Por Flávio Carvalho, para o site da FIBRA.
@1flaviocarvalho. @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor.
Lançamento do e-book em Barcelona, neste sábado, 11/12/2021, 20h.
“Eu escrevi a realidade… Faz de conta que eu estou sonhando”,
Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo.
Não há possibilidade de avançar na luta contra o fascismo se não houver uma profunda reflexão individual de cada ativista anticapitalista sobre a reflexão entre a interseccionalidade e a luta de classes sociais. Opino, de forma enfática, na introdução deste texto – sobre o livro de uma grande amiga. Um livro que traduz o que aqui tento abordar. Embora eu seja plenamente consciente de que o que ela, Dai, faz-nos em poesia é suficiente para sentir o significado (sentir, ajuda a refletir; melhor que tentar entender).
Com esta afirmação já se percebe que não estabeleço primazia; apenas sugiro– embora o creio imprescindível: há que haver diálogo, dualidade e mesmo tensão construtiva, entre a interseccionalidade das lutas (antirracismo, feminismo, combater todas as formas de homofobia, reparação histórica perante os povos indígenas e comunidades quilombolas…) e o tradicional e, ao mesmo tempo atual, Classismo Marxista.
Não se trata de menosprezar este último, ao priorizar a interseccionalidade. Nós mesmos, os materialistas históricos, os da práxis marxista, perdemos várias batalhas contra o avanço capitalista, aliado de braços dos nazistas e dos fascistas: eis as atuais desgraças do mundo. Porém, é inegável que estivemos, historicamente, “pelo menos” em maior evidência que outras lutas, como o antirracismo. Tudo na vida tem o seu tempo histórico, contextual. Por exemplo, também com “maior visibilidade histórica” o marxismo do que as lutas feministas. Graças, a meu ver, à acertada centralidade ontológica do trabalho em todas as relações socioculturais. E mesmo com tantas transformações, segue válida a categoria Trabalho, hoje em dia. O que para um marxista ortodoxo não seria novidade: para ele, se for questão de comparação, é “natural” que aconteça esta maior visibilidade (de uma Internacional Socialista, por exemplo, em vez de um partido feminista ou de um mundialismo antirracista).
Para mim, a invisibilização da interseccionalidade não deveria jamais ter sido algo “naturalizado”.
Felizmente, algo está mudando. E para melhor, a meu ver (e, talvez por isso mesmo, não somente me refiro ao livro da Dai – a que nos convida a ir mais além).
E é exatamente por aqui que eu quero começar. É a urgência necessária de impulsar o que esteve, historicamente, em segundo plano. Em minha modesta opinião, não tenho dúvidas ao escolher, atualmente, a dimensão antirracista como a forma mais objetiva, avançada, contundente, seja estrategicamente ou seja estruturalmente, contra o conjunto de sistemas de injustiças sociais em nível mundial. Quantos anos demoraremos a perceber “o que mais avança, ultimamente”? Insistindo naquele falso pressuposto de “se tivermos que escolher uma das lutas para mudar o mundo, esta seria…”.
Se obrigado fosse, eu escolheria. Porém (ainda bem), de outras escolhas já está feita a vida.
A ordem é esta, ao meu ver.
Antes de tudo, parar para refletir. É o mínimo que se pode exigir.
A poesia é a pausa necessária da vida. A que nos dá forças. Arte para seguir em frente.
Não podemos jamais esquecer que o maior aliado dos racistas é a exata negação da sua própria existência.
Logo, explorar ao máximo as compatibilidades. Construindo uma nova história, sem esquecer que o marxismo foi atacado sem ser lido, foi acusado do que não disse e que sofreu (desde que Marx ainda era vivo) uma campanha orquestrada como jamais sofreu qualquer outro oponente a todo e qualquer tipo de capitalismo. Não é que o capitalismo seja selvagem. É que selvagem e desgraçada é a sua essência.
