Brasil terá que se”desbolsonarizar” para preservar a democracia

Entrevista com Inez Olude
ROBIN DELOBEL

09 de novembro de 2022

Com 50,9% dos votos contra 49,1% de seu oponente, a vitória de Lula da Silva encerra a eleição presidencial mais acirrada desde a queda da ditadura no Brasil. Essa lacuna representa dois milhões de votos neste país continente dividido após quatro anos de presidência de Bolsonaro. Como interpretar esses resultados e o clima tenso mantido por Jair Bolsonaro? Inez Olude nos responde para entender melhor a situação que o Brasil vive atualmente.

Inés Oludé

Como Lula vai governar? Sabendo que o parlamento está mais à direita? Quais são os poderes do presidente e de seu governo?

Inêz Olude (I. O.): Seria especulação dizer como Lula vai governar, é muito prematuro. Nesta quinta-feira, 03 de novembro, iniciou-se a primeira etapa pós-eleitoral com a fase de transição. Ele formou uma excelente equipe, que será liderada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin.

Uma coisa é certa, Lula não vai governar sozinho, ele formou uma grande e muito diversificada coalizão de esquerda, incluindo também o centro, mas também conservadores. Algumas propostas já filtradas, um plano de emergência para desempregados e sem-teto, o mais difícil será o limite orçamentário. Lula também falou em recuperar os direitos sociais perdidos nos últimos anos: o programa fome zero, gerações de emprego, o programa minha casa minha vida, o aumento e a indexação dos salários à inflação.
Bolsonaro o senhor do caos destruiu tudo: educação, cultura, saúde, programas científicos, ele privatizou a propriedade do povo brasileiro. Uma coisa muito importante, Lula prometeu criar o ministério dos povos indígenas, um projeto de limites das terras dos índios e das comunidades. Falou em prevenir ocupações ilegais de terras e organizar a preservação da Amazônia, afugentando garimpeiros e invasores do agronegócio.

Acreditávamos em uma tentativa de golpe com os bloqueios policiais no Nordeste, enfim Bolsonaro respeitou o voto. Bolsonaro pode ser condenado por isso? Você acha que, como com Trump, é provável que ocorram excessos por causa de extremistas que gostariam de anular o estado de direito?

I. O.: Ele não respeitou o voto, ainda não o respeita, justifica as manifestações e insinua fraude eleitoral. Se houve fraude, foi ele quem a cometeu. Faz parte de seus jogos de palco, ele é um grande ator. Não acredito no golpe de estado, ele está fazendo terrorismo para manter seu nome na mídia. Os militares brasileiros são subservientes ao seu mestre na Casa Branca, seu inimigo imaginário é o povo brasileiro e o eterno inimigo é o fantasma do comunismo, puro produto da guerra fria. Cem países, incluindo os EUA, já reconheceram Lula como presidente democraticamente eleito, enquanto Bolsonaro já foi demitido por seus aliados. Internacionalmente está isolado por causa de sua política externa estúpida e agressiva.

Na sede de petróleo, os americanos já tiveram nosso petróleo do Pré-sal, nossas principais empresas estatais são privatizadas. A Lava Jato, destruiu nossa indústria, demoniza a política e persegue partidos de esquerda, principalmente o Partido dos Trabalhadores, criado por Lula. Bolsonaro é aliado de Donald Trump, então Biden não tinha interesse em sua reeleição. Mas no fundo, os americanos não se importam com nossa propriedade, eles querem nossa propriedade e não são os únicos.

Quanto às manifestações pós-derrota, voltaram às ruas, mas, mais enfurecido, mais louco, mais perigoso, ele as deixou bravas por 2 ou 3 dias, é a moeda de troca de Bolsonaro para as negociações com seu partido (Partido Liberal), corrupto ao núcleo. Ele chantageia para manter privilégios e escapar da prisão, por isso exige muitos benefícios de seu partido e advogados para defendê-lo. Com efeito, tem em curso 18 julgamentos, 800 a seu cargo, além de 150 pedidos de arquivamento por crimes de responsabilidade, nomeadamente pela má gestão da pandemia que resultou em 685.000 mortos, e cinco julgamentos por crimes contra a humanidade. A Haia. Será difícil para ele sair dessa, principalmente por causa de seus ataques aos ministros do STF.

