Por um primeiro voto memorável

Por Selma Vital, para o site da Fibra.

Carolina do Norte (EUA), 25 de fevereiro de 2022.

Quem costuma vir de onde eu sou
Às vezes não tem motivos pra seguir
Então levanta e anda, vai, levanta e anda
Vai, levanta e anda
(Emicida)

O culto à primeira vez não é privilégio do Brasil, afinal várias sociedades têm uma certa obsessão com a ideia da estreia. Isso não é bom nem mau, mas pode causar uma certa ansiedade se a gente não se preparar. E se preparar para uma primeira experiência não tira seu encanto, sabia?

Imagine um bombeiro apagando seu primeiro incêndio sem ter preparação adequada. E isso vale mesmo para coisas mais singelas como o primeiro beijo ou a primeira noite de amor. Mas na coluna de hoje quero falar do primeiro voto, pois para isso é obrigatório que se habilite meses antes das eleições e, cá pra nós, o primeiro voto pode também ser bem emocionante. Sem contar com implicações muito mais sérias que um beijo…

Obviamente o tema está no ar depois que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou que até o fim de janeiro apenas 10% dos jovens entre 16 e 18 anos, que portanto podem votar opcionalmente, tiraram título de eleitor. Para ter uma ideia , isso é menos de um quarto dos cadastrados há 30 anos, quando o voto facultativo aos 16 foi implantado; uma vitória, aliás, que veio pelos próprios jovens, os quais reivindicaram esse direito num movimento conhecido como “Se liga 16” .

Apesar dos números decepcionantes, felizmente eles não passaram despercebidos. Teve até apoio da Anitta, que aproveitou o brilho dos holofotes para chamar seus fãs a se tornarem eleitores o quanto antes.

E a onda não se limitou aos famosos. O último fim de semana contou com ações de vários coletivos da Fibra, e de cidadãos e cidadãs dentro e fora do Brasil. Foram conversas e pequenas manifestações nas ruas, lives no Youtube, reuniões pelo Zoom, tudo isso visando despertar não somente a atenção desses jovens mas a de seus pais, irmãos, amigos e, mais importante, ensinando o passo-a-passo para se garantir o voto, mesmo de eleitores veteranos que estão em situação eleitoral irregular.

Sempre tive dificuldade de entender quem vota branco ou nulo e, especialmente quem não vota como uma forma de protesto contra a obrigatoriedade do voto. Num sistema que se denomina democrático, idealmente deveríamos eleger um parlamento no qual confiamos para que este represente nossa agenda política. Nesse sentido, nosso silêncio pode até ter valor simbólico mas efetivamente muda pouco e pode na verdade contribuir, como vimos nas fatídicas eleições de 2018, para que o pior aconteça.

Como nasci e cresci em plenos anos de ditadura militar, votei para presidente pela primeira vez só aos 25 anos! E vou te contar, não via a hora de poder votar. Votei, claro, para Luís Inácio Lula da Silva e mais do que isso fui a comícios, cantei o “Lula lá” a plenos pulmões: “pra você meu primeiro voto, pra fazer brilhar nossa estrela”.

O período de redemocratização, pra mim, foi cercado de um senso de responsabilidade enorme e de muita decepção também. Votamos, por exemplo, nos deputados que por sua vez votariam a nossa nova Constituição, promulgada em 1988. Até hoje, quando vejo a lista desses deputados, é surpreendente que a Carta Magna tenha trazido tantos avanços. O descuido com que os brasileiros escolhem seus representantes no congresso, nas assembleias estaduais e até nas câmaras municipais é de assustar e permite que a cada quatro anos figuras nefastas tenham livre acesso para votar temas que afetam a vida de todos nós.

Não quero dizer com isso que todas as pessoas que estão ocupando essas cadeiras parlamentares são nefastas. Muito ao contrário, quero lembrar que muitos dos que estão lá são pessoas que lutam e algumas que sempre lutaram em defesa dos direitos de seus eleitores. E precisamos de mais pessoas como essas. Se votando, a balança parece não se equilibrar, imagine deixando de votar!

Então,  mais do que levar todo mundo para votar nas eleições de outubro, temos de também destruir a falsa ideia de que todo político é ruim. É votando nos bons e impedindo que os maus se elejam ou reelejam que se melhora a política. Nosso papel é lutar contra essa despolitização burra que só beneficia os políticos desonestos e sem escrúpulos. A única forma de transformarmos a política é purgando os espaços de poder e decisão dos desmatadores do agronegócio, dos pastores milicianos, de normalizadores da violência na cidade e no campo.

O poder econômico, os conchavos político-militares, a “grande mídia”, bem orquestrada com “inocentes” grupinhos de ódio do WhatsApp e das redes sociais podem ameaçar nossos sonhos como pés de Godzila? Podem. Então, levanta, anda, vota! As regras do jogo não mudam se deixarmos de jogar e o prazo para regularizar a situação eleitoral e emitir o primeiro título termina no dia 4 de maio.


Selma Vital é jornalista e professora. Fez parte do Coletivo Aurora, de Aarhus (Dinamarca) e agora é membra independente da Fibra, morando na Carolina do Norte, EUA.

Acompanhe as letras de Selma:

Instagram: @selmadaclaraboia

Site (@svital): Claraboia

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