5 anos de militância contra o golpe: resistir para existir

Fernanda Otero, Dublin

Esse é um texto escrito em primeira pessoa, nada impessoal, e com sujeito determinado. Pode ser que o leitor estranhe a narrativa, mas sob o ponto de vista jornalístico, essa é uma história baseada em fatos reais.

Para marcar a data dos 5 anos do golpe apresento um breve relato sobre a minha experiência como ativista morando em outro país, um registro da cooperação entre irlandeses e brasileiros/as empenhados em defender a democracia e colaborar na construção de uma sociedade menos fragmentada e menos desigual. Minha intenção também é despertar a curiosidade dos meus compatriotas e incentivá-los para que eles/as entendam que podem — e devem! — se envolver e participar (sem tradutores ou intermediários), onde quer que estejam vivendo e, de quebra, defender a democracia no Brasil.

Brasil e Irlanda nos primeiros meses de 2016

Por razões diferentes, o Brasil e a Irlanda nos primeiros meses de 2016 viviam momentos de muita movimentação social e política. No Brasil, a democracia estava sendo destruída. Na Irlanda, seguia fortalecida.

No Brasil, com a popularidade em baixa, a ex-presidente Dilma Rousseff enfrentava problemas no Congresso (em especial na Câmara dos Deputados), nos setores conservadores da sociedade e junto ao empresariado. Os apoiadores e os críticos ao governo convocaram protestos nacionais.

Na Irlanda, duas pautas tomavam conta do cenário político e das capas dos jornais locais: a campanha de eleições gerais e a campanha pelo direito universal à água.

Ruas ocupadas

Na Irlanda, a campanha pela suspensão da cobrança da água estava a todo vapor. Acompanhei uma passeata pacífica #Right2Water com a participação de mais de 100 mil. Sem entender direito o sistema político** irlandês, comecei a pesquisar sobre as eleições e me chamou a atenção o nome de um dos partidos que concorria: People Before Profit.

Com a grande mobilização que estava acontecendo no Brasil, os brasileiros que vivem no exterior começaram a se organizar pelas redes sociais. Na Irlanda teve protesto no centro de Dublin contra o governo e também teve protesto a favor de Dilma. Em defesa da democracia e contra o golpe, cerca de 40 pessoas foram à porta da embaixada brasileira com faixas e cartazes no ato que contou com o apoio e participação do PBP.

Como resultado desse encontro, em março de 2016 nasceu o grupo “Dublin pela Esquerda“ e eu me somei a outros brasileiros/as na sua organização.

Dia 17 de abril consumou o golpe através de votação na Câmara dos Deputados. O mundo virou os olhos* para o que aconteceu no Brasil.

5 anos de existência e resistência

Desde o primeiro ato realizado em Dublin, o PBP não apenas demonstrou simpatia à causa, como também abriu suas portas, criando as condições para que fôssemos ouvidos. Muitas foram as ações: reunião na embaixada do Brasil em defesa da demarcação das terras indígenas; reunião para apresentar aos imigrantes seus direitos trabalhistas; encontro para discutir as “Jornadas de Junho de 2013” com a participação de jornalistas brasileiros; folheto informativo sobre o direito ao aborto das mulheres imigrantes (produzido em português); passeata para denunciar o assassinato de Marielle Franco; protestos em defesa ao direito à moradia; ato em defesa da liberdade de Lula quando ele foi preso; ato pelo Stop Bolsonaro mundial; entre tantos outros.

Vale registrar o envolvimento com o United Against Racism, um parceiro combativo e imprescindível na defesa dos direitos humanos e da democracia. O UAR também esteve presente em diversos atos e protestos organizados pela comunidade de brasileiros desde 2016, sendo que o mais recente, aconteceu durante o lockdown e fez parte da agenda do segundo Stop Bolsonaro Mundial, em agosto de 2020.

Deliveroo’s Riders

No Brasil, uma campanha de desinformação muito bem sucedida dissimulou a ideia de que os sindicatos são apenas um “depósito de mamatas” e seus diretores, são favorecidos com benesses de todos os tipos. Uma parcela da sociedade assimilou esses conceitos e acredita que os sindicatos não têm utilidade e trabalham apenas para seus interesses pessoais. Durante o governo Temer, eles foram letalmente atingidos com as reformas trabalhistas.

Na Irlanda, os sindicatos tem legitimidade para representar os trabalhadores e são eles quem protegem e defendem os seus direitos. Recentemente, o Departamento Sindical do PBP agiu na campanha de defesa dos trabalhadores que atuam como riders na Irlanda. Fomos às ruas conversar com esses trabalhadores e explicar a importância deles estarem organizados dentro de um Sindicato, uma questão controversa que representa uma grande diferença cultural entre os dois países. O PBP participou de algumas reuniões com entregadores e líderes do movimento para explicar essas diferenças e se afastou quando foi oficialmente divulgado que o SIPTU, o maior sindicato da Irlanda passou a representar e organizar a categoria. Para encerrar essa ação, fizemos esse vídeo e um folheto que foi distribuído a todos os filiados do partido.

Brasil e Irlanda nos primeiros meses de 2021

A história do impeachment está contada e Dilma foi inocentada dos alegados crimes de desrespeito à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa que embasaram o pedido de impeachmentMesmo depois do processo de impeachment, ela jamais perdeu seus direitos políticos.

Bolsonaro está agora enfrentando uma CPI no Senado e foi denunciado no parlamento europeu por seus crimes contra a humanidade.

Na Ilha Esmeralda, por causa da COVID (ou por outra razão oculta), ganha força o cerceamento ao direito de se manifestar.

Outras lutas gigantes se avizinham para todos os internacionalistas. Precisamos urgentemente defender o acesso amplo a uma vacinação universal, assim como o tem feito dois líderes latino americanos: o Papa Francisco e Luis Inácio Lula da Silva que agora está com seus direitos políticos restabelecidos.

Os eventos e fatos aqui narrados envolvem dois países que estão separados por um oceano e muitos quilômetros de distância. Entretanto, as semelhanças e as coincidências entre eles são tantas que os brasileiros que na ilha desembarcam, acabam ficando. Foi o que aconteceu comigo. Sei que a Irlanda, da mesma forma que o Brasil, é um país amistoso e receptivo. Cabe a nós encontrar nosso espaço e somar na defesa da democracia, onde quer que estejamos, em qualquer canto do mundo.

Temos que “ficar atentos e fortes” pois “não temos tempo de temer a morte” e a luta continua nas redes, nas ruas, em todos os lugares!


*Aqui alguns links de matérias sobre o impeachment: The GuardianNew York TimesOpen CanadaIrish Times

**Na Irlanda, o sistema de governo é democracia parlamentarista, constituído de duas Casas Legislativas — Oireachtas, Senado — Seanad e Assembleia — Dáil. O Primeiro Ministro — Taoiseach é um Deputado — TD que exerce o poder. Os TD’s (166) são eleitos para um mandato de 5 anos. Os senadores (60) também, mas 11 deles podem ser indicados pelo Taoiseach. Quarenta e nove dos 60 membros do Seanad são eleitos e 11 são nomeados pelo Taoiseach. Dos 49 membros eleitos, 43 são eleitos a partir de painéis de candidatos que representam interesses profissionais específicos. Os 6 membros restantes são eleitos por graduados universitários de certas universidades. Os irlandeses também votam para presidente, que tem um mandato de 7 anos, com uma reeleição permitida, e é o presidente quem representa o estado assinando as leis, por exmplo, dentre outras funçōes. O voto na Irlanda não é obrigatório como no Brasil. Todo e qualquer imigrante também pode votar nas eleições locais. Esse artigo explica brilhantemente o modelo político irlandês.

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