Gaviões da Fiel indo desbloquear um piquete bolsonarista

Sua imagem está destruída, ele foi desmoralizado e enfraquecido pela derrota eleitoral. A estética fascista que ele adotou em sua vida parlamentar exige ser corajoso, valente, guerreiro e machista, e ele tentou fazer parecer que foi escolhido por Deus. Eventualmente, a realidade o alcança e mostra um covarde que manda os outros para o inferno. Sua aparência, desleixada e devastada, não lhe é favorável, ele se escondeu por 45 horas sem dizer uma palavra e quando abriu a boca falou contra os bloqueios. Seus fanáticos neonazistas e pentecostais foram atingidos. Bolsonaro não sairá ileso deste episódio. Seus aliados já estão saindo do barco e piscando para Lula. Esses protestos levam ao naufrágio econômico de seu governo. Bolsonaro lembra Iznogoud,

Mas não se engane, ele causa danos em todos os níveis, especialmente na mente de seus fanáticos que sofreram lavagem cerebral com água sanitária tanto nos templos pentecostais quanto nos quartéis. Seu slogan hitlerista “Deus, pátria, família” mostrava que o nazismo não prospera em lugar nenhum. Esses fanáticos praticam vandalismo, fazem gestos nazistas e matam. Será preciso uma verdadeira desnazificação do Brasil, principalmente na região sul, onde já foram detectadas mais de 600 células neonazistas em ação. Será preciso a mão pesada do Estado para acabar com essa violência, senão o mandato de Lula será um inferno. A destruição das estruturas estatais deve ser evitada. Há problemas no transporte de alimentos, os hospitais já estão com falta de equipamentos e medicamentos,

Desbolsonarização, um projeto para o Brasil?

Como a Alemanha praticou a desnazificação, o Brasil terá que desbolsonarizar para preservar a democracia e recuperar uma certa paz social. A sociedade civil, ativistas de esquerda e progressistas de todas as vertentes devem ajudar o governador Lula, porque a luta será acirrada. Será necessário reconciliar as famílias, os amigos, fazer um trabalho básico para substituir o ódio pelo amor e pela amizade. Será preciso um trabalho de conscientização, um compromisso político, no sentido grego, seja para desidiotizar, para treinar o espírito crítico, para entender as novas formas de comunicação, para lidar com a questão do religioso, muito envolvido com o bolsonarismo, especialmente os pentecostais. Será necessário melhorar o nível de informação para reduzir os efeitos das fake news. Um passo importante será democratizar as mídias sociais, mídias oficiais, que pertencem a cinco oligarcas, etc. Há muito trabalho. Será necessário dialogar com todas as partes, para evitar que a extrema direita ocupe espaços de poder. Em outras palavras, construir pontes para a civilização e evitar a barbárie.

Felizmente, os bolsonaristas se autodestroem, estão em um mundo paralelo e bebem fake news via grupos de WhatsApp, acusam Lula de ter trazido Fidel Castro para sua campanha e que Saddam Hussein financiou fraude eleitoral. Na galeria das esquisitices: a oração coletiva a um pneu de carro cantando o hino nacional, os pedidos de intervenção militar… Precisam de intervenção psiquiátrica com suas crises de histeria religiosa nas estradas, sem falar nos gestos nazistas para saudar a bandeira . Eles são sem sentido, ignorantes, não têm plano de vida. Uma definição melhor pode ser lida no 18 de Brummaire, de Karl Marx, sobre o lumpemproletariado, contratado por Luís Bonaparte, para colocar fogo e sangue na Europa… Os bolsonaristas estão encharcados de casos psiquiátricos, suas ações são modeladas nas palavras de Steve Bannon, que disse “jogar merda e acusar os rivais do que você faz e quem você é”. Entre eles você encontrará estupradores, pedófilos, assassinos, cortadores de mulheres, corruptos, ladrões, jogadores de futebol, como Neymar, que não paga impostos, e Robinho, condenado por estupro na Itália, Nelson Picquet, ex-piloto de Fórmula 1, que apenas insultou e fez ameaças de morte a Lula. Há também pastores desonestos e milionários que vivem do dízimo e travam uma guerra do bem contra o mal e, finalmente, soldados de pijama, que voltaram ao poder para andar na lama e lucrar com a corrupção. Os métodos bolsonaristas são homofobia, racismo, lgbt-fobia, machismo, a prática da violência extrema. Eles são como seu líder. Essas manifestações representam uma conspiração contra o Estado de Direito, é preciso investigar e punir quem financia.

