O machismo estrutural no futebol espanhol

10 esclarecimentos

De Flávio Carvalho, para o site da FIBRA.
@1flaviocarvalho, sociólogo, escritor, residente na Espanha.

Barcelona, 23 de agosto de 2023.

“Afinal de contas, não tem cabimento…”
(Desesperar Jamais, música de Ivan Lins).

1. O Presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luís Rubiales, procedente das Ilhas Canárias é um ex-jogador de futebol (medíocre), que substituiu o anterior (corrupto), que permaneceu 25 anos no poder, apesar de todas as denúncias e questionamentos. Seu principal opositor, Javier Tebas, está igualmente há décadas sentado no cargo, carregado de escândalos e denúncias. E é famoso por suas declarações políticas fascistas, como o apoio publicamente declarado a VOX (e ao privilegiado time do Real Madri).

2. Além de não reconhecer o erro, Rubiales ordenou que a assessoria de comunicação da Federação preparasse às pressas uma mentirosa declaração com a inventada conivência da jogadora “beijada”, ainda que ela houvesse demonstrado seu incômodo logo após o ato machista que deu a volta ao mundo.

3. Rubiales ganha mais de 700 mil euros (sem contar os dinheiros não declarados, frutos de outros “contratos”, como a parceria com a empresa do ex-jogador do Barça, Gerard Piqué). E Rubiales ainda insiste em cobrar 3 mil Euros para pagar o aluguel da sua residência. Apesar de ser um organismo não público, recebe milhões de subvenções com recursos públicos, além das caras cotas das milhares de escolinhas – como a que eu, redator deste texto, pago a cada mês pela Escola de Futebol Base do meu filho. Conheço de perto, portanto, estes assuntos. E me envergonho, cada dia do machismo e racismo, ambos estruturais (assim como o fascismo) neste país.

4. A Espanha é um dos líderes mundiais do futebol sendo destino da maioria dos principais brasileiros que jogam no exterior; terra onde surgiram os primeiros apoios e vacilos em relação aos casos de Dani Alves (hoje preso, mas logo apoiado pela imprensa esportiva espanhola machista) e de Robinho (hoje apoiado pelos antirracistas, mas logo insultado por esta mesma imprensa racista como sendo provocador e vitimista). País onde se gasta mais tempo com análise machista da postura (corporal inclusive) da jogadora e de quebra ofusca o mérito coletivo pelo troféu ao entrar na vida íntima das jogadoras, como o caso dos relacionamentos homoafetivos de muitas delas.

5. Este caso midiático esconde outro escândalo, de igual ou pior proporção. O coletivo de 15 jogadoras da elite do futebol feminino espanhol que se negaram a participar de todas as competições (mesmo sabendo que estariam entre as favoritas para ganhar esta Copa do Mundo Feminina), enquanto o atual treinador – apoiado por Rubiales e pelos meios de comunicação assumidamente machistas – seguir com suas práticas “duvidosas”. Espera-se para os próximos dias que venham à tona a revelação de porque estas jogadoras se negaram a ser treinadas por este homem.

6. Ontem, Rubiales foi saudado com frieza pelo atual Presidente Pedro Sánchez, que declarou publicamente que o Presidente da Federação cometeu um “gesto inaceitável”. Ao que toda a imprensa espanhola perguntou, “Qual deles?”. Pois nesta mesma final do Mundial de Futebol Feminino, as câmeras de TV flagraram Rubiales comemorando com o típico gesto espanhol de agarrar-se o pênis por cima da calça, exibindo-o ao mundo. por mis huevos, tal como se costuma dizer na Espanha. Ao seu lado, estava a Rainha Letícia e a princesa Leonor. Teria sido este o gesto inaceitável, mais que o “beijo roubado”?

7. O machismo espanhol não nasceu casualmente. É fruto da mais longa ditadura europeia, a de Franco, o terceiro grande ditador europeu. Hitler foi assassinado ou suicidou-se para não ser preso. Mussolini foi enforcado em praça pública. Franco morreu de velhinho, com honras de chefe de estado e seu legado estrutural nunca foi absolutamente questionado nem desmontado pela inacabada transición española. O futebol foi uma arma fascista nas mãos do franquismo, durante décadas.

8. Nada foi mais machista que a corrupta monarquia espanhola, cujo rei fugiu para a Arábia (abrigado por reis árabes milionários que o corromperam, supostamente), depois de escândalos de traição à Rainha. Uma monarquia medieval sustentada também por esta mesma grande mídia.

9. A base da atual seleção espanhola de futebol feminino, tal como no futebol masculino que ganhou o último mundial para o país, é do Futebol Clube Barcelona, equipe que bateu o recorde mundial de público de um jogo de futebol feminino, no seu campo, o Camp Nou, lotado, em março do ano passado. A maioria das jogadoras que se negaram a jogar enquanto houvesse o atual machista treinador é do Barcelona, time que representa a cidade mais antiespanholista de toda a Espanha. Para entender-se esta última expressão há que conhecer o mínimo sobre o processo independentista na Catalunha.

10. Diferentemente do trato ao futebol masculino, faltou até cerveja no ônibus que desfilava as campeonas mundiais nas ruas da Espanha. Viralizou-se o vídeo da jogadora do Barça, Alexia Putellas, 2 vezes Bola de Ouro na sua categoria: “teremos que parar o ônibus e descer pra comprar mais cervejas no mercadinho?”.

Aquele abraço.

Flávio Carvalho


Twitter e Instagram: @1flaviocarvalho
Facebook: @quixotemacunaima | @amaconaima

#maconaima #quixotemacunaima

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

2 thoughts on “O machismo estrutural no futebol espanhol

  1. Futebol, politica, capitalismo e machismo nunca estiveram desvinculados ao longo da historia…
    Seus apontamentos elucida de uma maneira contextual a realidade no mundo dos esportes e o femenino.

    Ótima analise querido amigo sobre tristes acontecimentos.

    #Seacabó

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »