13 pontos, de Burocracia e mais.
“Tenho um travesseiro na boca.
Não me escutam.
São fantasmas”
(Rimbaud, Uma temporada no inferno)
@1flaviocarvalho. Sociólogo e escritor.
Barcelona, 21 de setembro de 2023.
Comecei a trabalhar aos 16 anos. De lá para cá nunca parei. Só passei poucos meses desempregado.
Agora, exatamente neste 20 de setembro completei 13 anos no atual posto de trabalho. Meu número da sorte é o 13. Mas eu não quero falar somente de mim. O que esse texto teria a ver com você?
Escutei dizer que me veem expansivo nas minhas relações pessoais. Não é por casualidade que sempre me mantive discreto em relação ao meu atual local de trabalho. É como não publicar fotos de filhos crianças sem a sua estrita permissão. Para buscar uma esdrúxula comparação.
Por algum motivo será, tanta discrição.
Chato, pra resumir, me veem. Eu sei. Quem não me conhece bem, principalmente.
São duas razoes evidentes, pelo menos para mim.
Primeiro porque, certa vez, faz tempo, não aceitei intimidação profissional sobre a minha vida pessoal (política, de fato; meus direitos civis e políticos, de cidadania), principalmente por tratar-se de fora do horário de trabalho: um cuidado que eu assegurei com veneração sagrada. Protestei veementemente à pessoa inquisidora, superior hierárquico: e deu certo. Invoquei – sem falsa modéstia – haver cursado um Mestrado em Ciência Política e demonstrei, no ato, meus poucos, mas louváveis, conhecimentos a respeito da defesa e promoção de direitos de cidadania. Além de um mínimo conhecimento sobre a questão da liberdade de expressão e o zelo no ambiente profissional. Com uma pitada de conhecimento sobre o direito de garantias sindicais.
Depois, pela desagradabilíssima sensação de estar viajando de férias, com minha mãe doente (pouco antes de morrer) e receber uma ligação de pessoa que me perguntava coisas de trabalho, quando a informação era pública e acessível sem margem de dúvida. Seguramente, um dia inesquecível pra mim.
Minha experiência de bem mais de treze anos lidando com a dureza da burocracia (um pleonasmo, já que a palavra burocracia não apenas significa um conjunto de duras normas, mas “politicamente” um artifício da sociedade capitalista que prejudica quem não pode pagar por gestores, despachantes e advogados), me ensinou a lidar com os diferentes graus de Preguiça, Medo, Pavor, Pânico, de quem é obrigado a passar por ela.
Por isso, para felicitar-me, a mim mesmo, neste dia, fiz um elenco de 13 questões sobre o meu trabalho e a danada da burocracia. Quem sabe te serviria…
- A maioria das informações já existem. Não se minta pra si mesmo. Eu concordarei se fores sincero e admitires aqueles quatro sentimentos diante da imensa quantidade de informação: Preguiça, Medo, Pavor, Pânico. Sabe porque? Porque eu também tenho, quando o assunto também é burocracia, por exemplo, espanhola, pra cima de mim. É normal, portanto. Não me minta, pois.
- A sindemia (não foi pandemia, leia mais sobre isso) tornou as coisas ainda mais complicadas do que já eram. Não. O mundo não ficou melhor como a publicidade que vendiam. Mas o mundo depende de como a gente vê e atua sobre o mundo. Aqui estou, fazendo o que sinto que devo fazer.
- A digitalização, a telematização, informatização a “robotização” dos sistemas provoca um novo tipo de perigosíssima exclusão social: a digital. Hoje eu sou ainda mais plenamente consciente disso. E o que é pior: piorou. Desculpem a redundância. É força de expressão.
- É humano, demasiadamente humano, botar a culpa nos outros. A clássica expressão, “O inferno são os outros”, do filósofo francês Jean-Paul Sartre, está cada vez mais viva. Responsabilize-se primeiro. Depois disso, se quiser, a gente pode conversar. Sim.
- Não me diga que você não deixou aquela coisa chata para só fazer em cima da hora. Eu também já fiz muito isso. Portanto, não minta pra você mesmo. E assuma o peso desta responsabilidade também.
- Se você nunca perguntou nem pediu ajuda a quem é pago pra fazer isso, o culpado pela sua dúvida passa a ser única e exclusivamente você.
- Se você não queria mais burocracia não deveria ter saído nunca do seu mundinho, no Brasil. Migrar é o que eu mais recomendo, mesmo sabendo que muita gente não pode, porque não pode. Mas migrar é saber que se no Brasil você lidava com uma burocracia, você tem que ser consciente de que viver em outro país tem o ônus e o bônus, como em tudo na vida, de poder desfrutar e ter que pagar caro também por esta SUA decisão pessoal. Foi você quem somou burocracias na sua vida. Por livre e espontânea vontade. Seu livre arbítrio. É duro escutar isso. Eu sei.
- Igualmente ao ponto anterior, se você se nacionaliza em outro país, terá o benefício de ter dois passaportes, mas também assumirá a responsabilidade de que você agora passará a ter duas burocracias (ou mais) pra lidar. E pra se responsabilizar. Bem-vindo. E Não é questão de culpa. A culpa é o pior dos sentimentos cristãos. Por isso repeti nesse texto a palavra responsabilidade. Várias vezes. Perceba.
- O Brasil não tem a menor ideia de quem nós somos, Brasileiros no Exterior. Esse é o mantra que infelizmente eu repito, faz mais de 13 anos. No dia que isso mudar, as coisas começarão a melhorar. Mas isso é tarefa nossa. Ninguém vai fazer por nós. Direitos não caem do céu. É luta, companheira. E a ignorância, o desconhecimento é origem de muitos males.
- Quanto mais anos passarmos fora do Brasil mais nos sentiremos brasileiros. É outro mantra. Certamente já me ouvistes falar. Pois hoje mesmo aumentou.
- Quanto tempo faz que você não verifica a data de vencimento do seu passaporte? Repita essa palavra ao vizinho. Estará fazendo algo bom. No mínimo.
- Porque o passaporte brasileiro é um dos mais caros do mundo? Essa pergunta esconde muitas verdades que precisam ser bem comentadas, decifradas, esclarecidas. Mas jamais num texto como esse. Tomamos uma água e falamos, pessoalmente?
- Meu atual trabalho, o que eu passei mais tempo na vida, é exatamente o único (ÚNICO) que não possui um plano de cargos e carreiras, um programa de recursos humanos com possibilidade de ascensão profissional. Isso é tão desmotivante que a cada ano que eu completo, eu prometo a mim mesmo que não passarei nem mais um ano aqui. Faz 13 anos que eu me prometo isso.
Aproveitemos, o quanto eu seguir por aqui. Vida é isso. Aproveitar cada dia como se fosse o último.
Pedras que não rolam criam musgos. Like a Rolling Stone. Né?
Aquele abraço.
Flávio Carvalho
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Nota: Os textos, citações e opiniões podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.