Por Juliana Sassi e Maila Costa
Irlanda – Dublim
Introdução: como começamos e por quê
A Frente de Esquerda Brasileira é um grupo de base criado em Dublin em março de 2016 para se opor ao golpe contra a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. A criação do BLF também foi influenciada por manifestações de outros países contra o golpe, que estavam chamando a atenção internacional para a tragédia política do Brasil. Neste artigo, discutimos os desafios que o BLF enfrentou para enquadrar o golpe e nossas demandas, nossas emoções mistas envolvidas neste processo e suas contradições, bem como os obstáculos para organizar e mobilizar os brasileiros na Irlanda. Este artigo é uma forma de refletir sobre nosso trabalho e de compartilhar com outros ativistas os limites que enfrentamos como um pequeno grupo de base – limites que acreditamos que a esquerda como um todo tem lutado até certo ponto. Não obstante, também pretendemos compartilhar nossa esperança de construir a unidade dentro da esquerda em nossa luta comum contra o capitalismo e pela libertação do povo.
Quando o BLF foi criado, chamava-se Dublim pela Esquerda (Dublin Through the Left), para sinalizar que a solução para a nossa crise atual seria melhor encontrada na esquerda. O golpe sinalizou esse momento de virada no Brasil, onde políticas previdenciárias inclusivas – ainda muito limitadas – foram ameaçadas de serem destruídas pelas políticas neoliberais, a privatização de empresas públicas, bens e serviços. A elite empresarial em conjunto com o Congresso buscou desmantelar os direitos trabalhistas, previdenciários, previdenciários e de serviços públicos essenciais, como saúde e educação. O Brasil estava se movendo drasticamente para a direita e a esquerda era culpada por todos os problemas do país. Foi então que um grupo de intercambistas brasileiros que viviam na Irlanda decidiu se reunir em frente à Embaixada do Brasil. Eles usaram as redes sociais para convocar o protesto, que contou com a presença de cerca de 30 pessoas. Alguns deles haviam se beneficiado das políticas do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), alguns eram apoiadores e militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), e outros se politizaram em 2013 com os protestos do Passe Livre contra o aumento das tarifas do transporte público trouxe muitos jovens às ruas. Os protestos de 2013 trouxeram uma onda de mobilização em massa, mas no final, as queixas das pessoas foram cooptadas pela direita. Muitos desses grupos de direita que surgiram nesse contexto (como o MBL- Movimento Brasil Livre) foram financiados por fundações internacionais, como a Rede Atlas, que é próxima aos barões do petróleo Koch Brothers (Amaral, 2016: 92).
Esses grupos de direita capturaram as queixas generalizadas e mobilizaram pessoas com ideias de bom senso, como anticorrupção, anticomunismo, defesa da família, da nação e do mercado livre. Eles defenderam valores e discursos hegemônicos; conseqüentemente, eles puderam se comunicar mais facilmente com as pessoas. A direita venceu a guerra narrativa, mas uma geração jovem nasceu das lutas de 2013 e de suas contradições.
O BLF fez parte desse processo. Porém, na época, o grupo tinha visões distintas sobre 2013. Aqueles apoiadores do PT responsabilizaram os protestos pelo golpe e pela ascensão da direita. Os críticos do PT viram 2013 como um acontecimento complexo, como uma resposta orgânica a problemas sociais concretos que o PT não conseguiu resolver devido à sua natureza. Esses problemas eram inerentes à lógica de acumulação de capital, de modo que não podiam ser administrados por um estado capitalista / liberal dentro de uma abordagem centrada no mercado. Se pela primeira vez na história a população de baixa renda ampliava seus hábitos de consumo e acessava a Universidade, as oportunidades de trabalho encontradas no mercado não eram tão promissoras. Em 2014, 97,5% dos empregos criados pagavam cerca de 1.000 reais por mês (Singer, 2016: 108) – hoje 1 euro equivale a 6,5 reais, mas em 2014 rondava os 3,5 reais. Existem muitos outros aspectos de 2013 e da nossa crise atual (ver Junior, 2019; Fernandes, 2019 e Singer et al., 2016), mas para o objetivo deste artigo o que é relevante é que não houve uma única leitura desses eventos dentro BLF. Sabíamos que fazíamos parte da esquerda, mas isso não esclarecia muito sobre nossas visões, demandas e estratégia. Tínhamos muitas identificações políticas e visões de mundo distintas: a esquerda radical com anarquistas, socialistas e comunistas, mas também social-democratas – não necessariamente autoidentificados como tal. Na próxima seção, discutiremos o que essa heterogeneidade significa na prática.
