Vamos ainda de mãos dadas?

Publicado em 17/11/2021

Escrevo no dia em que se comemoram os 99 anos do nascimento de José Saramago. (16 de novembro). Pensei que poderia ser boa inspiração. Ao escritor português se atribui a frase O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas; o que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas. Nos últimos anos tento repeti-la a mim mesma, cada vez que sofremos uma derrota, e são muitas.

Não sei quanto a vocês mas, ao melhor estilo Saramago, sou uma pessimista. E também como ele, não do tipo que se acomoda na própria desilusão. Continuo, apesar de tudo, confiando que só a ação coordenada pode nos fazer avançar e ainda me emociono com os pequenos atos, mesmo os que aos olhos de muita gente pareçam arrancadas quixotescas contra os moinhos de vento gigantes.

A questão é que embora eu saiba que em algum momento iremos conquistar a tão sonhada vitória, em sua efemeridade, meu lado cético não deixa de se questionar a que custo isso se dará e como podemos tornar mais prolongados os efeitos da vitória. Explico-me: enquanto neste presente ultrajante tudo o que buscamos é vencer a extrema direita, instalada em Brasília – com seus braços que alcançam e sufocam cada parte do Brasil-nação – , anseio que possamos pavimentar um caminho que permita que o retorno da esquerda ao poder seja mais perene, mais estável.

Confesso que nos anos subsequentes a 2002, com erros e acertos, eu julgava que nunca mais voltaríamos ao fundo do poço. Mesmo uma pessimista de carteirinha como eu, naquele momento, julgava que poderíamos, sim, viver harmoniosamente, quando boa parte da população saía da linha de miséria para ter uma vida simples, é verdade, mas minimamente digna.

Na minha ingenuidade, eu analisava que mesmo os mais ricos prefeririam não ter de lidar com a violência da pobreza em suas fuças todo santo dia. Que não fosse pelo bem estar do ser humano, seu compatriota, julgava eu que fosse pelo seu próprio conforto.

O que eu não imaginava é que muita gente – e não só os super ricos – talvez apreciem a visão dos desgraçados, à margem da dignidade que qualquer ser humano tem direito. Isso porque essa seria a única maneira de se sentirem melhores, mais poderosos e, sem querer pscicanalisar a conversa, mais seguros em seus papéis sociais.

Doido, não é? Dizia Virginia Woolf que a mulher sempre teria servido como lentes que possuíam o poder mágico e delicioso de refletir a figura do homem com o dobro do seu tamanho natural e que se a mulher não fosse inferior o homem pararia de crescer em tamanho. Tomando a metáfora de empréstimo, há gente demais no nosso amado Brasil buscando inferiorizar o outro para manter um status conqusitado sem nunca precisarem se esforçar.

Quanto jovem que tinha a oportunidade de ir ao exterior por seus próprios meios chamava o ‘Ciência sem fronteiras’ de férias sem fronteiras, depreciando o programa e seus participantes. Quantas pessoas que não precisavam de ajuda do governo, apelidaram o Bolsa Famíla de bolsa esmola? Por quê? Isso certamente aplacava a culpa de quem tem tudo sem luta nenhuma e lustrava o conceito meio embaçado de meritocracia.

Pois então viraram o jogo e fomos, nós, lançados à derrota. E não me refiro só à de 2018. Nem sei se posso comparar a dor que senti assistindo in loco a transmissão da votação macabra pelo impedimento de Dilma Roussef em um telão do Vale do Anahangabaú, em São Paulo, a meu choro silencioso no sofá da sala dos meus pais na derrota de Haddad.

Deste lado da história, e fora dos limites do país, nos juntamos. Alguns, como eu, pela primeira vez participando de um grupo de brasileiros expatriados, como a Fibra. Gente que acredita que estar distante de casa não nos torna imunes à dor que aflige nossos compatriotas e que compreende o bem estar do país, também, como inserido no todo planetário.

Partilhar estratégias, atos, protestos pontuais ou espontâneos, enche a todos de esperança. Mas será que ainda vamos de mãos dadas?

Depois dos anos de ditadura, com a frente democrática fragmentada, cada um foi em busca das suas vertentes mais fiéis. O nascimento do Partido dos Trabahadores deu bem a medida disso. Na infância e começo da adolescência, por exemplo, eu julgava que eu e meu pai compartilhávamos os mesmos times, o Coritnhians e a oposição à Arena, o partido dos golpistas. Chegada a democracia, só o Timão nos unia.

E como ficaremos nós durante a luta que antevemos? Como continuarmos de mãos dadas, agora que as escolhas mais relevantes começam a se delinear? Enquanto eu, por meu lado, sei que não posso apoiar uma chapa com Alckmin (um sentimento de déjà vu assustador é quase real demais no meu estômago), já sinto o julgamento de companheiros que me veem como traídora da causa.

Não tenho respostas, tudo o que sinto é um medo enorme de nos deixarmos levar por vitórias fugidias, com vida ainda mais efêmera do que o próprio Saramago poderia supor. Longe de mim semear desunião. Busco exatamente o contrário, o que na minha visão não significa deixar de discutir nossas diferenças, com respeito e responsabilidade. Mas que seja logo, o quanto antes. Afinal, como também apregoava Saramago: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”.


Selma Vital é jornalista e professora. Fez parte do Coletivo Aurora, de Aarhus (Dinamarca) e agora é membra independente da Fibra, morando na Carolina do Norte, EUA.

Acompanhe as letras de Selma:

Instagram: @selmadaclaraboia

Site (@svital): Claraboia

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos como tal pela autora, sendo por tanto de sua exclusiva responsabilidade.

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