Por Flávio Carvalho, sociólogo e escritor.
@1flaviocarvalho
@quixotemacunaima
24.05.2021
Foi num dia como hoje, 24 de maio, seis anos atrás, que a barcelonina Ada Colau tomou posse do cargo de prefeita da sua cidade. A primeira mulher a ocupar esse cargo, numa instituição que tem séculos de existência. Derrotou um bipartidismo que durava décadas. Vindo dos movimentos sociais, nunca havia assumido nenhum cargo na política institucional.
Conheci Ada faz mais de dez anos, pelo pedido de um amigo. Quando a política que ela fazia não queria dizer-se política, para não confundir-se com a política dos partidos que ela não gostava, visitei-a na Plataforma de Afetados pela Hipoteca, a PAH, em Barcelona. Ia às ruas enfrentar-se com a polícia para evitar o despejo de famílias pobres, excluídas da dignidade de uma moradia. Ada era Boulos, naquela época. O Deputado Federal Orlando Fantazini havia estado Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso brasileiro e foi ele quem primeira vez me falou da Colau, desejoso de conhecê-la. De passagem por Barcelona, ajudei-o com os contatos – naquele tempo que se telefonava facilmente pro celular da Ada, graças a amigos catalães que eu conheci no Fórum Social Mundial lá em Porto Alegre, antes de migrar.
Na segunda vez que estive com ela, no salão nobre da Prefeitura, nosso Coletivo Brasil Catalunya entregava à Prefeita um prêmio chamado Glaucenira Maximino, advogada carioca defensora dos nossos direitos aqui em toda a Espanha. Era o dia 8 de março e todo o serviço de protocolo exigia de mim, negociador, mil detalhes para que tudo saísse dentro dos parâmetros. Rolou o maior samba improvisado e a Prefeita cantou e sambou junto com as Mulheres Brasileiras contra o Fascismo. O protocolo caiu aos pés do samba, emocionado.
Perguntou-me a Prefeita, o que eu lembrava daquele nosso primeiro encontro, na PAH. Eu somente lhe comentei que me recordo haver conhecido uma mulher feliz. E pouco mais. Ela gostou. Disse que ficou feliz em saber. Eu também. Sambamos todas, contentes.
Hoje voltaremos a ver-nos as caras. Jean Wyllys, morador de Barcelona, se filia ao PT, num ato internacional, online. Ada será uma das convidadas de um evento que transcende fronteiras.
A última vez que encontrei com Jean, dizia escapar-se ao máximo das questões políticas daqui, precisando enfocar no que lhe tornaria mais produtivo como pessoa, “político” e artista. Usou a expressão complexidade para definir seu momento vital. O que é mais complexo que a arte?
Para bom entendedor político, meia complexidade basta.
O partido criado por Ada, junto com Pablo Iglesias, nasceu de um movimento espontâneo chamado 15M, surgido nas ruas da Espanha num indignado 15 de Maio – dia de Basta!
Naquele 15M, acompanhei o Senador Cristovam Buarque que queria conhecer a imensa ocupação da Praça Catalunya, o coração de Barcelona. Desencontramo-nos da visita da Ada Colau e ficamos para assistir a assembleia diária. Decidia-se, por voto, a abstenção ou não nas eleições municipais (aquelas que elegeram a Colau). Cristovam dizia que Paulo Freire adorava a palavra Complexidade (ela, novamente), encorajando-me a falar na assembleia. Perguntei a todos o que fazer conosco, migrantes que naquele momento não podíamos votar pela lei espanhola, até hoje excludente. Destaquei o privilégio de quem pode votar na assembleia (todos) sobre irmos a votar nas eleições (não todos), podendo até exercer o direito de não querer votar (não todos), já que o voto não é obrigatório. Até o direito de não votar nos é negado, portanto. Hoje tenho a nacionalidade espanhola, voto, e luto pelo direito ao voto.
Pablo Iglesias foi um dos primeiros e mais importantes políticos espanhóis a defenderem a liberdade de Lula, junto com Ada Colau e com o Presidente da Espanha, Pedro Sánchez – que somente segurou um cartaz Lula Libre, sem nunca ter dado mais declarações.
Iglesias, numa meteórica carreira política, chegou a vice-Presidente da Espanha e decidiu renunciar a tudo, inclusive cortando o cabelo longo – sua marca registrada. Tive oportunidade de participar com ele, anos atrás, de um interessante debate comparativo sobre o voto obrigatório, brasileiro, e o voto não obrigatório, espanhol. Recordo sua última frase: “me seduz, na política, as questões mais profundas; que comodamente resumimos como Complexas – como se fosse um debate para deixar pra depois”. Acabou assim o debate.
Numa das poucas entrevistas recentemente concedidas, Pablo dedicou-se a assuntos mais leves, por estar assim se sentindo. Falou até de um sonho que sempre teve: o de voar. Não escondeu que um dos motivos da sua saída de cena é a aposta feminista. Não esqueçamos que as duas mulheres mais fortes do seu partido, segunda força dentro do Governo da Espanha, é uma ministra (sua atual companheira), além da Prefeita Colau, em Barcelona.
Falar de sonho de criança é algo que sempre emociona.
Em Garanhuns, interior de Pernambuco: Lula dizia que seu sonho, sabe qual era? Voar.
Lula é (sempre foi) a máxima expressão emocional da política brasileira. Nunca cortará os cabelos longos, porque nunca teve. Perguntado pela barba que retrocede, sai pela tangente: não sou eu, nem o meu barbeiro; são os anos, muitos anos…
A emoção sempre foi (novamente) mais atribuída a uma questão feminina. Equivocadamente.
Hoje será um dia emocionante. Quantas asas dará o PT a Jean Wyllys?
Voe onde voe, a Colau estará aqui. Iglesias, no ar… E Lula… Lá.
Barcelona, 24 de maio de 2021.