Imagine!

Por Marilu de Moura, para o site da FIBRA

Amsterdam, 30 de janeiro de 2023.

“Imagine nada para se matar ou morrer ….
Você pode dizer que eu sou um sonhador,
mas, não estou sozinho,
Espero que um dia você se junte a nós
E o mundo será um.
(Imagine/John Lennon)

Utopias como a de John Lennon inspiraram e inspiram gerações. No Brasil muito se canta, mas sua mensagem pouco encanta.

Nos Países Baixos o alistamento militar é opcional, a carreira militar não é de prestígio e/ou futuro brilhante e, quando há cortes no orçamento, este segmento também sofre tesouradas. Não se trata do único país na Europa com este perfil. Ao contrário. Caberia aí uma pesquisa mais detalhada para ver como se organizam as forças armadas em cada nação europeia para não cairmos em generalidades. Deixemos por ora apenas este exemplo inicial.

Trago isso à pauta devido aos últimos acontecimentos do 8 de janeiro no Brasil. A participação de amplos segmentos das FFAA ressuscita uma expressão já não mais usada: o óbvio ululante. Todos sabem e todos fingem não saber que aí se gestou uma tentativa de golpe. Para que tudo siga como sempre foi.

Ante o fato e o arcabouço que o gerou, surpreende que não haja no país um movimento anti-armamentista, anti-alistamento militar, anti-custos das regalias dos militares, anti-FFAA. Nem nas esquerdas, nem nas hostes veganas, ambientalistas, pacifistas etc. Quando a existência de uma corrente de pensamento e ação nestas vertentes poderia contribuir com sinalização de alternativas e possíveis utopias. Algumas até factíveis como se vê em outros países.

Damos como algo natural e necessário o Estado ter que manter um imenso contingente de pessoas e equipamentos que volta e meia querem burlar as normas civilizatórias e societais modernas.

A ausência de um movimento na proposta de discutir o porquê, o para quê das FFAA, deixa espaço para que estas – sozinhas – alimentem a sociedade com seus pensares e interesses corporativos.

Convivemos, então, com ideias mumificadas, interesses com jabutis escondidos, carência de entendimento do mundo atual, impermeabilização a avanços dos negros, indígenas, mulheres, LGBTQIA+, incompetência funcional, mordomias, visão subserviente a forças externas e empresariais, apagamento de brios pelos interesses nacionais, ausências de transparência e muita sede de poder e grana.

Por força da virulência da direita brasileira, as esquerdas brasileiras tornaram-se cada vez mais legalistas e aferradas à Constituição de 88, que, na verdade, refletiu um pacto de retorno à democracia com concessões aos gestores do autoritarismo e, mesmo assim, ainda é carcomida por crescentes alterações contrárias a seu espírito cidadão.

A Carta Magna de 88 foi o Brasil possível naquele momento. Com conquistas notáveis do povo brasileiro, como o SUS – como grande exemplo, mas também com acomodações de interesses, cristalizados em lei, que asfixiaram o país por décadas.

Lembro-me de um engenheiro em Pernambuco que me disse sobre o movimento que apresentou projetos e propostas à Assembléia Constituinte – pós ditadura: – “É o que dá pelo momento, mais adiante vamos ter que ampliar muitos direitos”. E o que mais se viu ultimamente, foi perdas de direitos!

Ocupando o governo, diversas forças de esquerda, que por razão de sua posição não podem liderar uma discussão sobre o tema, nos vemos num marco de pensamento reprodutor dos padrões que nos acompanharam por séculos. Ninguém questiona a utilidade e o custo para a sociedade de instituições, que se mostram arcaicas no pensar, estacionadas na década de 60 do século passado e que têm dado sobejas provas de ser capaz de usar sua força para bater no próprio povo. Literalmente.

Sem falar do peso no bolso do cidadão para ter a contrapartida de ser atacado quando assim defina o agressor.

Espero que no rescaldo deste 8 de janeiro, surjam vozes com propostas, argumentos e debate sobre estas vetustas instituições, que em 68 roubaram o futuro de uma geração, e não satisfeitas, seguem como raposas à espreita para tirar mais para si.

Uma Militante cansada.

Marilu de Moura é integrante do Coletivo Amsterdam pela Democracia.

Nota: Textos, citações, e opiniões fornecidos pela autora, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos integrantes da Fibra.

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