Memórias do Coletivo Amsterdam pela Democracia
Texto do Coletivo Amsterdam pela Democracia, para a FIBRA
27.01.2022
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
(Vinícius de Moraes e Baden Powell, Samba da benção)
Hoje não é um dia qualquer para o Coletivo Amsterdam pela Democracia.
Há quase 6 anos, os dias tornaram-se, de certa forma, diferentes para nós deste grupo, pois a luta nos trouxe ao encontro de pessoas com quem estamos escrevendo uma parte importante de nossas próprias trajetórias pela vida. Presente de curto prazo para o longo prazo que o ativismo oferece!
Neste dia, celebramos e relembramos com orgulho a realização do primeiro encontro da militância internacional sob nossa batuta! Naquele 27 de janeiro de 2017, demos início ao encontro presencial que contou com a presença de mais de uma centena de pessoas, vindas de mais de 20 países ou conectadas conosco via Skype. Aquele momento coroava nossa audácia militante porque até ali poucas de nós haviam estado no papel de organizadora de encontros daquela natureza. Aliás, o próprio encontro pautava ineditismo importante, não somente para a história dos movimentos políticos sociais brasileiros, mas para brasileiras e brasileiros progressistas espalhados pelo mundo.
Nossa tarefa, enquanto Coletivo, naquele janeiro, era receber pessoas as quais só conhecíamos virtualmente (embora algumas já pudéssemos, mesmo sem o contato físico, considerar como amigas), personalidades do mundo político e jurídico, além de ser pau pra toda obra pelos compromissos assumidos como organização local. Que loucura e que bom que topamos sediar aquele que consideramos o momento mais importante da FIBRA — que ali nem Fibra era, mas uma Rede de Brasileiros no Mundo contra o Golpe. Importante demais, porque caso, presencialmente, não se confirmasse a nossa química enquanto grupo, um equilíbrio entre empatia, compromisso e luta comum, o próprio encontro enterraria de vez essa rede. Felizmente, em meio a divergências e convergências, pela luta e pelo trabalho, a rede se tornou uma frente de luta no exterior, a FIBRA.
Na pauta do encontro, estavam objetivos e denúncias comuns: o golpe contra Dilma, a defesa do patrimônio brasileiro (em particular a Petrobrás) e o lawfare que ameaçava a liberdade de Lula.
No ano anterior, havíamos organizado inúmeros protestos nas ruas da Holanda, especialmente em Amsterdam e Haia, mas também em Utrecht havia militantes ativos. Rapidamente, posicionamo-nos como um coletivo atuante, dentre tantos outros coletivos brasileiros que surgiam pelo mundo denunciando a crise que se instalava no Brasil. Os contatos cada vez mais frequentes desse ativismo espontâneo pelas redes sociais e presencialmente foram apontando lideranças naturais na condução da articulação internacional, que até então era movimentada e fortalecida virtualmente.
Foi dessa forma, a partir da afinidade e parceria que estabelecemos, de forma natural e contínua, com outros coletivos, que o Coletivo Amsterdam foi aprovado como anfitrião desse primeiro encontro da rede. E assim, o projeto tomou corpo. Entre outubro de 2016 e janeiro de 2017, os coletivos de diversos países se mobilizaram em tarefas paralelas para contribuir conosco. Da Suécia, viria o apoio tecnológico, alguns importantes contatos com a mídia alternativa no Brasil (site O Cafezinho, de Miguel do Rosário) e algum suporte financeiro (doações da FUP, Federação Única dos Petroleiros).
Das tarefas confiadas ao grupo de Amsterdam, listamos as mais importantes:
- Local – sugerido e intermediado por Luíza Monteiro, conseguimos a sede do IIRE (International Institute for Research and Education), importante instituto que auxilia a formação intelectual de ativistas do mundo inteiro em favor das causas do (eco)socialismo. Os responsáveis pelo instituto não hesitaram em facilitar o acesso e abraçar a causa do evento de brasileiros progressistas;
- Divulgação e logística local – organizadas por Márcia Nunes e Ana Isa van Dijk. Num primeiro momento promovendo contatos diretos com a militância, convidados do Brasil e europarlamentares. Seguindo-se da produção da lista/crachás de identificação pessoal de cada participante, com foco na segurança, e ainda a recepção e apoio aos convidados palestrantes vindos de fora;
- Exposição fotográfica – ponto alto de abertura do evento, com coleção de fotos do ativismo dos coletivos pelo mundo (em 2016), cuja curadoria ficou ao encargo de Letícia Fernandes e Gabriela Braga;
- Alimentação – Vitória Vasconcelos e Sônia Batista imcumbiram-se da cantina e da preparação de lanches e refeições completas para todos os dias do encontro. Tarefa das mais importantes, conduzida com muito trabalho e zelo, tornando-se em valiosa contribuição para o sucesso do Evento;
- Hospedagens – cuidamos de reservas no hostel ao lado do IIRE, e de hospedagens solidárias sem as quais muitos participantes não teriam condições de atender ao encontro de forma presencial. Luiza Monteiro, Ana Isa van Dijk e Sônia Batista, receberam em suas casas muitas pessoas inscritas no evento. Exemplar a generosidade de Sônia, que chegou a acolher 11 pessoas em sua casa!