Enquadrando o golpe, nossas emoções e suas contradições
Enquanto o grupo foi criado com uma demanda específica, para protestar e conscientizar sobre o processo golpista e angariar apoio internacional, a forma como cada um de nós entendeu esse momento político foi diferente. Isso teria consequências para o enquadramento de nossas demandas, reivindicações e estratégia. Os partidários do PT viram o golpe como um golpe contra a democracia e o PT como vítima de uma direita voraz. Pois então, se o PT permanecesse no governo, a democracia se restabeleceria e as mudanças sociais viriam do Estado. A esquerda radical viu o PT ser esfaqueado nas costas por aqueles que apertavam as mãos e favoreciam dias antes. O PT optou por uma política de conciliação de classes, e assim termina na periferia do sistema. Além disso, para a esquerda radical, o uso do termo democracia foi problemático porque tudo aconteceu dentro da estrutura da democracia liberal. A democracia liberal é algo que as pessoas na Europa podem defender devido à sua posição no sistema mundial, na divisão social do trabalho. Mesmo assim, para nós que viemos de um dos países mais desiguais do mundo, isso não é possível.
As pessoas não pensam no Brasil como um país rico, mas somos a 8ª economia mais rica do mundo. Então, por que tanta pobreza? O golpe é revelador a esse respeito. Sempre que pequenas mudanças estão sendo implementadas no Brasil para beneficiar os pobres, a classe trabalhadora, o governo é substituído pelo apoio dos EUA. Foi o que aconteceu em 1964, foi o que aconteceu em 2016. Mas, em 2016, as comunidades indígenas e a esquerda sentiram pouca diferença com o PT ou o PSDB (partido da oposição) no governo. As balas de borracha disparadas contra os manifestantes contra a Copa do Mundo de 2014 tiveram o mesmo efeito em suas peles de antes. Nesse sentido, para a esquerda radical do BLF, o PT foi o responsável por seu destino. Quando o golpe estava sendo articulado, o PT não mobilizou os movimentos sociais para apoiar Dilma. Na verdade, quando no governo, o PT desmobilizou movimentos sociais que historicamente os apoiaram pela incorporação de militantes importantes aos cargos de governo e pela defesa de que as mudanças sociais viriam do Estado. No entanto, o que nos uniu a todos foi o entendimento de que este golpe foi um golpe de direita que desmantelaria os direitos sociais e trabalhistas conquistados pelo povo. Após a queda de Dilma, o governo de Michell Temer aprovou nova legislação trabalhista com o objetivo de destruir os sindicatos, a capacidade de mobilização dos trabalhadores, o poder de negociação coletiva e os direitos fundamentais, levando à flexibilização dos contratos. A nova legislação trabalhista entrou em vigor para quebrar a solidariedade da classe trabalhadora e trazer mais precariedade, ansiedade e estresse para a classe trabalhadora em um mercado livre não regulamentado.
Entre 27 e 29 de janeiro de 2017, membros do BLF participaram do primeiro encontro internacional de grupos brasileiros contra o golpe em Amsterdã (Encontro Internacional pela Democracia e Contra o Golpe). Os três dias de evento reuniram grupos da Suécia, Alemanha, Suíça, Portugal, Espanha, Dinamarca, França, Holanda, Itália, Bélgica, Irlanda, Noruega, Inglaterra e Brasil. Três coletivos participaram virtualmente (México, Nova York e Washington DC). O evento foi importante para o fortalecimento da rede e também mostrou que as questões que o BLF estava enfrentando para construir uma narrativa comum também estiveram presentes neste encontro. A narrativa hegemônica do encontro era a necessidade de restabelecimento da democracia, e a linha estratégica era focar nas eleições de 2018, nas quais Luiz Inácio Lula da Silva voltaria para salvar a todos nós. Um grupo liderado por mulheres do PT não concordou com essa estratégia e defendeu que devemos continuar fazendo campanha para que Dilma volte porque foi ilegalmente removida. Reconhecer novas eleições era admitir que Dilma era culpada – embora ela não fosse. Eles também chamaram a atenção para a característica misógina e sexista do golpe. O BLF era então uma micro representação dessa multiplicidade de narrativas e visões da esquerda brasileira.
