Nazismo é nazismo, em qualquer canto.
Por Flávio Carvalho, para o site da FIBRA.
@1flaviocarvalho. @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor.
Barcelona, 9 de fevereiro de 2022.
“A morte não causa mais espanto.
Miséria é miséria, em qualquer canto” (Titãs)
À querida companheira Christianne Rothvoss.
Não tenho procuração para sair falando da amiga, deputada brasileira na Espanha, Maria Dantas, publicamente. Porém, me dói na alma, quando na luta diária, incessante, cansativa, de não perder oportunidade de expressar que o neofascismo de Vox, partido espanhol, não deveria nem haver passado pela porta de qualquer espaço democrático, a acusam injustamente do contrário: de fazer publicidade gratuita pra VOX. Dói mais ainda quando essa crítica absurda, venha de uma ala à esquerda, no mínimo mal informada, que não lê, que não aprofunda debate político, filosófico, ideológico etc…
Está acontecendo o mesmo, no Brasil. A meu ver, com os argumentos equivocadíssimos de um partido antifascista como o Partido da Causa Operária (PCO), sobre a “legalização” ou não de um partido nazista no Brasil. Parece um debate de estratégia, mas é – para mim – uma “questão de fundo”, estrutural.
E não é, aliás, que a história da luta de classes está recheada de debates do que seria estratégico e do que seria uma questão de fundo? O debate mais velho em filosofia política se resume em poucos, a meu ver: pedir paciência pra quem, cara-pálida? Os fins justificam os meios? Reforma ou Revolução? De onde você fala, seria seu o lugar de fala? Ser tolerante com os intolerantes? É o extremismo que gera os extremismos? Defender-me de quem quer me matar pode ser considerado vitimismo até quando? Quando eu já estiver morto? Uma boa pergunta não vale mais do que muitas respostas?
Não é um debate novo: liberdade de expressão e censura. “O seu direito acaba onde o meu começa”. Lembram? Somos mesmo um país de memória curta?
Aconteceu com a Márcia Tiburi (e com o Pedro Cardoso), que nem precisava redimir-se, anos depois, do dia que abandonou – acertadamente – uma mesa de “debate” com um representante fascista do MBL.
Acontece a cada dia, mesmo dentro da esquerda antifascista, quando as diversas interpretações possíveis sobre o brilhante e complexo conceito de Lugar de Fala, sugere a um branco que escute mais do que fale (entenda-se, sua própria branquitude e privilégio, por mais que ele não admita que existe). Ao qual logo se defende, com veemência, bradando o seu direito de liberdade de expressão (e… censura!).
Não é “viajada na maionese”. A meu ver, estamos falando do mesmo, embora com diferentes contextos e implícitos interesses. Eis eu mesmo, aqui, opinando o que eu sinto. Monark pode o mesmo? Rui Pimenta pode comparar, aproximar, relacionar, mesmo que guardando as devidas distâncias, a ilegalização de um partido nazista e a de um partido comunista? Do que estamos falando, afinal?
Quanto tempo mais faltará para assumir que uma rádio (a mais escutada no país! pelos jovens, principalmente) pode ser a via de saída de armário do neonazismo brasileiro? Duraremos o mesmo tempo em que muitos vacilaram nos acusando de estarmos precipitados denominando de fascista o governo Bolsonazi (já mais nazi que fasci?)? Quem está passando pano pra quem? Cancelamento não deveria ser tema somente de youtuber ou de influencer: é pura filosofia política. Pelo menos pra mim.
Existe alguma possibilidade de “passar pano” para o Talibã, “somente” porque “o inimigo é o imperialismo estadounidense”? Defender Putin, pelo mesmo motivo reducionista? Vale tudo, camarada?
O companheiro Jean Goldenbaum teve que lançar – acertadamente – nota pública, como participante dos Judeus de Esquerda, devido ao fato de que a Rádio Jovem Pan, convidou representante da comunidade judia no Brasil para “contrabalançar” o fato do incidente de defesa da legalização de um partido nazista brasileiro.
Que tal resumir, pra melhor nos entendermos? Defender legalização de partido nazista (ou o que é o mesmo, para mim, defender a sua não ilegalização), no mesmo momento em que é evidência o surgimento do neonazismo nas ruas de um país governado por um fascista, como o presidente atual, não é somente irresponsável politicamente. É perigoso, criminalmente falando.
Eu não passo pano. Só branco hetero cis privilegiado hoje é capaz de defender que nazista possa sair na rua a defender Hitler de dia – e de noite assassinar trans negra periférica (então mais legitimizado do que hoje acontece no Brasil).
É preciso entender a resistência cotidiana daquela companheira negra trans periférica que vive numa insegurança permanente no Brasil de hoje. Uma insegurança que pode ser piorada. Insegurança que quer ser legitimada por um nazista que quer poder sair de manhã, “livremente no seu direito de expressar-se” (em defesa de um genocida). Sair nas ruas de qualquer cidade do Brasil com um cartaz homenageando Hitler. Para, de noite, juntar-se com outros nazistas, dispostos a assassinar tudo o que não for ariano.
Eu moro na Espanha. País (in)explicavelmente governado por um partido que se diz socialista e com maioria parlamentar suficiente pra ilegalizar, se quiser (mas não quis, até agora), uma fundação que até hoje recebe recursos públicos para defender o legado do ditador: a Fundação Francisco Franco.
Será por isso que a Espanha foi o último país europeu que – quando todo mundo já estranhava e em todos os países europeus já havia acontecido – passou a ter um partido de extrema direita? Vox estava escondido dentro do Partido Popular. Semeou ódio, até sair da barriga do PP. Não é de extrema-direita. É fascista enrustido, a meu ver. Mas não é papel da esquerda antifascista defender visibilidade de nazista enrustido. O papel é lutar até mesmo contra o ovo da serpente. Ao nazismo, nem água!
Já foi motivo de debate no Parlamento Europeu. A Alemanha – às vezes sabe mais onde o sapato aperta quem o calça ou já o calçou – proíbe por lei, qualquer partido, apologia, manifestação nazista. Porque na Espanha é diferente? Isso diz muito da “saúde democrática” de qualquer país.
Escrevendo esse texto, assisto um jovem da Jovem Pan aproveitar uma aparição na TV brasileira pra fazer uma “disfarçada” (ele sabe o que poderia significar criminalmente) saudação nazista, após defender ABERTAMENTE a legalização de um suposto partido nazista brasileiro. E logo após, dar um sorrisinho.
Em Pernambuco, após a criação do Comitê Fora Collor – não acredito em coincidências – fundamos, no final dos anos 90, com a experiência de uma companheira alemã, lutadora antinazista, um comitê antinazista. Disseram, acusando-nos, que estávamos loucos.
Infelizmente, pelo visto … não!
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.