Mamãe Falei e a estética da guerra

Por Ermeson Vieira

Que a guerra seja uma máquina de moer gente (homens, mulheres, crianças e idosos) ninguém duvida, mas o complicado é entender como ela é capaz de destruir nossa empatia pelo Outro. É mais, há pessoas que são capazes de rir e se divertir com a guerra. 

De todas as mais cínicas formas de indiferença ao sofrimento alheio está a de alguns políticos, especialmente os da chamada nova direita brasileira. O movimento MBL que apoiou a destituição da Presidenta Dilma Rousseff num dos maiores atos misóginos e políticos da história do país e que recentemente saiu através de um dos seus líderes, nomeadamente, Kim Kataguiri, quem tentou naturalizar a existência de um partido nazista no Brasil, mostrou mais uma vez o seu desprezo às mulheres esta semana. 

Arthur do Val, o Mamãe Falei, falou, ou melhor, disse um dos maiores desrespeitos à dignidade e às dores de todo um povo que está sofrendo os horrores da guerra da Ucrânia. Mais uma vez o corpo da mulher foi vilipendiado, atacado simbolicamente, objetivado e desvalorizado. Para esse sujeito o corpo da mulher pobre deve ser somente uma presa fácil, uma matéria a ser usada. Para ele as mulheres, sobretudo as pobres as que vivem a atrocidade da guerra não devem ter alma, espírito, nem sequer mente. São carne fresca e barata a ser consumida.

Quando a dignidade de um ser humano é atacada se ataca a toda humanidade. A guerra cheira a testosterona. É patriarcal.

Walter Benjamim, um homem judeu, um pensador alemão que morreu a causa da guerra, não por bomba ou tiro, mas porque não viu saída a não ser se matar fugindo dos nazistas, foi muito preciso ao denunciar que os aparatos de reprodução midiáticos têm a capacidade de entreter as massas a um ponto desta assistir a sua própria destruição passivamente.

Para Benjamim 

“a guerra é bela, porque graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e aos tanques, funda a supremacia do homem sobre a máquina subjugada. A guerra é bela, porque inaugura a metalização onírica do corpo humano. A guerra é bela, porque enriquece um prado florido com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela, porque conjuga numa sinfonia os tiros de fuzil, os canhoneiros, as pausas entre duas batalhas, os perfumes e os odores de decomposição.

A guerra é bela, porque cria novas arquitecturas, como a dos grandes tanques, dos esquadrões aéreos em formação geométrica, das espirais de fumo pairando sobre as aldeias incendiadas, e muitas outras (…) 

Isso não significa uma condescendência com a guerra, mas uma chamada de atenção para a potencialidade da estética da guerra de nos sequestrar em seu lindos braços como sonhou Mamãe falei ao desejar possuir as lindas loiras pobres e despojadas mulheres da guerra da Ucrânia. Seguramente para ele tudo na guerra é belo ou melhor, bela. 

No nosso tempo essa tendência tem se acentuado a tal ponto que a guerra parece ter se transformado em um grande vídeo game (jogo) que se transmite pelos ecrãs dos celulares e dos computadores, nas redes sociais, seguramente no TikTok, criando torcidas pró-OTAN/USA/EU ou pró-Putin. A capacidade de sofrer com o Outro se transformou em questão de identidade e afinidade política, ou melhor, a capacidade de sofrer com o Outro desapareceu e em seu lugar dar-se somente o lugar da disputa, da torcida por um lado ou outro. A capacidade crítica se reduz à pressão de grupo. Se alguém é contra a invasão é porque é pró-OTAN, se é contra a OTAN é porque é a favor de Putin. Enfim, a guerra se transformou em espetáculo, em partido de futebol. 

A guerra é fascista porque estetiza a disputa mas não modifica a questão da propriedade privada dos meios de produção. Para Benjamin:

“Todos os esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a guerra. A guerra e somente a guerra permite dar um objectivo aos grandes movimentos de massa, preservando as relações de produção existentes. Eis como o fenómeno pode ser formulado do ponto de vista político. Do ponto de vista técnico, a sua formulação é a seguinte: somente a guerra permite mobilizar na sua totalidade os meios técnicos do presente, preservando as actuais relações de produção. É óbvio que a apoteose fascista da guerra não recorre a esse argumento.”

O fascismo não está somente na relação de poder mas pode ser reproduzido e propagado por cada um e uma de nós quando esquecemos e obviamos a humanidade do Outro. A guerra é a desumanização. 

No Brasil convivemos com a desumanização e com a guerra a cada momento que ligamos nossa televisão ou saímos pelas ruas; às vezes nem saímos de casa para sofrermos com a desumanização. Ela chega através das balas perdidas da polícia ou do tráfico de drogas. Intenta-se resolver os problemas com mais violência, mortes, prisão ou humilhação pública, como é o caso dos programas sensacionalistas que desumanizam a cada dia, três vezes ao dia. Um país não pode viver os valores humanistas quando existe uma propaganda constante contra a dignidade humana. Bolsonaro, Moro e MBL são frutos de uma sociedade doente, podre. 

É preciso ressuscitar os valores democráticos, humanistas, progressistas, laicos, urbanistas e cosmopolitas. O Brasil merece uma oportunidade. Que nós os democratas saibamos cultivar esses valores e barrar o avanço do retrocesso e trazer de volta a democracia para o Brasil. 

Não a guerra, sim à humanidade. 


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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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