O papel das emoções e da experiência pessoal foi central para informar as leituras das pessoas sobre a situação. Houve muitos cartazes e discursos nas primeiras manifestações dizendo “Lula eu te amo”, “Lula roubou meu coração” e afirmações emocionantes semelhantes. Estudiosos de movimentos sociais têm afirmado que as emoções fazem parte da vida de um movimento social, elas unem as pessoas e não são uma qualidade irracional (Jasper, 2011) nem apenas uma ferramenta estratégica instrumentalizada por movimentos sociais para atingir objetivos específicos. Porém, nos movimentos políticos, a reflexão sobre a realidade concreta não pode ser esquecida por simpatias pessoais. Se assim fosse, nossa defesa não seria de um programa social emancipatório, mas populista – ou, pior ainda, de um regime fascista, que vimos emergir depois, a partir do ódio e do preconceito.
Nosso grande desafio foi encontrar uma linguagem para enquadrar o golpe e nossas demandas de maneira que englobasse a complexidade da crise atual e, concomitantemente, mobilizasse as pessoas. A esquerda critica há décadas o liberalismo e suas instituições, sua democracia burguesa, a grande mídia, os políticos e o Estado. A extrema direita começou a ganhar espaço fazendo o mesmo e ainda atacando os direitos humanos. Defender a democracia neste contexto assumiu uma característica distinta. O fascismo estava em alta – em todo o mundo – e a imagem de esquerda estava sendo fortemente ligada. Por mais que os fascistas amem o mercado livre, os direitos humanos estão sob ataque. Foi então um momento crucial para destacar o problema do liberalismo e os perigos do fascismo. Na próxima seção, mostraremos como temos lidado com essas questões e trabalhado para nos mobilizar e nos organizar.
O que fazemos: Mobilizando e organizando brasileiros na Irlanda
Combinamos em nosso trabalho educação e ação política, teoria e prática. Nosso principal objetivo é mobilizar as pessoas para a ação e também aprender com a luta. Nesta seção, mostramos o que fazemos.
Desde o primeiro evento na Embaixada do Brasil, em 2016, o grupo organizou diversos protestos. Naquele ano projetamos a frase “Temer fora, pare com o golpe no Brasil” no muro da prefeitura na Rua Dame, sob o governo de Bolsonaro, convocamos protestos contra os cortes no orçamento da Educação no Brasil, organizamos a manifestação #EleNao contra sua eleição , que contou com a presença de cerca de 300 brasileiros, realizou um protesto contra o Acordo UE-Mercosul e a visita do vice-presidente da Câmara Rodrigo Maia ao presidente irlandês Michael D. Higgins em sua residência oficial em Phoenix Park.
A manifestação após o assassinato de Marielle em março de 2018 foi particularmente emocional e poderosa. Muitos brasileiros e torcedores de outros grupos da Irlanda se reuniram para afirmar que sua luta ainda estava acontecendo. Banners também destacaram o nível de violência policial no Brasil: Em um ano, cerca de 1.000 pessoas foram mortas pela polícia apenas no estado do Rio de Janeiro. Porém, todos sabiam que esse crime tinha uma motivação específica: Marielle era uma lésbica socialista negra que lutava contra o racismo, o capitalismo predatório, a violência policial e pelos direitos LGBTQI. Mais de dois anos depois, continuamos perguntando: quem mandou matar Marielle Franco?
Outra iniciativa do grupo foram os encontros feministas Feminismo em Ação. Essas reuniões tiveram seus temas escolhidos pelas participantes no encontro anterior e visavam estimular debates feministas de classe para combater as visões feministas hegemônicas liberais. Houve encontros sobre racismo, maternidade, intersexo, sexualidade, entre outros. Também organizamos eventos (Roda de Conversas) para discutir assuntos políticos e sociais. Em dezembro de 2019 organizamos com os grupos brasileiros Turbante-se e Go Dance For Change um evento para discutir a negritude e o racismo na Irlanda. Raça e racismo têm sido centrais em nosso trabalho devido ao processo de racialização que muitas pessoas que eram consideradas brancas no Brasil enfrentam quando chegam à Irlanda. Muitos não se entendem como pessoas de cor; muitos também acreditam que existe tanto racismo na Irlanda quanto no Brasil: nenhum. Portanto, precisamos nos educar. Para resolver alguns problemas que enfrentamos durante a organização, fizemos uma série de palestras no YouTube em maio de 2020 sobre feminismo, identitarismo, marxismo, trabalhadores e COVID 19, bem como veganismo.
