Sobre orgulhos, diversidades, privilégios, Lula e a minha irmã

@1flaviocarvalho, @amaconaima, sociólogo e escritor, residente em Barcelona.

Barcelona, 24 de outubro de 2023.

Em memória da jovem Karol Eller, induzida ao suicídio pela criminosa “cura gay”, no Brasil. E para a família da jovem pessoa que cometeu terrível assassinato na Escola Estadual Sapopemba, depois de sofrer bullying homofóbico.

“Consideremos justa toda forma de amor”
(Lulu Santos).

@1flaviocarvalho.
Sociólogo e escritor. Participante da FIBRA e residente em Barcelona.

Barcelona, 24 de outubro de 2023.

Chorei algumas vezes quando Lula chorou na TV. Duas delas, guardei na memória. Ao tomar posse, num mandato anterior e neste, ele repetiu a emoção, chorou, ao tratar de um tema que eu acho que é psicologicamente caro para ele, Lula.

Lula conteve a emoção duas vezes, em duas cerimônias de posse da Presidência, ao lembrar que não possui diploma universitário. Errou. Cometeu o ato falho de esquecer que já tem mais de trinta títulos de Doutor Honoris Causa, concedido pelas universidades mais importantes do mundo. Nessa hora, a emoção lhe faz esquecer das dezenas de diplomas de Doutor. E lhe remete mais à frustração de nunca haver tido a oportunidade de frequentar um curso universitário. Por algo será…

Longe de mim desmerecer as formações acadêmicas. Eu consegui quatro titulações, sem nunca precisar me gabar delas. Nem comento muito. Pouca gente sabe. Só o faço hoje porque me ajuda a contextualizar. E só eu sei o que me custou conseguir cada uma delas.

Entretanto, Paulo Freire me ensinou que no Brasil há muito mais gente que nunca frequentou uma universidade e merece um Honoris Causa, do que alguns que passaram anos lá dentro e – sinceramente – parece que não aprendeu nada da vida.

Sou suspeito ao dizer que a minha irmã bota meus diplomas universitários no bolso? Vos explico.

Ontem, finalmente, escutei um recente podcast que ela, minha irmã me enviou, resumindo em poucos minutos a história de vida dela (e, claro, a das nossas vidas) e de como tornou-se uma referência internacional para as famílias LGBTQIAP+ no Brasil inteiro.

Passei mais de trinta minutos “parando a fita” e chorando de orgulho.

Empolguei-me tanto que fiquei quase o dia inteiro escutando todos os podcasts da série, deliciosa, didática, emocionante, chamada IDA. De uma jornalista interessantíssima chamada Lorena Coutinho. Nele, no Spotify da IDA, encontrei histórias muito interessantes sobre as diversidades homoafetivas, no exato momento em que o fascismo brasileiro voltou com suas pautas morais medievais. Por sorte, temos Lorena, Suanne, Layne (como eu chamo minha irmã, famosa nas redes como Gi Carvalho). E vamos descobrindo que família é um conceito de vida muito mais amplo do que sempre fomos conduzidos a pensar.

As três partes para mim mais interessantes do podcast da IDA são estas.

Uma primeira em que eu sei muito bem o quanto ela se lamenta de não ter tido o privilégio de poder dedicar-se mais aos estudos e ter um diploma acadêmico. Eis este texto para que ela valorize mais o que possui e não ficar lamentando o que ela – e a imensa maioria das brasileiras desprivilegiadas (pelo machismo, racismo, aporofobia e outras discriminações) não possuem. E refletir sobre até onde isso é ou não, realmente, um intransponível problema. Nunca é tarde, não esqueçamos.

As duas outras partes são quando ela me enganou, na narrativa do tal podcast. Induziu-me a pensar numa reação negativa da minha mãe e do meu cunhado, quando souberam que a minha sobrinha assumiu sua opção homoafetiva. E foi exatamente o contrário do que em segundos pensei. Chorei nessas duas partes, de orgulho (mais ainda). Aceitaram e apoiaram, sim. Dos seus jeitos. Com louvor. E, sobretudo, com amor.

