“Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas”.
Karl Marx
Por Ermeson Vieira Gondim
Quem navega pelas redes sociais da esquerda pode se dar conta de que nos últimos anos os temas têm se voltado quase que exclusivamente ao combate ao conservadorismo, às noticias falsas, e a pedir o #ForaBolsonaro, que não são para pouco, mas já faz tempo que não discutimos um questão de fundo e existenciais da esquerda: a economia, em outras palavras, o capitalismo.
A situação dos nossos compatriotas é cada vez pior. Aquilo que já vinha piorando com as políticas necrófilas e anti-povo de Temer e Bolsonaro, agora é insuportável a causa da pandemia e do descaso governamental. O fim do Auxílio Emergencial deixou os mais necessitados em uma situação que faz o fantasma da fome se plasmar na imaterialidade do alimento e na confusão mental e social de ter de pôr comida sobre a mesa pelo menos uma vez ao dia.
Segundo um artigo da Folha de São Paulo “neste janeiro, 12,8% dos brasileiros passaram a viver com menos de R$ 246,00 ao mês (R$ 8,20 ao dia)”. O mesmo artigo afirma que segundo a Projeção da Fundação Getúlio Vargas “quase 27 milhões de pessoas estão nessa situação”.
Nosso país atingiu uma taxa de 14,6% de desemprego no terceiro trimestre de 2020 deixando 14,1 milhões de pessoas sem fontes de renda.
É indignante o descaso de Bolsonaro no “combate” à pandemia e em não oferecer alternativas para os mais pobres o que prolonga a pandemia e os seus efeitos desastrosos para a coesão e saúde sociais e econômica do país.
Na atual crise do capitalismo, a necessidade de mercados não só tem empurrado a burguesia a conquistar todo o globo como dizia Marx no Manifesto Comunista. O capitalismo sem mais lugar onde se expandir começa a buscar lugar dentro de nós mesmos. Ultimamente o empreendedorismo capitalista ajudado pela crise, pelas redes sociais e pelo esvaziamento das discussões teóricas no seio da esquerda, faz-se cada vez mais forte.
O grande temor é que diante da situação calamitosa que estamos vivendo, terminemos introjetando os valores burgueses e evadindo nossa responsabilidade para com os que sofrem os efeitos dessa sindemia/crise. A situação é mais sutil que um “salve-se quem puder”. É um dilema histórico, existencial. Como lutar contra um projeto capitalista, anti-ultraliberal, neo-fascista, se estamos suspensos dentro da ideologia burguesa?
As redes sociais e as tecnologias da informação com seus mecanismos de recompensas, produzindo a ilusão de potencia (determinismo tecnológico), de liberdade (free), de redenção pessoal, etc, têm deixado a realidade social mais insólita do que Marx houvesse imaginado nunca.
Uma vez que nos tornemos todos pequenos capitalistas, pequenos empreendedores, estaremos obrigados a defender os valores e seu sistema, e estaremos certamente, propensos a obviar o sofrimento dos outros.
Michel Foucault na Microfísica do Poder descartou a repressão como instrumento para a manutenção do poder. Para ele o poder também se mantem a travez de mecanismos de prazer:
“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa como força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa o corpo social, muito mais do que uma instancia negativa que tem por função reprimir”.
p.45
A partir da era digital os velhos métodos de disciplina dos corpos descritos por Foucault são substituidos por métodos de alienação e dominação muito mais psíquicos. O neo-liberalismo na era digital assume outras maneiras de controle como afirma Byung-Chul Han:
O neo liberalismo como uma nova forma de evolução , ou até como uma forma de mutação do capitalismo, não se ocupa primordialmente do ‘biológico, o somático, o corporal’. Pelo contrário, descobre a psique como forma produtiva. Esta viragem orientada à psique e, por isso, para a psicopolítica, está relacionada com a forma de produção do capitalismo atual, uma vez que este último, é determinado por formas de produção imateriais e incorporáis.
Psicopolítica. p.35
O que tudo isso significa é que as novas tecnologias e a situação econômica atual nos está levando irresistivelmente e incontrolavelmente a um capitalismo centrado no Eu, no projeto pessoal, no narcisismo, no individualismo, negligência com o social. Os exemplos são os mais variados: Quando “empreendedores” foram obrigados a fechar suas MPEs (micro e pequenas empresas) para trabalhar de motoristas de UBER? Quantos jovens e adultos têm que trabalhar sem direitos para empresa que utilizam UBER EATS ou similares? Quantos de nós fomos seduzidos pela canto de sereia de abrir uma empresa de vendas nas redes sociais como Instagram? Quantos diante do desespero de vender, resolveram pagar para as redes sociais para publicitar seus produtos?
O neo-liberalismo digital centra no ser humano seu controle destruindo ao passo como um furacão tudo que se escapa ao digital, incluindo as relações sociais. Futuramente, na próxima crise do capitalismo ele destruirá a cada um de nós, instrumentos na contante revolução dos meios de produção capitalista, destituindo-nos de toda a necessidade e prestígio, proclamando o fim do humanismo.
É nosso dever moral lutar pelo bem de todes e aguerrirmos em um a militância muito mais consciente dos desafios do tempo que vivemos e muito mais solidária com os que sofrem.
Ermeson Vieira é colaborador da Fibra em comunicação, é licenciado e mestre em cinema, também mestre Comunicação e Educação na Internet.
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.