Balonismo em Cavu*

Ana Isa van Dijk, para o site da FIBRA

25.01.2022

(*)“Ceiling and visibility unlimited,

an aviation meteorology term.”
(Wikkipedia)

As redes sociais trouxeram esta manhã a notícia da morte de Olavo de Carvalho. Entre incredulidade e êxtase, as redes sociais acordaram nesta manhã de 25 de janeiro em rebuliço. O dia só está começando, este texto será só um entre os muitos que vão revestir de todos os tons de leituras, a relevante notícia do dia.

Pelos grupos do zap do ativismo e amigos da política, as mensagens vão chegando…. As primeiras mais simples, trazem aquele caráter de avaliação dos ares e do ambiente no melhor estilo “só pra avisar”. Aos poucos, e vencidas as dúvidas dos valse prikkels (em holandês: falsos estímulos), observo cada vez mais o crescente entusiasmo que a notícia vai adulando. Alívio define, em grande parte neste caso, a resposta humana mais rápida de quem está nos últimos muitos anos, 24/7 lutando para no mínimo conter, tudo o que Olavo de Carvalho ajudou a destruir no Brasil recente, com influência direta e nefasta sobre o que hoje identificamos como bolsonarismo.

O fascismo na política é velho conhecido da história. E no Brasil do golpe, aquele de 2016, chegou chegando assanhado, trazido sem “papas na língua” pelas letras, áudios e vídeos horrorosos, deste senhor que tanta gente vazia adotou como “filósofo”, na tentativa de revestir com alguma importância sua própria indigência intelectual e fétido caráter. Olavistas e bolsonaristas delinearam-se mutuamente nos últimos anos, em corações e mentes engajados pelo nada, pelo chulo, pela morte, pelo reverso do melhor da vida, pelo que de pior representam e contra as quais são travadas as lutas cada vez mais necessárias, as quais nós, da resistência à esquerda, nos dedicamos incansavelmente, com o desejo de pelo menos denunciar as violências, as injustiças e neutralizar as perdas sofridas por uma parcela importante da sociedade brasileira, alvos do ódio destilado pelos mitos, gurus e pupilos do fim do mundo.

Volto aos chats amigos e observo as reações diversas e legítimas, que o alívio do fim de um canalha consegue estimular. Isso me perturba mais que consola….

Eu não celebro a morte de ninguém, e repetirei hoje o dia todo “- OC não terá de mim meu lado B!” Compreendo e reconheço como possíveis, legítimas até, todas as razões e emoções que revestem a “animação”, mas não me convenço. Este fato lembrou-me imediatamente de como o povo inglês foi em massa às ruas, naquele 8 de abril de 2013 celebrar a morte de Thatcher, carrasca implacável da dignidade do trabalhador, dos imigrantes e desvalidos na Inglaterra nos anos 80 e 90. Mulher cuja insensibilidade às dificuldades humanas lhe conferiu a triste honra “de festa nas ruas”, por não mais existir. Sim, é triste. Isso não é horrendo? Assustador? Claro que sim, mas incontestável reação ao legado de destruição deixado por ela por onde reinou!

No fundo a morte de OC, por doença, lhe redime do acerto de contas necessário, e o livra antes do tempo. O tempo de Justiça que tanto sonhei e sonho para os maus, os canalhas, os genocidas, os que matam e ajudam a matar, e como diria Brizola para os coveiros de sonhos, que enterram o futuro de gerações inteiras em suas sanhas de poder pessoal! Quando morrem pessoas que deixaram um rastro de morte, destituição das humanidades, banalização de violências e destruição de esperanças coletivas, não fico feliz, não consigo ter por elas sequer o meu pior: o desprezo que os concedi enquanto vivos. Eu estou convencida de que celebrar a morte como vitória pelo que não conseguimos vencer nas batalhas, é dar ao Mal o triunfo, por exercitar em nós, os mesmos sentimentos que tanto combatemos. O que nos guia é o amor, na construção de um caminho fraterno, animado por nossa natureza social, amor que ao final e ao cabo justifica a existência humana. Não se trata de romantizar a morte de fascistas, longe de mim este papel!, mas de preservar em mim o que jamais lhes entregarei como tributo de derrotada – o meu melhor, o meu mais digno, o meu lado mais humano e de gratidão pela vida.

Margaret Thatcher, Olavo de Carvalho, Brilhante Ustra, Pinochet etc…, a lista é pesada, lúgubre e longa. Reconheço que a Morte, como entidade, ressalta ainda mais o que lhe resta do legado que o apequenou a existência.

Não! Não terão de mim o que disseminaram enquanto vivos – o ódio eu refuto! Meu consolo, é que no final, o olhar da História acabará sendo animador: eles estiveram e estarão mortos, pelo que pregaram, por tudo que viveram.

Viva a vida! Seguimos! ❤️🎉


O título deste texto é uma simbologia à utopia que anima meu caminho no ativismo. O balonismo me remete à audácia singela de vencer o chão impositivo; o termo cavu (jargão dos que trabalham na aviação e levantamentos cartográficos), significa céu impecavelmente azul e sem nuvens, perfeito para o vôo! Um em busca do outro é a imagem que gosto de ter de nós que resistimos em nossos balões de luta, desafiando incertezas, rumo ao cavu de uma sociedade plena, e livre das forças que suprimem nossos sonhos de viver a salvo de toda e qualquer forma de discriminação, exclusão e injustiça.

4 thoughts on “Balonismo em Cavu*

  1. Ana Isa, maninha* do meu coração,
    Trouxeste CAVU ao dia que seria cinza e balonismo ao meu coração que estava entristecido por ver a lei da fraternidade ser esquecida.
    Grata por expressar o melhor da nossa humanidade.
    Abraços saudosos.
    * Os paraenses vão entender.

    1. Oi manazinha, que bom que gostou da reflexão, que bom! Teu comentário já fez o texto ter valido à pena! E como paraense, me sinto ainda mais feliz por saber que minhas letras me levam de volta ao lugar de onde nunca saí! Beijos e continue nos acompanhando aqui no site! Tem muita resistência e gente valente lutando pra mudar esse mundão! AI

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