De decepção em decepção, Lula assinou a nova lei para as migrações.

Barcelona, 7 de outubro de 2025.

Por Flavio Carvalho.
@1flaviocarvalho, sociólogo, ex consultor internacional da OIM e da UNESCO, eleito vice-presidente do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior (2010).
Recebeu a Ordem do Rio Branco, no Governo Lula, em 2011.

“Peregrino nas estradas de um mundo desigual.
Espoliado pelo lucro e ambição do capital.
Do poder do latifúndio, enxotado e sem lugar.
Já não sei pra onde andar…”
(Migrante, Zé Vicente).

Saiu do forno, quentinha, com assinatura do Presidente Lula, a nova lei brasileira para as migrações.

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Depois de 20 anos lutando pela sua melhora, apresento a minha análise social e política sobre o que resumo em 3 perspectivas: um significativo (minúsculo) avanço; a sensação de uma imensa oportunidade perdida; e uma nova grande decepção.

Em primeiro lugar, a felicidade de ver-se enterrando a política da ditadura militar-empresarial brasileira de velhas restrições para as pessoas imigrantes, no Brasil. Muito e pouco, ao mesmo tempo. Passou-se, por exemplo (e faz tempo), de não mais enquadrar o que os militares consideravam como terroristas imigrantes, na velha Lei de Segurança Nacional, para expulsar cidadãos políticos “estrangeiros” com ideias indesejadas ao governante de plantão. É muito. Mas é pouco. A cara deste governo.

Enquanto isso, diferente do Brasil, até mesmo países com aumento da xenofobia e racismo, estão avançando no tratamento da cidadania das pessoas migrantes. Por exemplo, podendo, estes, participar ativamente da vida política nacional, com direito a votar e a ser votado. Para o nosso atual governo, isso deve continuar sendo impossível. O que contraria a imensa maioria dos movimentos sociais globais que lutam, faz décadas, por esse direito.

Como dado curioso, aos portugueses, cujo atual governo está restringindo todos os direitos aos brasileiros que para lá emigram, a lei brasileira lhes facilita a vida, nesse sentido (da cidadania e do direito ao voto). Nem a mais básica reciprocidade o nosso governo tem a coragem de aplicar.

Não é a toa que o Brasil seja ainda um dos pouquíssimos países que sequer aceitou assinar a Convenção da OIT, Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, recomendada pelos organismos de defesa dos direitos humanos da própria (defasada e desmoralizada) ONU.

Entre as grandíssimas oportunidades perdidas, antes de chegar às tais decepções, este atual governo desconsiderou absolutamente duas décadas de propostas nossas, dos aproximadamente 5 milhões de brasileiros que emigraram. Já poderíamos ter, faz tempo, uma das mais avançadas políticas para as migrações, das melhores do mundo. Pelo contrário, depois de hoje, continuamos tendo uma das piores e mais medíocres. Na última conferência pública organizada pelo Governo Lula para melhorar esta lei que hoje saiu, sistematizei mais de 2 dezenas de relatórios oficiais de grandes eventos que entregaram (entregamos) de bandeja, mais de uma vez, para o Governo Lula, tudo que propomos, reivindicamos e exigimos. Posso afirmar, com convicção e profundo lamento, que a desconsideração foi absoluta.

Porém, a principal decepção na hora de analisar uma política pública para o Brasil, em matéria de imigração, não diz respeito aos retrocessos que pode conter e sim na cumplicidade e omissão diante de tantos problemas a serem resolvidos. Sem resolver. E que esta nova Lei simplesmente “disfarça e olha para o outro lado”. Porque será que isso se repete? Será que não há, neste governo, cargos técnicos e políticos que o alertem nesse sentido? Como se explica tamanho descaso e desconsideração?

Imaginemos, por exemplo (por não saber mesmo, pois não há transparência e nem se aplica a própria LAI, Lei de Acesso à Informação, Lei n° 12.527, de 18/11/2011), todas as atribuições e recursos (financeiros, principalmente) que a nova lei (também) para Emigrantes, covardemente se omite de estabelecer para as 138 representações diplomáticas do Brasil no exterior. Esta nova Lei, associada ao novo Regulamento Consular Brasileiro aprovado pelo nosso Governo Federal, poucos dias atrás, na calada da noite, sem nenhuma possibilidade de consulta pública, sem escuta ativa, sem diálogo com os principais interessados, é um tiro de misericórdia na aspiração legítima de mais e melhores direitos.

Pois, pasmem! O Decreto 12.657, de hoje, assinado por Lula, estabelece somente 5 atribuições genéricas, vazias de conteúdo, para um ministério (MRE) tão importante para as 5 milhões de pessoas brasileiras no exterior. Mesmo sendo estes 5 milhões de brasileiros emigrados, um quantitativo maior que a população da maioria (15, entre as 27) das Unidades Federativas do Brasil.

Sobre as dezenas de propostas para a cultura brasileira no exterior, um dos nossos principais ativos mundiais, encaminhadas na 1ª e na 2ª COMIGRAR, na Conferência do FICBR (Fórum Internacional de Cultura Brasileira, no exterior) e na recente Conferência Nacional de Cultura do MINC… absolutamente nada. Nenhuma linha!

Como luz no final do túnel, uma brecha, esperançosa. Este nosso governo criou um fórum novo, chamado Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e Apátridas – Fomigra, estranhamente “jogado” para dentro do Ministério dos Direitos Humanos (pois já houve algo semelhante, esvaziado, no Ministério do Trabalho, no MRE…).

No movimento anticapitalista mundial, já houve quem atribuísse, equivocadamente, a Martin Niemöller, aquela repetida frase: “queriam trabalhadores, vieram pessoas, seres humanos”.

Chegou a hora de dizer ao nosso Presidente Lula, que já pode esperar o nosso trabalho de formiguinha no mal nascido Fomigra. Queriam pessoas acríticas? Seguiremos vosso próprio conselho: elevar o nível de consciência crítica da classe trabalhadora. A luta continua. E vai ter luta, sem dúvida.

Aquele abraço.

Nota: Os textos, citações e opiniões deste texto podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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