disse logo: Não! -‘Mas você não ouviu nem Rolling Stones?’ – insistiram em me perguntar. Eu sabia então somente uma música deles, dos Rolling Stones.

Alceu começa a imitar Micky Jagger cantando Satisfaction e acaba com uma gargalhada boa.

AV: Daí em diante, eles escreveram assim: Alceu Valença, o rock que não é rock.

FC: Raul Seixas dizia o mesmo sobre o “roqueiro” Luiz Gonzaga.

AV: Cara, quando eu cantei no Rock in Rio, veio falar comigo aquele cantor, o George Benson, e eu nem sabia quem ele era. Eu não ouvia…

Mas, deixa eu seguir. Claro que eu respeito todo mundo. Mas me perguntaram: -‘e Micky Jagger?’ O cara do cavalo inglês? Micky Jegue! Que eu mesmo pego o Jegue, associo a Jumento e vou montando no meu cavalo, vou montado no jumento. Pronto. Que ele, Micky Jegue vai montado no cavalo dele e eu no meu jumento. Mas eu não quero ser ele. Nem ele quer ser eu. Eu quero ser eu! Eu faço as coisas do jeito que eu quero. E pronto! Ninguém manda em mim.

FC: Sempre foi assim, né? Personalidade própria e forte. Importante.

AV: Depois fica até chato, pois recentemente um produtor mandou uma música pra mim. De uma pessoa muito fina. Aí, ontem mesmo, eu ouvi e não gostei. Aí eu fui ouvir de novo, com o meu telefone celular. E acabei dizendo pra mim mesmo: sabe de uma coisa? Eu não gostei, não! Sabe por quê? Porque eu só gosto das coisas que entram bem na minha cabeça. E aquela música não entrou bem. Não entrou, não.

Então isso só serve pra reforçar aquela minha ideia de que eu só gravo o que eu quiser, do jeito que eu quiser, com a banda que eu gostar. A sonoridade é minha e acabou-se. Pode vir dos Estados Unidos, da França, do Japão.

E sabe por quê? Do pouco que eu ouvia, eu gostava. Como Luiz Gonzaga.

E depois ele virou um mito na família porque Nelson Valença, primo do meu pai, foi parceiro dele também, de Luiz Gonzaga.

Alceu sorri novamente, aproveitando pra cantarolar Gonzaga, e imitando Seu Luiz, como ele sempre adora fazer.

As minhas influências são múltiplas. Agora é verdade que eu gosto de muita variedade. A Batida mais roqueira, para mim, é ele mesmo: Luiz Gonzaga. E foi Jackson do Pandeiro. E foi também o Coronel Ludugero. Não esqueçamos que eu nunca fui de ter escutado muita coisa, daquele jeito, porque eu escutava mesmo é rádio, no interior, nas feiras, nas praças.

Quando eu fiz aquele show no Rock in Rio, foi divertido ver os jornalistas me perguntando por aquela banda chamada Yes e eu dizendo que nem conhecia.

FC: Então vamos falar da Suíça, que só me lembra aquele disco seu gravado ao vivo, em Montreaux. Genial!

AV: Mas não confunda Montreaux com Zurique, que é onde temos o nosso show. Cidade belíssima. Na Suíça eu adorava aqueles lagos, aquela paz. E um público sempre muito bom.

FC: Sim. Isso mesmo. Show no Moods, em Zurique. Então, me permites uma pausa pra rebuscar aquela velha comparação sobre o público dos teus shows, no Brasil, agora com esses shows de festas juninas que certamente irás fazer, e – por outro lado – aqui pra brasileirada no exterior. O nosso povo que mora por aqui e que fica fazendo terapia em cima da saudade, quando vai aos teus shows fora do Brasil, onde vivemos…

AV: A energia do público é sempre única e contagiante, seja onde for. Você sabe qual a média de idade do meu público, agora, aqui no Brasil? 25 anos de idade! Não é legal, isso? Gente muito jovem está vindo aos meus shows, curtindo a minha música. Isso é muito bom. Já parou pra pensar naquilo, de que somente de visualizações de um vídeo meu (Alceu se interrompe pra cantar La Belle de Jour), eu tenho quase a população do Brasil?

Pois sobre a questão da saudade, eu também sinto saudade – e muita! Mas eu sinto saudades mesmo é de cantar, de estar no palco, de estar com o público, como agora, nesse São João, ou mesmo nos shows de Carnaval. Ou nessa nova turnê europeia que estamos aqui conversando.

FC: Daí, você volta à Alemanha. Stuttgart. Precisamente a Sangerhalle.

AV: Que maravilha. Bom demais. É realmente uma coisa muito importante pra mim.  

FC: Em alguns lugares os ingressos já estão esgotados, Alceu. As pessoas estão comprando com meses de antecedência. Em outros, tenho certeza que já esgotarão.

-“Mas não acabou não; ainda falta” – interrompe-me o entrevistado. -“Ainda falta”… Corrigiu-me Alceu Valença.

FC: Pois sim, Alceu. Então vamos pra cá, pra essa Espanha.

AV: Eu escutava muita música espanhola na Rádio. Gostava de cantar. Cantei numa das primeiras participações minhas na rádio, quando eu ainda era criança. Quando eu ia para os concursos de calouros. A primeira vez foi pra cantar uma música de Capiba.

FC: A primeira parada espanhola, Alceu, será em Madri: Mon Live.