Na mídia francesa e belga, o fato de Lula ter sido exonerado é totalmente minimizado e raramente vinculado ao curso do juiz Moro que o condenou (então ministro da Justiça de Bolsonaro). Você acha que Bolsonaro enfrenta condenações?

I. O.: Essa é uma questão muito importante, as pessoas precisam se informar melhor sobre o que aconteceu no Brasil desde 2003, a mídia na França e na Bélgica são superficiais e tendenciosas, reproduzem exatamente as mentiras e desinformações veiculadas na mídia brasileira, quando não t vá procurar, na Wikipedia. Estão totalmente a serviço do capital. Como a mídia brasileira Globo, Veja, eles têm um papel quase de partido político, eles têm uma ideologia, e não é nossa, é a do dinheiro. Ela vê a esquerda como inimiga. Eles odeiam os pobres, vão lutar contra qualquer um que tente melhorar suas condições ou reduzir as desigualdades. Eles veem o Brasil como uma grande fazenda que tem que alimentar o mundo enquanto os brasileiros passam fome. Todos esses jornais apoiou os golpes, tanto em 1964 como em 2016. O La Folha de São Paulo, inclusive, ajudou a ditadura, emprestando seus veículos de distribuição de jornais para fazer desaparecer os corpos dos militantes assassinados pelos militares. Sua principal missão é demonizar a esquerda. Assim que Lula voltar, a imprensa vai querer reiniciar sua guerra de informação contra ele e o Partido dos Trabalhadores com as mesmas velhas melodias.

A imprensa apoiou amplamente a Lava Jato, criando um falso herói na figura podre do ex-juiz Sergio Moro e seus promotores corruptos, que condenaram Lula por “fatos indeterminados”, aberração jurídica conhecida como Lowfare, após ter saqueado sua vida e a de seus parentes sem encontrar a menor evidência de corrupção. O juiz que se tornou ministro de Bolsonaro, eleito senador, ficará impune pelo menos pelos 8 anos de seu mandato. Uma vergonha ! Ele é o principal responsável por tudo que vemos no Brasil desde 2018, o resultado foi o presidente Bolsonaro, de quem se tornou novamente aliado em 2022.

Lula é como uma fênix que renasce das cinzas, mais forte do que nunca, e é absolvido dos 26 julgamentos que o juiz iniciou contra ele por falta de provas, não há crime. No caso conhecido como mensalão, os principais dirigentes do PT foram condenados e presos com base no bônus de denúncia, método bastante polêmico utilizado pela Lava Jato e pelo ex-juiz Sergio Moro. É preciso ver as publicações do Intercept no Brasil, a operação Vasa Jato trouxe à tona as travessuras da máfia judiciária dos procuradores e do ex-juiz Sergio Moro, que tinha um projeto político de ascensão ao poder. Lula era o homem a ser batido para conseguir isso.

Bolsonaro fez a campanha mais suja da história da república, com o Bureau do Ódio, comandado por seu filho: compra de votos, chantagem, terrorismo, agressão, ataques à imprensa, a instituições, medidas contra regiões que votam em Lula, bloqueio de transporte pela polícia rodoviária, para impedi-los de ir votar. Iznogoud tentou todos os tipos de planos para ser califa em vez do califa, mas perdeu.

Maturidade, lucidez, uma ampla frente de combate antifascista são necessários para recolocar o Brasil na agenda mundial e reconstruir a democracia. Devemos nos alegrar e comemorar nossa grande vitória, Bolsonaro foi derrotado mas os fanáticos o seguem.

Torcedores dos times de futebol Coríntias, Gaviões da Fiel, Máfia Azul, Palmeiras e Fortaleza estão fazendo o trabalho da polícia para desobstruir as estradas ocupadas por extremistas bolsonaristas que se recusam a aceitar os resultados das eleições. (foto de @Fabio Soares)


Leia aqui a entrevista em francês publicada no jornal INVESTIG’ACTION

    Inêz Oludé é artista artivista, poeta subversiva, formação em história da arte, arqueologia e pintura monumental. Membra da coalizão internacional de artistas da Unesco e da FIBRA.

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