Sentimentos tão desencontrados quanto parar pra pensar (ou melhor, pra sentir): o orgulho maior, se ainda cabe, é pra minha sobrinha. E uma revisão profunda comigo mesmo sobre a incapacidade de perceber a riqueza familiar que me envolvia (e que sempre me privilegiou, como homem primogênito, alheio). Nunca é tarde, repito… Tudo isso, que foi em mim construído, felizmente, comprovadamente, pode-se desconstruir. O primeiríssimo passo é querer. Não se (auto)enganar.

De fato, a grande protagonista nessa história toda, é a sua filha, minha sobrinha e afilhada (ainda estou em tempo de honrar à altura, a escolha da minha irmã, por mim, como padrinho), e a sua própria história de vida. Exemplar. Preciosa. Muito ainda pela frente. Vamos lá.

Formei-me em sociologia, que eu chamo de estudo das generalizações. Deixando claro o quanto eu gosto (pouco) da teoria sociológica moderna. Tem coisas que eu não sei o que seria das nossas vidas sem a psicologia. Quantas vezes fui acusado, nas aulas de sociologia, de ser psicologizante demais?

Jamais escrevo textos meramente pessoais. Cursei o mestrado de Ciência Política (na UFPE) e adotei, recentemente, um lema: Política é Vida. Como vida, é sentimento, pois, então…

A história de vida da minha irmã (e principalmente, da minha cada vez mais amada sobrinha) passou diante dos meus olhos, da minha própria vida, sem que eu percebesse aquela grandeza toda. Onde eu estava enquanto aquela universidade de vida passava bem pertinho de mim? Devia estar enfiado num livro. Ou numa bolha misógina (que até hoje eu luto contra ela, e desconfio de toda vez que eu acho que já consegui). Ou bloqueando, propositadamente, todas as coisas que meus privilégios não queriam ver. Acho até que foi isso mesmo. Memória seletiva. Diagnosticar é só o importante primeiro passo para mudar, pra melhorar.

O melhor de tudo é que, escutando, aprendi. Aprendi com o aprendizado dela. Que hoje ensina milhares de pessoas, pelo Brasil afora. Internacionalmente até, pois agora eu a vivo recomendando para minhas melhores amigas que vivem fora do nosso país, como eu.

Sobre as questões relativas às diversidades homoafetivas, o fato de que o falso moralismo neonazista brasileiro se agarre no retrocesso desses direitos, e até mesmo o velho discurso de que a isso, a esse tema, boa parte da esquerda insista em chamar de representatividades, identitarismos, minorias e outros reducionismos, recomendo conhecer o trabalho das organizações de famílias que, com seus amores diversos, estão na linha de frente na defesa de nossas jovens. Na defesa das suas vidas.

As lutas antifascistas ganharão muito quando admitirem os ganhos de todas essas lutas.

Lutas que não diminuem as lutas antifascistas, em nada. Muito pelo contrário.

Viva as compatibilidades! Um mais um é sempre mais que dois.

A organização que minha irmã faz parte, chama-se Mães da Resistência. @maesdaresistencia

E, como veem, Layne (@gicarvalhomdr) é um dos meus maiores orgulhos na vida. Sempre foi, mas agora é muito mais. Graças a Lorena Coutinho (@lorenacoutinhooficial).

Flavio Carvalho. Barcelona, 24 de outubro de 2023.

PS.: daqui a três dias será aniversário de Lula e de lembrar a ele que ele tem outro presentinho para receber aqui na cidade onde estou escrevendo este texto. Precisamente na Universidade de Barcelona, uma das mais antigas da Europa. Que lhe concedeu mais um Diploma de Doutor Honoris Causa.

Sem medo de ser feliz.

Flavio Carvalho.


Twitter e Instagram: @1flaviocarvalho
Facebook: @quixotemacunaima | @amaconaima

#maconaima #quixotemacunaima

Nota: Os textos, citações e opiniões podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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