Cantarolamos juntos: “Eeeeu fui às touradas de Madri, pararatimbum-bum-bum”

FC: Aliás, eu li em algum lugar que você, Valença, lia filosofia em espanhol, gostava de Ortega y Gasset…

AV: Na verdade, já tinha muita coisa traduzida ao português. Eu sempre gostei, sim, de filosofar. Mas, daí eu lembrei que eu fui salvo por uma professora chamada Bernadete Pedrosa, que eu gostava muito. Porque ela me chamou atenção pra minha dislexia. E, ao mesmo tempo, eu gostava sim, de escrever, mas era muito rápido em tudo o que eu fazia, comia letras…

FC: Mas, então, Alceu, você sabe combinar essa capacidade criativa de ser um cara elétrico, antenado, agitador… E que também sabe ser calmo, tranquilo, desenhando roteiros de cinema com uma canção como aquela que me acompanha por onde eu vou – por exemplo – cantando que as ruas de Olinda (de noite, principalmente) cheiram à Jasmim. E que me parecem muito cinematográficas, muito narrativas, que conduzem à gente para determinados lugares, como agora, aqui, falando contigo.

AV: Pois foi daí de onde você mora, de Barcelona, que eu conheci uns caras de um festival de cinema e música, chamado In-Edit, muito interessante. Na verdade, eu havia conhecido esses caras em São Paulo, caminhando, na rua. Eu gosto mesmo, sim, disso de combinar linguagens: cinema e música, principalmente. E sempre tive um interesse muito grande pelo cinema, graças também à minha mãe, como eu sempre repito. Eu sempre sonhei em fazer cinema. Eu queria ser cineasta. Gosto de fazer música como se fizesse imagens. Mas daí eu me recordo que o meu pai não queria que eu fosse artista. E a outra coisa que eu me lembrei agora, sobre cinema, é que eu tinha muita dificuldade em conseguir arrumar namorada, porque eu era tímido. Até que, um belo dia, uma revista decidiu me comparar com um artista de cinema daquela época, o Jean-Paul Belmondo. E eu comecei a melhorar nisso. Mas o mais engraçado é que ele, o Belmondo, tinha a venta quebrada, de tanto que ele lutava boxe. E eu não. Disseram então que eu era mais bonito do que ele. Daí eu comecei a ter um pouco mais de sucesso com as namoradas.

FC: Então, Valença, esta conversa está muito divertida e prazerosa, mas estamos chegando ao final da Turnê Europeia, depois do teu show aqui em Barcelona, na belíssima Sala Apolo, acabando em Portugal: Time Out, Lisboa, e Hard Club, no Porto.

Alceu começa a brincar, falando com sotaque de Portugal, mandando abraços pra vários nomes de amigos que moram naquele país…

AV: Eu me divido entre Rio de Janeiro, Olinda e Portugal. Gosto muito de caminhar por aquelas ruas. De passear pela Cidade Alta. Gosto de ir à Rua da Saudade. De sentar naquele banquinho, na Rua Garret, pra pegar na mão de Fernando Pessoa. Pois bem… Em Portugal, nós vamos tocar em Lisboa. E a Turnê acabará na cidade do Porto. Com chave de ouro. Foi lá, na cidade do Porto que eu comecei a compor O P da Paixão, que eu só acabei em Porto Alegre. E foi em Lisboa que eu parei na rua para divulgar o meu show, de repente, cantando Anunciação… Reuniu-se ali umas vinte mil pessoas!

FC: Então, Alceu, me permitirás falar de duas coisas muito importantes nessa turnê. Primeiro o repertório, com umas quantas boas músicas de Luiz Gonzaga, e depois com uma seleção de músicos excelentes.

AV: E tem musica nova, dedicada a ele, Luiz Gonzaga:

São João, a fogueira tá queimando meu querido São João; São João do carneirinho, meu santo de devoção. Protetor do forrózinho, do xaxado e do baião…

Pra Europa eu estou levando uma banda sen-sa-cio-nal! Um sanfoneiro doidão de Caruaru chamado André Julião. Tovinho, tecladista, o Rei dos Teclados. Zi Ferreira, maravilhoso guitarrista, muito sensível, incrível, além de ter muita técnica. Nando Barreto, baixista: é swing muito! Cunha, baterista que dá aula pro mundo todo – porque também ensina online. Essa banda é realmente impressionante. E a gente tá levando exatamente o show que estamos fazendo agora. Você vai encontrar La Belle de Jour, Anunciação, Tropicana, Girassol, Coração Bobo, e vai por aí…

FC: Pode despedir-se mandando um abraço pro público que está te esperando na Europa?

AV: Eu vou fazer uma nova turnê na Europa. Fique ligado. Se você mora em Dublin, pode contar comigo, sim. Se você mora em Londres, Lisboa, na cidade do Porto, eu vou passar com meu show perto de vocês todos. Se você mora em Madri eu também vou passar por aí. Se você mora em Barcelona, vai ser muito bacana. Se você mora em Berlim, também; é claro que sim. Se você mora na Suíça, show de Alceu Valença, é sem preguiça.

FC: Valeu, Alceu.

AV: Ótimo. Obrigado. Maravilha. Tudo de bom pra você e pra todo mundo. Falou. A gente se encontra pessoalmente por Barcelona. Abraço pra todo mundo por aí.

Até logo.


Colaborador da FIBRA, Flávio Carvalho é escritor, poeta, antropólogo, ex-consultor da UNESCO, FAO e OIM. Filiado e ex-assessor parlamentar do PT, trabalhou como consultor do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Cultura no Governo Lula, além de atuar como Coordenador de Formação e Planejamento do Orçamento Participativo de Olinda. Foi educador da CUT, CONTAG e MST, bem como Coordenador de Cultura do Fórum Social Nordestino. Foi vice-Presidente do Conselho de Representante dos Brasileiros no Exterior e é fundador e membro do Coletivo Brasil Catalunha.

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Twitter e Instagram: @1flaviocarvalho
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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