Por Márcia Camargos e Solange Cidreira
Publicado originalmente no Jornal Opera Mundi
Paris (França), 29 de jun de 2023
Um dos chefes de Estado mais aguardados no Fórum sobre o Novo Pacto Global de Financiamento que, de 22 a 23 de junho reuniu, em Paris, cerca de 100 dirigentes dos quatro pontos cardeais, Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sacudido a mesmice de tais encontros ao colocar duas perguntas retiradas do título do evento. O presidente do Brasil, que resgata a dignidade do seu povo, após os anos fúnebres da era Temer-Bolsonaro, veio para colocar o dedo na ferida, ecoando questões da maior importância na presente conjuntura mundial.
Primeiro, em que termos o pacto seria realmente novo? Depois, ele serve a quem? Não à toa, no “Diálogo de Alto Nível”, que encerrava a Cúpula, Lula comentou que precisamos nos indignar contra a desigualdade em todos os níveis, sejam sociais, salariais, climáticas ou de gênero. Para ele, torna-se urgente estabelecer princípios para reformar as instituições financeiras internacionais e forjar parcerias mais equilibradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, conforme preconizavam seus articuladores.
Segundo afirmou, órgãos como o Banco Mundial, FMI e mesmo a ONU, estão ultrapassados, e não atendem às necessidades contemporâneas, exigindo transformações na sua organização e liderança.
No sábado (24/06), Lula recebeu jornalistas para uma espécie de balanço da sua estadia. Avaliou que o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, tema do almoço com o presidente francês Emmanuel Macron, é crucial para ambas as partes. No entanto, as medidas econômicas precisarão estar sincronizadas com as preocupações sociais, diferentemente do ponto de vista do seu antecessor, que teria, conforme explicou, cedido em todos os pontos, agora demandando uma revisão minuciosa.
“Assim como a França quer resguardar os interesses agrícolas deles, nós temos que proteger os interesses das nossas pequenas e médias empresas”, pontuou o brasileiro.
Apesar das restrições, ele espera que, com o apoio dos partidos de esquerda na Assembleia Nacional francesa, até o final do ano alcancem uma decisão sobre o assunto, que começou a ser tratado em 1999. Nessa coletiva, Lula ainda mencionou a urgência de unir o bloco latino-americano para fazer frente ao grande capital. Também pronunciou-se sobre o Haiti, relegado à própria sorte, e pagando até hoje o preço de ter se libertado do jugo colonial. Prometeu levar o tópico ao G20 e ao Brics, para colocá-lo no centro das deliberações intercontinentais.
Na frente do hotel em que se hospedou com a sua comitiva, incansáveis apoiadores agitavam bandeiras, cantavam e gritavam palavras de ordem, assim que o presidente chegava ou saía para mais uma das numerosas reuniões bilaterais. Da mesma forma, Lula foi ovacionado por milhares de pessoas, quando discursou como convidado especial do Coldplay, no show Power Our Planet, aos pés da Torre Eiffel, onde reafirmou a responsabilidade dos países ocidentais com o aumento da poluição.
Em que pesem algumas críticas da imprensa francesa, e a cobertura seletiva da mídia brasileira, a visita de Lula marcou um importantíssimo ponto de inflexão nas relações Norte-Sul. Pela primeira vez na história, o governante de um país em desenvolvimento deslocou a perspectiva numa cúpula de tal magnitude, ao afirmar que não basta apenas falar da Amazônia.
Ele argumentou que de nada adianta discutir meio-ambiente e clima sem levar em conta a desigualdade, fruto da concentração de riqueza, que só fez aumentar o abismo social nas ultimas três décadas. “Se a gente não mudar as instituições, o mundo permanecerá o mesmo”, disse ele.
“Quem é rico vai seguir rico, e quem é pobre vai continuar pobre”.
Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra