Qual será o nosso plano de ação nesta campanha?

Por Selma Vital, para o site da Fibra.

Carolina do Norte, 17.08.2022

“Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói”
(O Quereres, Caetano Veloso)

Comecemos com a poesia de Caetano, o octogenário do mês, para falar de dualidades e antagonismos, ainda que as minhas letras utópicas de hoje possam soar por demais pragmáticas.

No fim de julho, The Intercept Brasil (TIB) publicou a reportagem de Nayara Felizardo explicando como funcionam os grupos bolsonaristas. O esquema se baseia majoritariamente na criação automática de grupos de WhatsApp com números de telefone falsos, em geral, estrangeiros. Em seguida, os links desses grupos são divulgados em grupos de minions já existentes e ativos. Na medida em que conseguem uma grande adesão, lançam uma chamada para moderadores, que a partir daí se voluntariam como responsáveis para fazer o grupo crescer organicamente.

O papel desses grupos é replicar notícias falsas, quase sempre compartilhando links para vídeos de canais de You Tube de extrema direita. Mas segundo o publicitário e pesquisador entrevistado do TIB, Renato Ribeiro, os grupos também servem como balões de ensaio, a partir do qual se pautam as próximas falas do próprio energúmeno e se oferece argumento-munição para as “discussões” dos ditos seguidores nas redes sociais. Notem que se você faz qualquer questionamento em um comentário, eles têm no máximo uma frase como resposta, às vezes nem isso. Se você apertar, daí partem para a agressão ou repetem os bordões.

Nem por isso se deve pensar que o esquema é amador. Aliás, muito ao contrário; Ribeiro nos dá conta que a criação automatizada dos grupos é justamente para que possam ser monitorados por meio de softwares bem estruturados e caros. É assim que testam o conteúdo que gera mais engajamento.

Muitos dos que divulgam uma carga pesada de notícias falsas nestes grupos são pessoas comuns, os chamados tios e tias do zap, referidos no artigo como “robôs humanos”. Em 2018, comentei estarrecida no Facebook sobre uma senhora aparentemente simples, com a foto de capa ilustrada por símbolos cristãos, fazendo campanha para o inominável. Uma amiga me tranquilizou, dizendo que eram “robôs”. Hoje sabemos que os tais robôs são de fato pessoas e mostraram o estrago que podem fazer; e com todo o preâmbulo golpista deste ano e a ladainha de sabotagem das eleições sabemos também que o jogo vai continuar pesado, uma vez que ética é conceito desconhecido dentro desses grupos.

Para complicar, os antipetistas de carteirinha que não apoiam diretamente o ocupante da presidência, mais vez se eximem da sua responsabilidade diante do caos, com a justificativa mequetrefe do direito democrático de… não votar.

Do ponto de vista estratégico, o que fazer? Como lutar contra um inimigo que aplica golpe baixo? Como continuar batendo acima do nível da cintura quando você já sabe que não vai ter regra do outro lado? Como convencer quem ousa igualar Lula ao monstro de que essa narrativa, além de mentirosa, é nociva ao processo democrático?

Não esperem que eu traga as respostas, porque também estou à cata delas. O que proponho é que a gente pense dentro dos nossos coletivos, das nossas redes de apoio e que ao contrário dos grupos de tios e tias do zap cada um inicie ou reforce grupos de pensamento estratégico para pequenas ações, junto a familiares, colegas, amigos, amigos de amigos… o dono da quitanda, a moça da farmácia, a manicure. A Fibra tem coordenado algumas dessas iniciativas no exterior e tem dialogado com grupos no Brasil também.

Em 2018 me emocionou ver numa metrópole alucinada como São Paulo pessoas montarem suas mesinhas improvisadas, (algumas com bolo!), para explicar a importância do voto em Haddad. Você pode rebater que não funcionou e eu devo insistir que havia outros poderes sórdidos que ainda não apareciam no nosso radar. Mais que isso, ou para piorar o cenário, começamos essas ações um pouco tarde demais.

Desta vez, mais escolados, podemos criar nossas próprias alternativas para uma vitória como ela deve ser: grandiosa, íntegra, feliz? Como nos posicionarmos diante de um auxílio emergencial de compra de votos? Diante de pequenas quedas de preço com objetivo eleitoreiro? Será que Janones está certo e nossa “carta em defesa do estado direito “é um símbolo burguês?

Duvido que seja tão simples. Oferecer o pão e o circo não nos isenta de reforçar a importância do respeito às leis democráticas, que foram aviltadas durante a farsa da Lava Jato. O educador Daniel Cara disse em sua conta de Twitter em relação às oscilações nas pesquisas: “[P]ara vencermos Bolsonaro, o negócio é colocarmos a bola no chão, lutar pelos votos e não ficarmos refém do fluxo das redes sociais.”

E acrescento: que criemos nossas cartilhas de ação, não para moldar robôs, mas para engajar uma militância consciente e ativamente esperançosa. E se me permitem mais uma sugestão, que o primeiro mandamento da cartilha seja não esmorecer, porque a campanha só começou! Onde querem desespero hão de encontrar nossa capacidade de luta. Que não é pequena!


Selma Vital é jornalista e professora. Fez parte do Coletivo Aurora, de Aarhus (Dinamarca) e agora é membra independente da Fibra, morando na Carolina do Norte, EUA.

Acompanhe as letras de Selma:

Instagram: @selmadaclaraboia

Site (@svital): Claraboia

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos como tal pela autora, sendo por tanto de sua exclusiva responsabilidade.

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