De Flávio Carvalho, para o site da FIBRA.
Barcelona, 24 de janeiro de 2023.
@1flaviocarvalho, @quixotemacunaima, sociólogo e escritor.
“Diste tu peor versión.”
(Shakira).
No exato dia em que conheci pessoalmente a Daniel Alves ele teve uma atitude que me desagradou significativamente. – “Fácil contar isso agora, né, Flávio? Anos depois!”
Não. Tenho quatro testemunhas daquele fatídico dia, inclusive um embaixador de carreira. Foi no intervalo de um treino do Barça, no tempo em que se afirmava como o melhor assistente de gols do Messi, ambos fenomenais no campo. Tempos de glória pro Barça e pra mim.
Noutro dia, festa do seu aniversário, num restaurante nas Ramblas, Daniel fez uma gracinha machista que – de tão ruim e sem graça – gerou constrangimentos. Foi diante de um catalão representante da FIFA. Naquele exato momento eu conheci a mãe dos seus filhos, não muito satisfeita também. Apresentou-se a mim como a sua manager e “representante econômica”.
– “Nunca contou piada machista, Flavinho?”. Claro que sim. Mas parei até de sorrir com essas merdinhas. E contar, nem pensar! Na luta antimachista, eu sou do time da imensa bel hooks (falecida no ano passado, assinava-se sempre em minúsculas): vale muito A Vontade de Mudar, nome de um de seus livros, que eu amo. Leiam tudo dessa mulher, por favor. Não se arrependerão.
Tempos depois reencontrei Dani, numa festa no seu restaurante em Barcelona, chamado Fogo. Certamente fui convidado por causa de um artigo meu que circulou muito aqui na imprensa local e nas redes sociais. Torcedores de um time rival do Barça haviam lançado uma banana no campo para ele, Alves, associando-o de forma racista a um macaco. Impressionou-me pela reação instintiva de pegar a banana e comer ali mesmo no campo, antes de cobrar um escanteio, numa resposta que eu classifiquei de genial e o defendi bastante naquela época, publicamente, antes de encontrar-lhe três vezes seguida em suas visitas ao meu local de trabalho.
Dei a ele um pedaço de jornal onde o articulista dizia que ele corria muito quando criança “nas praias da cidade sertaneja onde nasceu, chamada Juazeiro (terra de João Gilberto e de Ivete Sangalo)”. Autografou camisa do Barcelona pra mim. Foi pouco antes de gravar um story para o seu Instagram, cantando algo com uma peruca prateada. Viralizou nas redes, claro.
Na última vez em que estivemos perto, uma pessoa que trabalhava com a sua advogada (deu-me o cartão com uma anotação que eu guardo sem carinho), falava em tentar seguir no Barça nem que fosse ajudando a parte técnica do futebol feminino – já vitorioso por aqui.
Sabe quando você não estranha nada ao escutar a notícia de que Dani Alves foi preso? Está numa prisão catalã onde, curiosamente, já visitei muitos presos brasileiros.
O que sim, tem me abalado muitíssimo não é ele, em si. Dele eu só quero distância. É o machismo operando sorrateiramente, perversamente, covardemente na maioria dos comentários que “sem querer querendo”, o defendem. Sem falar em outros, que cada vez mais saem do armário e se assumem machistas, como os votantes do Bolsonazi que Dani Alves abertamente apoiou – provavelmente em troca do dinheiro público que o presidente fugido derramou na ONG do atual presidiário. Nem todo machista é bolsonazista, mas vice-versa…
Assim como foi bom ter eliminado tantos bolsonazistas do meu círculo de amizades fakes, estou com a sensação de aproveitar bastante a repercussão do seu caso aqui em Barcelona pra eliminar uns quantos conhecidos tóxicos por não admitir nenhuma “passada de pano” pra machista assumido ou enrustido. Recomendo quem estiver me lendo, para fazer o mesmo.
Somente hoje estive com três grandes amigas que estão prestes a passar por um julgamento como vítimas de violência machista. Três vítimas! Sem ir muito longe. Aqui já se fala que o tema virou “praga”.
Com uma delas me surpreendeu que ainda tenha que andar, ela – vítima de agressão física do seu ex, que costumava agredi-la verbalmente (mesmo diante do filho), com um aparelhinho eletrônico que controla a ordem de afastamento dele. Ainda por cima, ela tem que cuidar o dia inteiro de um dispositivo cedido pela polícia para zelar pela sua própria vida. Sim, amigos. Tornozeleira eletrônica pra maltratador é velha reivindicação do movimento feminista espanhol. Considerável parte das mulheres assassinadas não o haveriam sido se a justiça, polícia, Estado, não houvessem vacilado ou falhado na sua proteção. Estariam vivas ainda!
Não consigo deixar de relacionar cada uma delas com as tantas jovens que morreram somente neste mês, assassinadas pelos espanhóis que outrora disseram Te Quiero. Também com o meu colega de trabalho que só lembrou de comentar sobre as “roupas curtas que essas meninas usam pra divertir-se em discotecas”. Outro acaba de dizer no Facebook que “Discoteca é lugar disso mesmo”. Paciência é o c…! Mas o melhor mesmo é relacionar com os atos machistas que eu mesmo me arrependo amargamente de haver cometido em minha própria vida. Estou convencido de que não há caminho melhor do que este. Senão, passaremos ainda décadas…
Machistas do mundo, eu li atentamente toda a papelada do Processo Alves, não me perguntem como. Não busquem desculpas esfarrapadas para nada do que aconteceu naquele breve momento, dentro do banheiro – que eu conheço – da discoteca onde o desgraçado esteve pouco depois de chorar no velório da avó dos seus filhos. De fato, o que importa, está fora. Ou melhor, o que importa mesmo é o que está dentro de cada um de nós, patriarcais.
Pelo amor que você teve ou tem pela sua mãe, assuma o seu machismo, para desconstruir. Mas não fique somente em assumir. O pior cego será sempre aquele que não quer ver.
Copie e cole nas suas redes sociais, eu te facilito: Basta de Violência Machista. Prisão neles.
Aquele abraço.
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.