Por Flávio Carvalho
@1flaviocarvalho, sociólogo e escritor. Barcelona, 10 de fevereiro de 2021
Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mas vamos falar um pouquinho sobre o dia de hoje.
Hoje é 10 de fevereiro. Uma data importante para mim e para o meu país. Voltemos 10 anos atrás (ou um pouco mais) por favor. Na vida de um país como o Brasil, saindo da adolescência, época de grandes questionamentos, você começa a ver mais coisas erradas do que pensava que antes havia visto. Começa a meter-se em assuntos políticos, por estar insatisfeito com o que vê. Começa a paquerar com uma menina que se diz do Partido Comunista. Que mais irreverente que ser comunista no Brasil naqueles anos? Hoje voltou a ser?
O meu primeiro voto foi num comunista pernambucano chamado Roberto Freire. Hoje, uma das pessoas menos comunistas que eu conheço. Mas o que é comunismo para ele, para você ou para mim? O que são oS comunismoS para o PT? Depois você começa a aproximar-se de tudo que é “movimento”. De fato, nem é partido o que você quer.
Começamos pelas Pastorais da Igreja Católica: PJMP, Pastoral da Juventude do Movimento Popular. Faz um curso de “Formação de Base”. Dom Hélder Câmara. Base de quê?! Depois entra na universidade: PU, Pastoral Universitária. Frei Beto. Lá você conhece o MST. Dom Pedro Casaldáliga e Dom Tomás Balduíno. Começa a trabalhar, entra no sindicato. E lá descobre que além do principal, a relação capital-trabalho, existe muito mais: racismo, machismo, ecologia… Você não entra no PT. O PT entra em você.
Quando o Sport Clube do Recife ganhou um campeonato, eu passei a torcer por ele, na euforia da comemoração. Que jovem quer entrar num time que está perdendo? No campeão, sim. Claaaro.
Quando o PT perdeu a eleição pro Collor, eu me filiei ao PT. Que jovem quer entrar num partido que está perdendo? EU! Pegar o trem andando pode dar mais trabalho do que pegar o mesmo trem quando ele ainda está para sair da estação. Fica mais claro pra onde ele vai. Quando Lula ganhou a primeira eleição, depois de três tentativas frustradas, eu saí para morar fora do país. Só quem esteve ativamente dentro do PT sabe que não existe um PT. Que o PT, felizmente, são muitos PTs.
Como corrupção não é palavra de moda, quem se lembra daquela época em que um grupo minoritário, dentro do PT, brigava com outro grupo majoritário dentro do PT, e até irresponsavelmente (ai, a juventude…!) saía acusando do PT pra fora? Os grandes jornais já adoravam, naquela época. Dizíamos assim, faz um bom tempo: a corrupção é um mal endêmico da sociedade brasileira, que se não vigilarmos a nós mesmos, se institucionaliza “quase sem a gente perceber”.
Quantos anos houveram de passar até que Jessé viesse abrir nossos olhos? Ele, Jessé Souza, dos maiores sociólogos brasileiros contemporâneos, nos revelou: a corrupção é um problema desgraçado e imenso e ao mesmo tempo infinitamente menor, quantitativamente e qualitativamente, do que o mal absoluto de um sistema capitalista perverso que faz os pobres brigarem pela corrupção dos pobres, enquanto o rico sorri desfrutando da corrupção dos ricos, a que assassina nosso povo a cada dia, como se fosse algo normal. O nome é velho, Capitalismo, e de tão digerido, quase não incomoda nossos ouvidos. Porque, afinal, nos empurraram a falar de corrupção sempre que começamos a falar do PT? Perguntinha fácil de responder.
Bolsonaro não é somente um idiota. É o Presidente da República escolhido pelas pessoas mais ricas do país (menos de 1% da população, com poderes que até hoje desconhecemos) pra fazer o trabalho sujo de distrair-nos e ameaçar-nos (e até matar-nos) enquanto aprova o maior roubo das riquezas do nosso gigantesco país.
A solução mágica antibolsonaro não existe. Mas eu acabo este texto com uma boa notícia, principalmente aos petistas.
Poderia ser (há que experimentar para saber se é verdade) mais efetiva uma boa transformada, desconstruindo velhos vícios em nós mesmos, antibolsonaristas, para recuperar a confiança necessária de todo um país construído em bases racistas e machistas. Se é possível recuperar essa confiança? Claro que sim. Faz pouco, a tivemos. Agora confiança e respeito (e direito) nunca se ganham: se conquistam. E isso não é incompatível, admitir nossos próprios erros como primeiro passo para acabar com eles, com – ao mesmo tempo – impedir nas ruas o avanço do fascismo no Brasil.
Fascismo sim. Não fique mais naquela estória de chamar os fascistas de “ultradireita”. Avance.
O PT não é somente um partido. É um pedaço, do qual todos fazemos parte, da história desse país.
Não existe, portanto, um dentro e um fora do PT. Existe um ao lado ou do outro lado, isso sim. E existe o negacionismo, o pior de todos: fazer de conta que o PT não existe, faz um mal danado ao Brasil.
Por isso já não importa tanto se eu sigo ou não no PT. O PT está em mim, como o Brasil.
Felicidades, petistas.
Eu sou sim, outro daqueles chatos da autocrítica. Embora fora do Brasil, vocês não se verão livres de mim. Para que vejam o quanto eu gosto de vocês.
Para ler-me mais, siga-me aqui: @quixotemacunaima, onde atualizo textos de opinião com a frequência que eu gosto de escrever.
Aquele abraço.
Flávio Carvalho é sociólogo e escritor, participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya. @1flaviocarvalho. @quixotemacunaima Siga-me, por favor.