Professores no Piauí pedem socorro em carta entregue a Lula

Os bastidores da Conae 2024

Publicado em 06 de fevereiro de 2024.

Do Coletivo Tanto Mar /Portugal, para o site da FIBRA.

O Coletivo Tanto Mar (como parte da militância internacional de Portugal), em apoio aos professores da UESPI – Universidade Estadual do Piauí vem prestar sua mais profunda solidariedade à causa mais do que justa, denunciando o desenrolar dos atos de força do Estado contra os manifestantes, bem como vem divulgar a carta entregue pelo movimento ao Presidente Lula da Silva.

Carta dos professores ao Presidente Lula

Teresina, Piauí, 27 de janeiro de 2024
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva,
Esperamos que esta carta o encontre com saúde e determinação para enfrentar os desafios que a
liderança do nosso país impõe. Afinal, é com grande esperança e confiança que muitos cidadãos
depositaram seus votos na sua capacidade de representar os interesses dos trabalhadores e de
combater incansavelmente a miséria e a fome que assolam nossa nação.
Hoje, permita-nos apresentar-lhe um caso emblemático que personifica os desafios enfrentados por
muitos brasileiros. Trata-se da história da pedagoga Lorena, uma dedicada professora da Universidade
Estadual do Piauí (Uespi), mãe solteira e sindicalista, que, apesar das adversidades, desempenha um
papel fundamental na formação dos futuros educadores da nossa pátria.
A professora Lorena não é apenas uma educadora; ela é a personificação do espírito resiliente dos
trabalhadores que, diariamente, contribuem para a construção do Brasil que todos almejamos. Além
de moldar mentes jovens, ela é a única provedora de uma família composta por um filho de 11 meses,
outro de 12 anos e uma mãe idosa, ex empregada doméstica. Recentemente, junto com outros 63
professores, Lorena sofreu um desconto de 40% em seu salário líquido. O desconto foi justificado
pelo Estado como resultante de faltas ao trabalho, ainda que levantadas em período de férias coletivas,
o que se trata de uma ilegalidade, bem como dias antes de uma greve anunciada como última
alternativa para reivindicar um reajuste justo diante de perdas acumuladas há mais de dez anos,
totalizando uma defasagem salarial de 68%. Certamente, pelo fato de anteceder a greve, a punição
não se limitou àqueles que aderiram ao movimento grevista, atingindo também professores afastados
para estudo, o que evidencia a falta de controle da frequência. Mesmo considerada legal pelo Tribunal
de Justiça do Estado e apesar das inconsistências na aplicação da punição, o governador permanece
inabalável na irreversibilidade de seu narcisismo perverso.
O que torna a história de Lorena e de seus colegas ainda mais complexa é o fato de que a punição
veio de um governador de Estado que pertence ao PT. Um governador que garantiu, pelo Projeto de
Lei nº 188, antes mesmo de assumir o cargo em dezembro de 2022, aumentar seu próprio salário em
70%, junto com o salário do seu secretariado e dos deputados, mas que propõe apenas 4% para a
categoria dos docente. Nós, professores, incluindo Lorena, confiamos na bandeira do partido dos
trabalhadores, acreditando que ele defenderia seus interesses. No entanto, o governador, ao contrário
das expectativas, tem traído os princípios do partido e agido contra os direitos civis, como o de reajuste
salarial, uma vez que se recusa a negociar com os professores da Uespi. É justamente essa postura
inqualificável que justifica a escrita desta carta.
Lamentavelmente, esse jovem governante não conhece a história de Lorena. Logo, ele não sabe que
ela compra bilhetes de passagem para viajar mais de 400 quilômetros para dar aula e, assim como seus
colegas de profissão, precisa carregar na bagagem seu próprio material de trabalho, como livros e
computador, e pagar pelo próprio sinal de internet para garantir que seu trabalho conte com o mínimo
de tecnologia compatível com a modernidade, o que contradiz a propaganda institucional de que a
Uespi nunca esteve tão bem.