Nesses eventos, também buscamos motivar as pessoas a se envolverem mais ativamente com o grupo. Como uma organização de base, equilibramos o trabalho no BLF com outras atividades diárias, como nossos empregos precários, escola e universidade – e também mudamos de uma habitação de baixo padrão para outra. Esta realidade que enfrentamos na Irlanda como migrantes racializados da classe trabalhadora também é algo que passamos a compreender melhor trabalhando com outros grupos de base no terreno. Na próxima seção, explicaremos como essas relações foram criadas.
Solidariedade transnacional
Dado o trabalho que estávamos fazendo para informar a sociedade irlandesa sobre os perigos da ascensão da extrema direita no Brasil para reunir apoio, também aprendemos os problemas enfrentados pela classe trabalhadora, mulheres, comunidade LGBTQI e migrantes e requerentes de asilo na Irlanda. Aprendemos que a luta para revogar o dia 8 também foi uma questão de migrantes e que fomos mais afetados pela proibição do aborto do que os irlandeses devido ao nosso status de visto. Era uma desproporção semelhante ao que os negros enfrentam no Brasil, e camaradas no Brasil também estavam lutando para descriminalizar o aborto lá. O trabalho de Migrantes e Minorias Étnicas pela Justiça Reprodutiva (MERJ) foi essencial para muitos de nós no BLF para nos conectarmos com esta questão aqui. MERJ trouxe à tona o fato de que os migrantes e requerentes de asilo são desproporcionalmente afetados pelas políticas reprodutivas patriarcais e racistas do estado. Os membros do BLF se envolveram com o MERJ e contribuíram para o livro “Nós percorremos um longo caminho”, publicado em 2018. Também fizemos um vídeo de apoio à Campanha de Revogação, pedindo àqueles que podiam votar que considerassem nossa especificidade porque o fizemos não tem o voto.
No final de 2017, o BLF envolveu-se com a Irish Housing Network. A primeira ação em que participamos foi o comício anti-despejo em Mountjoy Square. Desde então, alguns membros começaram a trabalhar com Dublin Central Housing Action (DCHA), participando do doorknocking, o grupo de apoio, ajudando na tradução de materiais e casos de RTB com inquilinos brasileiros. Em 2018, trabalhamos com DCHA na área de Summerhill. A partir desse trabalho, a DCHA foi informada em maio de que um despejo estava ocorrendo em 39-38 Summerhill Parade. Quando chegamos ao local, descobrimos que sete casas, nas quais viviam 120 pessoas, a maioria migrantes e 90% do Brasil, seriam ocupadas pelo senhorio sem prévio aviso de despejo. Em menos de uma semana, todos foram despejados.
Como uma resposta de baixo para cima à crise habitacional, em agosto de 2018 criamos o Take Back the City (TBTC) com outros seis grupos de base para destacar as contradições entre o grande número de propriedades vazias na cidade e o número crescente de pessoas que viviam falta de moradia – no sentido pleno do termo. Isso incluía inquilinos que estavam sendo despejados, aqueles que viviam em acomodações superlotadas e abaixo dos padrões ou em prédios da Câmara Municipal de Dublin deixados sem cuidados e manutenção pelo estado. Também incluiu todos aqueles que não possuíam casa e enfrentavam a insegurança quanto à locação. Os outros seis grupos que criaram o TBTC foram: Blanchardstown Housing Action Committee (BHAC), North Dublin Bay Housing Crisis Committee (NDB), Dublin Central Housing Action (DCHA), Dublin Renters Union (DRU), Take Back Trinity (TBT) e Migrant & Ethnic Minorities for Reproductive Justice (MERJ).
Em 2018, o BLF juntou-se à Parada do Orgulho de Dublin. Foi a primeira vez que um bloco brasileiro participou do evento. A adesão do brasileiro ao desfile foi alta e as pessoas apareceram segurando cartazes com conteúdo político, em vez de apenas celebrar a diversidade como se a diversidade pudesse vir sem igualdade e justiça social. Os escritos nas placas abordavam a situação política no Brasil, os ataques que pessoas LGBTQI + sofrem na Irlanda, o fato de no Brasil o casamento “do mesmo sexo” ser permitido desde 2013 e também a expectativa de vida de uma mulher negra trans é de apenas 35 anos no Brasil.