Mas, o que trato nesse texto é de ser claro e objetivo, sem subterfúgios: se um dia eu me sentir (absurdamente!) obrigado a escolher entre priorizar o desmonte da história do capitalismo no meu país, Brasil, eu vou começar por aqui. Sem qualquer tipo de dúvida, principalmente em relação ao meu país, eu quero priorizar – a palavra é essa, priorizar é escolha estratégica e refletida – a luta antirracista e a luta contra os machismos. A dificuldade que eu tenho, depois de muito refletir, é a que eu adoro: não consigo separar o meu ser antirracista do processo de desconstrução dos meus próprios machismos. E essa deveria ter sido a base (do que não foi, eu insisto) de toda a minha luta anticapitalista.
Mas, como veremos, “nessa minha eterna juventude”, eu não quero perder mais tempo.
Tudo isso, tanta sociologia na minha vida, para desaguar nela, na poesia, no meu mar particular.
E para contextualizar a primeira vez na minha vida que eu abracei o doce desafio de editar o primeiro livro que não fosse o meu mesmo. E, além disso, com (outra!) escolha importantíssima: se me obrigarem – pra começar, vou deixar claro que cada vez menos quero ser obrigado a algo – a escolher entre dois tipos de narrativa, ficção ou não ficção, um tratado sociológico ou um livro de bolso de poesia… Aqui me encontrarão, neste sábado que será um grande dia – para todes nós.
No dia 11 de dezembro de 2021, às 20h, em Barcelona, apresentarei luzes e sombras e perspectivas de uma das melhores escolhas que devemos fazer na vida. Pelo menos, da minha vida.
Mulher, livro e poesia.
Tem pessoas que você conhece. Há outro tipo de pessoas que alguma grande amiga diz assim: “você tem que conhecer a Dai”! No meu caso, disse-me Maria, um belo dia. Na mesma época em que se constituiu, na Catalunha, a Assembleia de Mulheres Brasileiras contra o fascismo. Nada é casualidade nesta vida.
Não vou falar da Dai, porque já dediquei um impulso intenso, numa noite inteira, emocionado, a escrever a apresentação do seu primeiro livro. Agora há que ler. Não somente a apresentação, claro. Mas todo o livro, Manifestar. Poesia marginal, periférica, antirracista e mulherista.
O único que posso dizer, em breves linhas, é que ela, Dai, a poeta, é o resumo exato de toda a introdução ideologizada que tentei desenvolver desde o começo desse texto. Ela, sim, resume tudo isso, para mim. E o seu livro é a melhor forma de sentir (longe de entender, racionalmente) tudo isso.
Insisto que o seu livro é pra sentir, mais do que pra ler. É sensitivo, e por isso, não poderia ter sido melhor ilustrado. E por Smyrna, melhor ainda. Artista que merece muito mais do que escrevi na apresentação.
Editar, neste caso, é auto-editar mesmo. E, não por acaso, Barcelona é capital mundial da auto-edição de livros. Um fenômeno autoral, mundial, explosivo. Livro vivo. Livro que quer ser lido. E que diz isso. Barcelona não é sinônimo de livros tímidos. A nossa escrita é um processo afirmativo. EscreVIvermos para sermos lidos – como Conceição Evaristo. E nos reafirmamos no compromisso com nós mesmos, abrindo-nos ao diálogo com o maravilhoso mundo.
Toda Sombra é questão de perspectiva. A nossa perspectiva é a defesa intransigente da vida.
Ao ajudar a escritora a autoeditar-se (a verdade é esta) não tive outro trabalho, prazeroso, que ajudar as águas caudalosas de um rio a encontrar-se com o seu próprio mar.
E foi então que desenvolveu-se o processo com o empreendimento cultural da (genial!) Diáspora Produtora, agregando-se à (extraordinária!) curadoria do E-Book pela Kel Kamoezze e pela Giulia Tavares.
Barcelona é cidade mulher. Poesia é luta, quando a gente quiser e como, e onde, e quando a gente quiser.
E é quando é hora que o homem sente que se repete: agora é calar e escutar. E declamar, e recitar…
Compre o livro. E leia. E Leia-se. E (re)escreva-se mais, por favor.
Aquele abraço.
Flávio Carvalho. Barcelona, assanhada de ventos poentes de outono. 10 de dezembro de 2021.