Olá, Flávio. Aqui, Chico César!

Entrevista Exclusiva com o artista paraibano. Com a gentil colaboração da também paraibana, Oriana Gontiês.

Por Flávio Carvalho, para o site da FIBRA
@1flaviocarvalho. @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor.

Barcelona, setembro de 2022.

“Quem ama fala ao mundo mesmo mudo.”
(Chico César).

Olá, Flávio. Aqui, Chico César. Assim, começou a conversa com este gênio de Catolé do Rocha. Um dos homens que eu mais amo no nosso Brasil. “Chico Ama Barcelona”, foi o título da matéria de capa da revista Brazil com Z, da última vez que aqui conversamos, em 2015.

Chico inaugura uma nova fase na minha vida. É a primeira vez que eu entrevisto um artista do seu tamanho, pela segunda vez. Lenine, Alceu Valença, Karina Buhr, Luedji Luna e tantas outras entrevistas que fiz … Nenhuma repetiu o mesmo astro. Repetir com Chico, é uma honra e orgulho para mim.

Até porque, como ele mesmo diz: “A gente sempre sabe como começa, mas nunca onde termina.”

No final da entrevista, mandou uma carinhosa e gentil mensagem, com chamada de voz, para que a brasileirada em Barcelona assista o seu show, no dia 3 de outubro, na famosa Sala Apolo.

Nesta entrevista, comigo sete anos depois, ele se mostra: Vestido de Amor. Menciona Geraldo Azevedo, João Cabral, Guimarães Rosa, e trata da sua humildade e modéstia artística, em uma particular definição de considerar-se um não-escritor. Fala das cidades europeias por onde passará. Das comunidades de brasileiros emigrados e sua relação com a migração. Da inspiradora gestão cultural de Gilberto Gil e Juca Ferreira, para ele que também foi gestor de cultura, Secretário Estadual, na Paraíba.

Chico é paraibano de coração. Menciona a excelente safra de novos artistas paraibanos. E dá uma passadinha por Recife, cidade onde eu nasci. Tanto para esta, como para a entrevista anterior, contei com a maravilhosa ajuda de uma amiga, a mais paraibana entre todas as brasileiras-francesas em Barcelona: Oriana Gontiês. Especialista em Chico e em cultura paraibana, além de outros méritos.

Ele, Chico, é um artista daqueles capazes de mencionar todos os trabalhadores, de todos os níveis da cadeira produtiva da música, verdadeiros operários da cultura, que o “Cantautor” (assim se define, Chico) conhece melhor que ninguém. Aprendi a identificar boa gente pela capacidade que elas tem de dedicar olho no olho àqueles trabalhadores que os representantes das elites oligárquicas, por exemplo, fingem que não enxergam. Chico é daquelas pessoas que não somente os trazem à sua digna existência, mas também os exaltam como merecem: produtores, mestres de cultura, seguranças, motoristas…

O mais importante, na nossa deliciosa conversa, é a análise filosófica e antropológica que o artista faz da essência estruturante do nosso caráter como povo brasileiro. Não deixem de ler, com aguçada atenção, essa genialidade que Chico César nos desvenda sobre a melhor compreensão do Brasil de hoje. E, principalmente, do amanhã. Da esperança, sempre com ação e emoção. Freireanamente, sem esquecermos da Cigana Analfabeta que leu a mão de Paulo – numa de suas canções que eu mais gosto.

O melhor momento da entrevista? Para mim, lembrou-me um episódio recente.

Viralizou na Internet, um vídeo de uma apresentação musical em que o público do seu show, grita em coro para que Bolsonaro tome no cu. Chico interrompeu o seu show e começou a dialogar com a multidão sobre esse conceito ofensivo, principalmente em relação a um importante coletivo (que a história oficial sempre tentou invisibilizar; Chico, não!). Recomendo a assistir, a continuidade daquela interrupção do show, no vídeo que circula pela Internet; o que aconteceu após o discurso de Chico, neste show: a forma como o público faz cara de surpresa, de aprendizado, de revelação, de concordância, e satisfeito volta a dançar – contente até mesmo com a pequena bronca levada do artista. Não há mal que não venha para o bem. Chico César, além de falar de liberdade, a exerce, plenamente. Com coerência.

É a receita principal do seu show, segundo ele mesmo. Liberdade. Não somente para concordar. Liberdade é diálogo. E, também, até pra não concordar. Você não precisa concordar com esta entrevista, mas, claro, não pode deixar de ler.

E até pode não ter como ir ao seu show, mas, te convido (junto com ele, Chico) a vestir-se de amor. Aqui, em Barcelona, exatamente um dia após o Dia Dois – dia do ódio ser derrotado pela amorosidade do nosso povo. Com Chico César fica mais fácil. Porque com ele, nada deve ser fácil. Mas é sempre prazeroso.

Com prazer, Chico César com vocês.

***

Flávio Carvalho – Que nos trazes, a Barcelona, Chico?

Chico César – Meu mais recente projeto é exatamente o disco e a turnê que tem o mesmo nome, Vestido de Amor. Uma turnê curta (que depois eu pretendo retomar por mais países), agora por nove cidades da Europa. E que depois eu pretendo retomar com shows também pelo Brasil. Eu pretendo voltar no verão europeu ou um pouco antes, para novos shows na Europa.

FC – Quais cidades visitarás?

Chico – As cidades europeias são todas cidades onde eu já toquei. Santiago de Compostela, Porto, Lisboa, Londres, Barcelona, Marselha, Paris, Berlim…

F – Há diferença na resposta do público, entre os brasileiros e europeus?

