Texto de Dai Sombra Aisha, para o site da FIBRA
@daisombraaisha
Barcelona, 20 de julho de 2022.
No dia 25 de julho do ano passado, eu mulher afro-brasileira, migrante em Espanha escrevi esse texto:
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“Por que o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha não deve ter uma vírgula (,) depois da palavra negra?”
Muitas pessoas já sabem que desde 1992, o dia 25 de julho, tornou-se um marco internacional para a luta e resistência das mulheres negras latino-americanas e caribenhas.
A data foi criada a partir do primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, República Dominicana.
A vírgula após mulher negra (Dia da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha) muda o significado intrínseco daquela data, que foi reconhecido, mas não antes, com base em muita luta das mulheres destes territórios.
Não foi um presente, foi uma vitória.
Uma mulher negra europeia está historicamente longe das questões que habitam um corpo afro-latino e caribenho, desde seu país de origem até o processo e experiência em diásporas para o ocidente.
Com isso, não busco a interpretação da individualidade, e sim, para um questionamento sobre o perigo de universalizar mulheres que partem de experiências de vida geograficamente diferentes.
Confiar plenamente em uma agenda branca pode contribuir para esse universalismo que lutamos tanto para não existir.
Criar uma agenda de questões desses territórios, sua historicidade e suas buscas é dar voz às experiências dessas mulheres “afropeias”, além de promover a integração interseccional da história de muitas mulheres afro.
Há muito para compartilhar e aprender umas com as outras. A diversidade de datas, agendas, interesses é possível. Mas para isso, removemos a vírgula e deixamos de universalizar sócios experiências distintas.
Eu acredito que as irmãs desses territórios têm o direito, o poder e as experiências de ter uma data própria para que as ouçamos e aprendamos sobre suas histórias.
Enquanto isso, eu vivo a data de hoje da minha Amefricanidade. 🖤
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Meu texto reflete a reivindicação em alerta sobre a apropriação, com risco a ser distorcida, de uma data que tem sua própria agenda, criada com as demandas das mulheres do Abya Yala (nome verdadeiro ao que os colonos chamaram América).
Também indico a importância de cada território estudar suas demandas e criar sua própria agenda afrodescendente.
Mas, a divisão não é individualista?
O ocidente, no processo de colonização semântico, universalizou alguns conceitos dividindo-os e classificando-os em bons ou maus. A dualidade é colonial.
Quando pegamos minha proposta de que cada território deveria criar sua própria agenda, o que proponho transmitir é que cada experiência social afro é importante, que cada território tem seus códigos de comunicação, sua experiência histórica e sua subjetividade e se somos conscientes das nuances do nosso espaço, poderemos afrontar com mais força de transformação nossa afrovida.
Uma guerra combatida no verão tem uma tática totalmente diferente quando confrontada no inverno. O espaço, tempo e lugar não podem ser ignorados em uma batalha.
E quando falamos desde a perspectiva “afro-diaspórica” no mundo, que cada povo saiba qual é sua arma de combate, faz da nossa luta mais forte, portanto minha sugestão ao contrário de individualista, é agregadora porque parte de uma perspectiva descolonizadora e afrocentrada, ou como eu terminei o texto: desde a minha Amefricanidade.
E aí eu cito a grandiosa Lélia Gonzalez, antropóloga afro-brasileira, ativista e pertencente das bases de construção de movimentos tão importantes como MNU (Movimento Negro Unificado), ITCN (Instituto de Pesquisa de Culturas Negras), Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga, dentre outros.
Professora e parlamentar, Lélia foi pioneira nos debates sobre a relação entre gênero e raça. Nos nutriu com a Amefricanidade, centrando as experiências afros além do gênero, tendo a mulher negra como o centro desse reflexão, já que em único gênero se pode encontrar a filha, a irmã, a amiga e a mãe de um homem negro.
E com o senso de comunidade característico das Áfricas no Brasil, onde todos os corpos, corpas e corpes são importantes para a sustentação e perpetuação de uma tribo, a Amefricanidade da Lélia nos demonstra que uma mulher negra só será plena se ela tiver a sua volta sua família, constituída também por homens.
A intersecção com recorte de gênero somente propõe à mulher negra sua plenitude humana, ignorando que o processo escravocrata feriu todo um povo preto.
O feminismo que traz a mulher preta, mas muitas vezes ignora seu espaço familiar citado acima.
Não seremos plenas sem a plenitude do nosso povo .
A Amefricanidade é pensado, através das mulheres pretas, para todo olhar às pessoas minorizadas, excluídas e marginalizadas na sociedade.
Eu não pretendo chegar sozinha. Merecemos a emancipação do nosso povo! A retomada do que fomos e somos! E que o processo colonial inviabiliza e degrada.
No Brasil, desde 2014, no dia 25 de julho também se celebra o dia de Tereza de Benguela, sob a Lei nº 12.987 que decreta o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Essa lei demonstra na prática o exemplo de criar sua agenda, associar, somar e fortalecer.
Essa é a minha mensagem.
O 25 de julho é sobre:
Teresa de Benguela, Luiza Mahim, Akotirene, Zeferina, Lélia Gonzales.
A figura de Dandara de Palmares, Sueli Carneiro, Mãe Stella de Oxóssi, Vó Silva, Beatriz Nascimento, Elza Soares, Aline Barreto, Victoria Santa Cruz, Cláudia Ferreira, Mariele Franco, Glaucenira Maximiano, Mãe beata de Yemanjá, Emídia da Silva, Rita Stylus, Vó Vitalina, Mirla Riomar, Benedita da Silva, Irma Miranda, Sara Lemos, Katherine Reyes, Nega Uara ,Gisele Aguiar, Kelly Lua, Betania Ramos, Irene Innocencio ,Luciana Tita, Tâmara Alves, Marianna de Castro, Conceição Evaristo, Nêga Lucas, Tia Rosa …
É sobre mim e sobre todas as irmandades negras latinoamericas e caribenhas.
Presentes! Hoje e sempre…
Dai Sombra Aisha é Produtora sócio-cultural, capoeirista, ativista antirracista Decolonial, Mulherista africana, poeta e escrevivente.
Acompanhe as mídias de Dai Sombra Aisha: @daisombraaisha
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pela autora, sendo de sua exclusiva responsabilidade e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.
Muito obrigada Dai! E parabéns pelo texto maravilhoso, direto e esclarecedor… Todas e cada uma de nós temos nosso grão de areia para aportar, fortalecer, informar, contar… toda nossa história e nossas lutas quando decidimos ampliar nossos horizontes e divulgar nossa luta, cultura e costumes onde for que nos ancoramos…👏🏼👏🏼👏🏼
Tia Rosa, quão certa são suas palavras!!! Obrigada por ser uma mulher que ensina tanto sobre o que é apoiar e nutrir. Eres um exemplo de mulher amefrizanizada!
Bjs no ❤️