O BLF também tem trabalhado com o Centro de Solidariedade para a América Latina em questões relacionadas à comunidade latino-americana. Em 2017, co-organizamos a visita do líder indígena Ladio Veron. Ladio visitou vários países da Europa na época para denunciar a situação indígena no Brasil e pedir apoio internacional para pressionar o governo brasileiro a demarcar suas terras – um direito constitucional.
O BLF participou de várias palestras na Irlanda, conduzidas por grupos de base, ONGs, partidos políticos de esquerda e universidades. Participamos de um evento sobre o golpe no Brasil organizado na Dublin City University (DCU), e de outro evento sobre o legado da Copa do Mundo de 2014. Em 2019, também falamos no Festival Marxista sobre a ascensão do fascismo.
Obstáculos para os brasileiros se organizarem e mobilizarem brasileiros na Irlanda
Construir um coletivo brasileiro de esquerda na Irlanda tem sido uma tarefa difícil. A maioria dos brasileiros são estudantes que permanecem no país por cerca de dois anos [1]. Devido ao caráter temporário de sua estada, não é provável que se envolvam em movimentos sociais, especialmente aqueles relacionados ao contexto irlandês sobre o qual eles quase nada sabem. Além disso, o crescimento das ideias conservadoras e neoliberais em todo o mundo gera desconfiança na esquerda e em suas propostas sobre a sociedade. Portanto, mesmo ideias que foram consideradas universais, como moradia pública e saúde, podem ser vistas como muito radicais e impediriam aqueles que não têm nenhuma formação política de se envolver com o BLF. No entanto, abandonar nossas demandas para crescer como grupo é uma concessão que não faz sentido para nós. Muitos grupos já o fazem e acabam se transformando em defensores liberais. Por isso, o desafio de construir uma narrativa que se comunique com a sociedade em geral ainda é um desafio para o BLF, mas algo que almejamos superar por meio da práxis, da luta.
É importante ressaltar, porém, que mesmo quando uma determinada população não desenvolve a consciência de que está sendo explorada, abusada ou racializada, isso não muda o fato de que está acontecendo. A força de trabalho brasileira, assim como outros migrantes de fora da Europa Ocidental, tem alta demanda, mas é mal paga. Estamos comumente mais expostos ao trabalho abusivo (MRCI, 2015) e às relações sociais devido à nossa vulnerabilidade devido aos altos preços do aluguel, barreiras culturais e de idioma, racismo e status de visto. Vivemos e trabalhamos em piores condições, ganhamos salários piores, estudamos nas piores escolas. Esta situação é muito conveniente para empresas que podem acumular mais realizando um trabalho competente a um custo mais baixo, bem como cobrando aluguéis mais altos ou prestando serviços ruins à comunidade migrante. Podemos ver que não existem barreiras, mas pontes para o capital, enquanto além de enfrentarem barreiras, as pessoas são rejeitadas aos subterrâneos. Nesse sentido, considerando a divisão internacional do trabalho, os processos de racialização, as questões femininas, sexuais, ambientais e animais, bem como a crise habitacional, tornou-se mais evidente que uma teoria, tática e estratégia mais complexas e totalizantes fariam mais sentido de entender. esses processos.
Desde o início, o BLF baseou-se em uma análise marxista e, como tal, não é a visão de todos que se envolvem com o BLF que é a visão predominante dentro do grupo. Entendemos que ter uma análise de classe é fundamental para abordar de forma coerente o racismo, sexismo, aptidões, LGBTQI e questões ambientais. O BLF está aberto a todos os brasileiros na Irlanda que desejam construir um mundo onde nossa identidade não seja limitada por nossa classe, raça, capacidade corporal, gênero, sexualidade e assim por diante. Seguindo Fanon (2008), o indivíduo deve assumir a universalidade inerente à condição humana.
Referências
Fanon F. (2008), Black Skin, White Masks, New York: Grove Press.
Fernandes, S. (2019). Sintomas mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira. Autonomia Literária.
Jasper J. M. (2011), “Emotions and social movements: Twenty years of theory and research,” Annual Review of Sociology, 37, 285-303
Júnior M M (2019), Outros junhos virão: protestos organizados em rede e as democracias radicalizadas. Kotter ed.
Migrants Rights Centre Ireland (2015), All Work and Low Pay. https://www.mrci.ie/app/uploads/2020/02/MRCI-All-Work-and-Low-Pay.pdf
Singer A, et.al (2016), Por que gritamos golpe?: para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo Editorial.
[1] Esse número é baseado em nossa experiência de trabalho com brasileiros na Irlanda, mas pode ser desafiado pela produção de dados científicos.