Por Flávio Carvalho, para o site da Fibra.
Barcelona, 20 de fevereiro de 2022.
@1flaviocarvalho, @quixotemacunaima, Sociólogo e Escritor.
A Favela ganhou, gritava a advogada carioca, militante do SPD alemão, Delaine Kühn. Foi através desta amiga, sentada na primeira fila da finalíssima do concurso Miss Alemanha 2022, que muitos brasileiros acompanharam o resultado da eleição da primeira mulher negra na história do concurso naquele país.
Hoje Domitila Barros estará nas primeiras páginas dos maiores jornais europeus. Sempre achei estranho o fato de que a imprensa brasileira parecia não lhe dar o imenso destaque que sua trajetória de vida tão somente merece (e ao mesmo tempo, por tudo isso). Vitoriosa desde quando era menina, quando desfilava de brincadeira em concursos de miss, Domitila também fazia questão de sentir-se professora de outras meninas como ela. Crianças que não se aguentavam de tantos sonhos por uma vida melhor.
Adoro lembrar um pressentimento. “Essa menina vai longe!”, e que hoje seria fácil dizer. Não naquela época, em que a conheci, por meio dos seus pais e do meu trabalho de consultor da UNESCO.
Privilégio é palavra-chave hoje em dia, para tentar mudar o mundo, compreendendo-a. Há coisas, porém, que só o privilégio de quem mora no exterior nos faz perceber. O sotaque, por exemplo. Quando conversam tranquilos, um pernambucano com uma pernambucana – ele morando na Catalunha e vivendo a rotina no idioma local, o catalão, e ela morando na Alemanha e falando alemão – o sotaque de ambos realça, intensifica, explode. Nosso pernambuquês se permite, se expande, contagia…
– “Oxi. A tua vó também era mãe de santo?” Perguntou-me Domitila.
– “Sim. Mas espera aí que sou eu que estou te entrevistando. E não ao contrário.”
– “Eu falo que só. Né?”
– “E não deve ser também por isso, menina, que chegastes até aqui?”
– “Sim, eu sempre fui conversadeira, faladeira, contadora de estórias. Mainha me dizia.”
– “Desde pequena, que eu saiba, né, Domitila? Também não esqueça que eu te conheço desde que a conheci a tua mãe, na universidade.”
– “Nem me fale. Eu ando com muita saudade de Mainha.”
– “E quem não sente, Domitila? E quem não sente?”
– “Sim, eu sei. Mas quando eu tive a crise de burn-out, o estresse muito forte, eu também passei por uma saudade assim.”
– “Evidentemente, menina. Nessas horas a gente se agarra na mais forte das raízes.”
– “Senão o vento leva tudo.”
– “Quem tá bem plantada, Domitila, não leva não. Não tem vento que leve.”
– “E se eu ganhar esse concurso… Me segure!”
– “Não. Tu já não és de se segurar em nada. Só se agarra nos sonhos. Por isso eu acho que a melhor coisa pra que tu ganhes esse concurso de Miss Alemanha, é a tranquilidade (não a arrogância, nem a prepotência, nem a presunção).”
– “Sabia que eu tenho a sensação de que vou ganhar?”
– “Já ganhou, Domitila. Tua sobrevivência, tua resistência, teus sonhos, tua migração, teus trabalhos, tua espontaneidade… É tudo vitória, já.”
– “Muito obrigado.”
– “De nada. Tu mereces.”
Na noite deste sábado, 20 de fevereiro de 2022, ela não somente superou todas as concorrentes ao Miss Alemanha. Ela se pôs ao lado delas, de todas elas. Foi por isso, também, que ela ganhou.
Chama-se sororidade.
E, realmente, já não se fazem mais concursos de miss como antigamente.
Ainda bem.
Aquele abraço.
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