Chico – Eu gosto muito de tocar na Europa e de entrar em contato com o público. Tanto com o público brasileiro quanto com o público europeu. Porque a comunidade brasileira é aberta e interage bastante com o lugar onde ela está. Isso ajuda a trazer aos meus shows o seu público mais próximo: amigos, namorados, professores, alunos… Essa é uma das coisas pelas quais é sempre bom voltar à Europa e poder tocar nessas cidades.

F – Há fogo no Brasil? Como vai tudo por lá?

Chico – No Brasil os meus shows estão excelentes. Seja um show com a minha banda, do meu próprio trabalho, seja a turnê em duo, com Geraldo Azevedo, com viola e voz. Eu adoro tocar no nosso país a qualquer momento, porque o brasileiro é muito musical. E tem na música um instante de reflexão profunda sobre si mesmo. Eu adoro e estou muito feliz, nesse momento pós-pandêmico, de poder circular pelo Brasil com música, reencontrando o público. Reencontrando os produtores, os motoristas, seguranças, toda a gente que trabalha com música no Brasil.

F – E a gestão cultural, de quando você foi Secretário de Cultura pra cá?

Chico – Penso que Gilberto Gil e Juca Ferreira foram grandes inspirações para mim, como gestor de cultura. E serão para sempre, para todos os gestores de cultura que vierem. É impossível pensar em gestão cultural no Brasil sem pensar neles dois. Porque foi um trabalho incrível de olhar pra cultura como algo mais amplo. Foi algo para além das artes, ao pensar nas populações ribeirinhas, nas populações indígenas, nos quilombolas, nas parteiras, nos mestres de cultura… É isso. Uma inspiração enorme. E penso que nunca mais vai se voltar a fazer gestão cultural no Brasil sem pensar nesse período bonito da nossa cultura, vivido quando tivemos à frente do Ministério da Cultura, Gilberto Gil e Juca Ferreira.

F – Tu sabes, Chico, que eu não vou deixar de perguntar sobre o momento político decisivo, no nosso país.

Chico – Sim. O momento é de esperança e de ação. De transformação! O Brasil, nesses últimos seis anos, teve a oportunidade de olhar para sua face mais feia, mais escondida, num certo Brasil Cordial. Uma cordialidade que, de fato, nunca existiu. A nossa formação como povo foi sempre muito violenta. Mortes, estupros, sangue, exploração do trabalho alheio, escravidão… Nos últimos seis anos, isso apareceu de forma muito contundente. Mas, de qualquer forma, é hora de curar essa ferida, que não vai ser curada agora, da noite pro dia. É hora de extirpar o mal principal. Esse mal principal é o Bolsonaro. Mas, sabendo que o bolsonarismo permanecerá durante um certo tempo. Porque ele faz parte da alma do brasileiro. Não é algo que vem de fora. É algo que nasceu das nossas entranhas. Porém, é um momento de esperança, de ação e de otimismo. O Brasil está dando a volta por cima.

F – O que esperar da intensidade do que significa assistir um show seu?

Chico – O que não pode faltar nos meus shows é liberdade! É a liberdade criativa. Então, por isso, os meus shows são sempre diferentes uns dos outros. Mesmo quando eles seguem mais ou menos o mesmo roteiro. Eu sei como os meus shows começam, mas não sei como terminam, nem o que vai acontecer pelo meio. Porque é um momento de entrega. De liberdade energética mesmo! E acho que nos meus shows não pode faltar comunhão com o público. Isso não significa que tem que ser algo concordante somente. Pode até ser algo discordante e ruidoso. Pode até criar um ruído discordante, além de comunicação.

F – Na entrevista anterior, você me autografou o seu livro, Cantáteis. Tens escrito mais?

Chico – Eu não me considero um escritor. A minha música vem da palavra. Vem do som das palavras. E os meus livros vem, justamente, da falta de música. Ou melhor: da falta de música nas palavras que não foram musicalizadas. E transformam-se, então, em livros. Mas eu não sou um escritor. Eu gosto de escrever para a música. É isso que eu realmente sinto que sou.

F – E a leitura? E ela, a importância dos livros, na sua vida?

Chico – Eu gosto muito de ler. A minha relação com a palavra vem desde as minhas leituras dos tempos de criança. Literatura de Cordel, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa… Isso forma também o Cantautor que eu sou.

F – Poderíamos acabar com alguma recomendação musical sua, pra gente?

Chico – O Brasil tem sempre muitas coisas novas acontecendo na música. Eu poderia sugerir um coletivo, na Paraíba, que se chama Quadrilha: quatro jovens músicos que se juntaram, apoiando-se uns nos outros. Ainda da Paraíba, eu posso citar um artista maravilhoso chamado Jonathas Falcão: um cantor muito bom e que tem um público formado no Estado; e fora dele. Posso falar de Marília Parente, em Recife, que tem um coletivo também chamado Avoada, que juntou também quatro artistas de Recife. Lá em Recife, eu também posso mencionar um coletivo chamado Reverbo, de trinta jovens autores, rapazes e moças, que se juntaram e se apoiaram para fazer sua música. Do Reverbo, tem Flaira Ferro, que gravou no meu disco. Fora dos coletivos, tem ainda, na Paraíba, uma que eu também gosto muito, Agnes Nunes. A música do Brasil realmente não para, né? Muita coisa nova e boa, realmente acontecendo no Brasil.

F – Grato, Chico. Quer mandar uma mensagem, no final desta entrevista?

Chico – Meus amigos queridos que vivem em Barcelona. No dia 3 de outubro, um dia após o primeiro turno das eleições brasileiras, eu estarei tocando na Sala Apolo, em Barcelona. E espero comemorar o vigor cívico da nossa nação. Além de comemorar a força da música brasileira, junto com vocês, na Sala Apolo. Venham. Cheguem. Chamem gente. Um cheiro e até lá.


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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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