Apesar de todo esse esforço de Lorena para conseguir trabalhar em instalações que costumam pegar
fogo por falta de manutenção, Lorena foi prejudicada pela total falta de humanidade e empatia do
governador.
Ademais, somos compelidos a chamar atenção para o Projeto de Lei Complementar 09/2023,
encaminhado por esse governador para Assembleia Legislativa do Piauí, que busca interferir
diretamente na autonomia universitária. O projeto propõe o aumento da carga horária das aulas em
detrimento do tripé ensino, pesquisa e extensão, obrigatório nas universidades e indissociável
segundo o artigo 207 da Constituição de 1988. O que nos preocupa é que, ao promover essa alteração,
o governador evidencia sua intenção de transformar a universidade em um colégio, assemelhando-a
à rede de escolas particulares que ele possui no Estado. Sua incontestável falta de senso prático e
inabilidade política leva-o a viajar pelo mundo em busca do conhecimento acadêmico e científico
que tenta inviabilizar no Piauí. Foram 17 viagens a diferentes países em comitiva com assessores e
empresários em apenas um ano sem ao menos procurar saber o que já se produz nas universidades
brasileiras.
São muitas as manobras que sugerem o empenho do governo em direção à privatização da educação
superior pública estadual. Entre elas está a proposta de fechamento de cursos de graduação de baixa
demanda após anos de seu sucateamento por meio da redução progressiva de concursos para
professores efetivos, o que tende à denegação de cursos pelo Conselho Estadual de Educação. A
proposta é agravada pela decisão de ser tomada com base em avaliações de comissões externas,
desconectadas dos motivos que justificam a redução das demandas. Cursos cada vez mais cooptados
por instituições privadas e de graduação a distância, comprovadamente inferiores em qualidade de
formação, ofertados, de modo geral, em localidades onde apenas o Estado poderia garantir a
escolaridade, por meio de políticas de permanência, como auxílio alimentação, moradia e bolsas de
estudo, trabalho e pesquisa.
O senhor proclamou ser o representante dos trabalhadores e um combatente incansável da miséria e
da fome. Hoje, ao lhe contarmos a história de Lorena e apresentarmos algumas das nossas
preocupações, apelamos para o seu sentido de justiça social e aos compromissos assumidos durante
a sua campanha eleitoral com a autonomia universitária e a valorização daqueles que moldam o futuro
do nosso país.
Instamos, com humildade, que Vossa Excelência faça valer o lema que o conduziu ao cargo mais
elevado da nação, e que se empenhe em assegurar salários justos aos professores universitários e a
todos os trabalhadores que contribuem para a edificação de uma sociedade mais equitativa e
próspera, preservando a essência e a autonomia das instituições de ensino superior.
O futuro do Brasil está intrinsecamente ligado à qualidade da educação que oferecemos às gerações
vindouras. Ao investir no trabalho docente dos professores, em suas pesquisas e extensões acadêmicas
investimos no alicerce de um país mais forte e justo. Que a história de Lorena seja não apenas um
relato de luta, mas um chamado à ação para um Brasil melhor.
Agradecemos antecipadamente pela atenção dispensada a esta carta e confiamos que sua liderança
representará os anseios daqueles que acreditam na construção de uma nação mais digna e igualitária.
Respeitosamente,
Professores em luta no Piauí e na Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2024.
Contato: Tel.: (86) 3213-2300 / (86) 99815-7511; e-mail: adcesp@gmail.com.

As imagens abaixo registram o cerco de policiais armados aos professores durante ato público à entrada da Assembleia Legislativa do Estado, onde se encontrava o Governador e diversos parlamentares. Demonstração desnecessária de força ante ato e movimento pacíficos, como se vê também, nas imagens dos cartazes de luta, poesia e música dos docentes e seus alunos produzindo arte revolucionária.

Apoie os movimentos populares. Divulgue!