Dos convidados e palestrantes que vieram a Amsterdam, relembramos a lista de apoiadores das primeiras horas que, com suas presenças, ajudaram a reforçar o caráter do encontro. Recebemos o então deputado do PSOL Jean Wyllys; intelectuais do PT, como o professor Emir Sader e o jornalista Breno Altman; o professor chileno Francisco Dominguez (do Comitê Internacional de Apoio à Venezuela); Cristiano Zanin e Valeska Martins, advogados do presidente Lula; Sir Geoffrey Robertson, advogado defensor de Lula na ONU, que expôs os problemas e esclareceu muitas de nossas dúvidas sobre o processo; Márcia Tiburi, através de videoconferência.
Das pessoas que não puderam vir à Holanda atender ao encontro, guardamos com muito respeito e carinho a carta lida por Emir Sader endereçada à militância reunida, remetida com igual carinho e zelo pela presidenta Dilma Rousseff. Suas palavras ratificaram a importância de nossa atuação como “um extraordinário canal de denúncia do golpe e um elemento essencial para o consenso internacional sobre o fato de que o Brasil possui um governo ilegítimo.”
“Queridas brasileiras e queridos brasileiros participantes do 1o ENCONTRO INTERNACIONAL PELA DEMOCRACIA E CONTRA O GOLPE.
Devido a compromissos assumidos anteriormente, estou impossibilitada de estar com vocês. Agradeço o generoso convite que me fizeram e queria assumir o compromisso de estar presente em um próximo evento que vocês organizarem.
Quero agardecer-lhes, em nome de todos os brasileiros que lutamos no País contra o golpe que nos privou da democracia, pela importante atuação que vocês vem desenvolvendo. Sem dúvida esse tem sido um extraordinário canal de denúncia do golpe e um elemento essencial para o consenso internacional sobre o fato de que o Brasil possui um governo ilegítimo. Em síntese, vocês têm denunciado o golpe contra a democracia, contra os direitos de nosso povo e contra a nossa soberania.
Estou certa der que esse Encontro enriquecerá ainda mais a luta de vocês. Estejam certos de que essa é a nossa luta, estamos juntos!!!!
Muito obrigada a todos vocês, A DEMOCRACIA É O LADO CERTO DA HISTÓRIA.”
(assina) Dilma Rousseff
Como todo processo político, nosso primeiro encontro não se deu sem desafios. Já no primeiro dia, tivemos grandes debates. Constatamos, tarde demais, que os nomes que trouxemos, apesar de nos oferecerem enorme bagagem, eram majoritariamente de homens brancos. A discussão quase comprometeu os compromissos assumidos com os convidados, mas serviu para pautar, dali em diante, as bases do caminho a seguir juntos: os diálogos, as lutas internas, as alianças e conquistas da militância internacional. O fato é que a diversidade é o que melhor nos representa diante das lutas que travamos.
Tirando nosso desconforto inicial como organizadores, o encontro foi um sucesso e sempre haverá de ser lembrado como o encontro onde concretamente nos fizemos presentes, apertamos as mãos, bebemos juntos, reconhecemos as vozes e as falas reais do que nos mostrava o mundo virtual.
Não há como lembrar daqueles dias sem a perplexidade da notícia do então recente AVC de dona Marisa. Diante do embrutecimento das notícias que chegavam do Brasil e a tristeza profunda das imagens de Lula, para todos nós ali, ficava ainda mais evidente que a luta estava só começando e quão oportuno era o encontro que tínhamos nas mãos.
Se o Samba da Bênção nos lembra da arte dos encontros, receber os companheiros e companheiras da luta internacional para debater política e o nosso papel enquanto militância internacional nos permitiu enxergar com maior objetividade o que nos move para além do desencanto e dos desencontros. O Coletivo Amsterdam é hoje, como já era há 5 anos, uma resistência majoritariamente de mulheres de várias origens e bagagens, que caminham de mãos dadas a fazer história, criando memórias, lutando e cuidando, fortalecendo o que nos identifica e aprendendo com as nossas diferenças.