Línguas de ódio

Por Ermeson Vieira Gondim

A imagem da Michelle Bolsonaro supostamente falando em línguas estranhas gerou muitos memes e deu muito o que falar. O falatório foi em bom e corrente português mesmo, nada de línguas angelicais. E isso é exatamente o fato mais importante: o povo está falando!

É de longe sabido que um dos sinais do fascismo é a mistura de religião e política. As piores ditaduras fascistas da Europa sempre usaram a religião como legitimadoras e justificadoras das suas barbáries. Hitler perseguiu os judeus e os testemunhas de Jeová em favor do cristianismo protestante e católico; Franco e Mussolini usaram o catolicismo.

Na política brasileira atual a religião foi usada sutilmente e as vezes descaradamente para criar um pânico moral e demonizar grupos de cidadãos e cidadãs que pensam diferente. Hoje um dos “grandes” argumentos da direita é que a esquerda é contra a religião. Um pseudo-argumento que não se sustenta uma vez que foi justamente Lula que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de janeiro) onde o Estado Brasileiro reconheceu a existência do problema. Mas ainda assim, num país como o nosso formado por tantos povos (índios, brancos, negros, asiáticos, e do Oriente Médio), espera que a esquerda não fosse pela tolerância religiosa e inclusive pelo sincretismo religioso ou pelo direito de não crer seria mais ainda um desejo fascista, totalitário, purista. 

Mas ainda que Michelle Bolsonaro acuse os internautas, sempre tão criativos e com altíssimo senso de humor, de intolerância religiosa, o que está acontecendo é que as pessoas estão acordando para a manipulação e o uso do sentimento de fé para fazer uma política suja, uma política vil, uma política de má-fé. 

Não se trata de moralismo. Trata-se de uma compreensão de que os ritos religiosos da esposa do presidente e do próprio presidente, não condizem com a prática de desprezo à vida e à dignidade humana. Exemplos não faltam. Basta ver a lista de crimes apontados pela CPI da Covid:

  1. Prevaricação
  2. Charlatanismo
  3. Epidemia com resultado morte
  4. Infração a medidas sanitárias preventivas
  5. Emprego irregular de verba pública
  6. Incitação ao crime
  7. Falsificação de documentos particulares
  8. Crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo)
  9. Crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos)

Fonte: Agência Senado

Sem contar com a mentira, o racismo, a misoginia, homofobia e própria intolerância religiosa. 

Mas neste caso ninguém teria mais autoridade moral para falar de hipocrisia e mentira do que o cara que inventou o Cristianismo: Jesus, o Cristo. E diante da soberbia, do exibicionismo e da hipocrisia humana e principalmente dos seus, Jesus diz:

27

“Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície.

28

Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade.”

Mas é Paulo que termina de sentar as bases da ética cristã dizendo:

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”

1 Coríntios 13:1,2

“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.”

1 Coríntios 13:13

Assim que é o amor a base do cristianismo verdadeiro e digo verdadeiro porque são seus próprios pioneiros que remarcam a necessidade de fazer uma diferenciação que não tem a ver com a imagem social, com a cenificação de rituais, mas com o amor ao próximo materializado em ações de caridade que devem ser tão naturais que a mínima vaidade o transformaria em ato vão. Por isso Jesus disse:

“Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.

Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;”

Mateus 6:2,3

A nós de esquerda, como Jesus também o foi e pagou um grande preço por isso como pagam nossos companheiros todos os dias no nosso país, sendo perseguidos, torturados e mortos, nos toca discutir política mas também religião, ética e moral. É imperativo discutir o ódio e o amor, que não é um sentimento piegas, mas uma ação concreta de empatia ou compaixão com o outro, com a outra seja ela ou ele quem seja. Acaso não é amor em concreto o respeito aos Direitos Humanos? Acaso não é amor em concreto o respeito à dignidade humana? Ao direito de viver, de morar, de comer, de crer, de não crer, de ser negro, gay, mulher, de decidir por si só sem ser tutelados pelo Estado? 

A Liberdade com maiúscula não é só um ideal democrático, mas um ideal cristão-judaico, senão não haveria o princípio do livre arbítrio. De fato sem livre arbítrio não há respeito à ideia de Deus, já que se os homens e mulheres são os que obrigam a seguir os preceitos religiosos é porque estes não acreditam no próprio “deus” que pregam e pregoam pois não confiam na sua providência. Neste caso tudo não passaria de autoritarismo e soberbia. 

Aqueles e aquelas que falam a língua do ódio hoje em dia não são mais como os odiares de antigamente que bravejavam nas ruas e nos púlpitos dos comícios a estilo de Hitler na Alemanha, hoje estes passam nas redes sociais mensagens sutis ou fabricadas para causar risos, pânico moral e desdém à dignidade do outro e da outra.

Para 2022, o povo brasileiro precisa de discernimento e este só pode vir do diálogo honesto e da luz da razão ainda que esta seja para pensar a fé, a má-fé, o charlatanismo, o moralismo, e o ódio em nome da religião. Digamos forte que não há mais lugar no Brasil para a língua do ódio!! 


Ermeson Vieira Gondim é Mestre em Comunicação e Educação na Internet, Mestre em Cinematologia (Cinema Studies), Bacharel em Filme e Vídeo. O tema do seu mestrado em Comunicação e Educação foi o ódio nas redes sociais.

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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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