Post Datum: Pós-verdade e fake news no caso judicial de Lula

Por Ermeson Vieira Gondim

Em fevereiro de 2015 escrevi um texto entitulado ‘Debates sobre pós-verdade e fake news no caso judicial do ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva’ como parte de meus estudos de mestrado em Comunicação e Educação na Internet, na Universidade Nacional de Educação à Distância da Espanha. 

O objetivo desse texto era teorizar sobre o fenômeno da pós-verdade e das notícias falsas no contexto do Brasil atual tomando o caso da companha midiática contra o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva à época.

Nesse momento começávamos a conhecer as primeiras informações reveladas a partir do vazamento das conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato que tinham como objetivo condenar sem provas Lula da Silva e demonizar o Partido dos Trabalhadores. 

Naquele momento não me foi possível apresentar a maioria das conclusões sobre o tema, o que seria normal se eu conhecesse mais informações sobre os vazamentos e sobre o desenvolvimento político que aconteceu depois da eleição de Jair Bolsonaro e da nomeação do ex-juiz como ministro no seu governo. Os eventos posteriores à eleição de 2018 revelam claramente a prevaricação do ex-juiz com a finalidade de lograr um posto de Ministro, e se tudo saísse bem, de Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, cargo vitalício e altamente desejado por razões econômicas e de poder.

A Justiça brasileira, através do STF finalmente reconheceu o direito fundamental dos cidadãos à liberdade até que seja julgado o último recurso contra um réu, o que ajudou a libertar Lula da prisão. Ainda assim também reconheceu que Moro foi parcial no julgamento do ex-presidente Lula e consequentemente todos os casos em que ele foi acusado sem provas foram anulados. 

Deltran Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato foi condenado a pagar uma indenização a Lula e mais recentemente Sérgio Moro e o Estado Brasileiro foram considerados pela ONU parciais no julgamento de Lula. Esperamos agora que tanto Moro (e outros juízes) como Dallagnol e o Estado Brasileiro sejam obrigados a pagar pelo dano irreparável ao ex-presidente e ex-candidato Lula da Silva que teve sua reputação manchada, seus direitos eleitorais negados e posto injustamente na prisão, expondo-o ao escárnio publico dentro de uma conspiração político mediática. 

Reproduzo aqui o texto mencionado anteriormente traduzido ao português porque acho que no momento em que vivemos, às vésperas de uma eleição que provavelmente a grande arma do nosso oponente seja a desinformação e a mentira, falar desses mecanismos de enganação é de extrema importância para criar consciência e tentar barrar esse tipo de mentiras a partir do conhecimento. 

É preciso entender a desinformação e denunciar também o pânico moral que são as verdadeiras armas da comunicação da ultra direita mundial.

Até a vitória!

Debates sobre pós-verdade e fake news no caso judicial do ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva

Escrito em 03.02.2015

Por Ermeson Vieira Gondim

  1. Marco teórico

Introdução

A era da Internet certamente representa um novo paradigma para a história da Comunicação. Na Internet, a informação viaja de uma forma muito diferente de todas as épocas anteriores. Sua produção, distribuição, consumo, “descarte” e reaproveitamento ocorrem em velocidade vertiginosa. As representações são diferentes e até certos significados e valores mudaram. As imagens já não pressupõem simplesmente uma memória do passado, mas a prova da necessidade da existência de um eterno presente que revela o medo de um desaparecimento do real no digital. A opinião de qualquer pessoa é tão importante quanto a opinião de um estudioso sobre um assunto. Em muitos casos, as informações não aparecem mais em títulos temáticos, mas se misturam nas redes sociais, subtraindo a capacidade de análise crítica por pura distração e/ou confusão. Só isso já seriam bons motivos para entender parte do contexto das pós-verdades, mas para entendê-las precisamos ir além, criticar as explicações possíveis.

A história da verdade e da mentira tem uma longa vida. Vilém Flusser em A Philosophy of Photography apresenta dois aspectos que me parecem relevantes na discussão da verdade na mídia, ainda que não se refira exatamente à “mídia”. Por um lado, que “a escrita linear foi inventada por comerciantes” (Flusser, 2001, p.109) e por outro, que “foi inventada… com a intenção de contar. E contar significa arrancar as coisas de seu contexto para alinhá-las. Essa conta é a essência do pensamento crítico” (Flusser, 2001, p.132). Ou seja, por um lado, a escrita foi criada em um contexto de poder (econômico) e, por outro, a própria criação desse novo meio inaugurou a crítica, o racionalismo e, portanto, a ciência. E com a ciência a “verdade” moderna, a forma eurocêntrica de definir o mundo. Desta forma, a contagem da “verdade” equivale a uma valorização de um grupo no poder. O problema epistemológico está na relação do poder com “a verdade” que ele produz.

A era moderna, a era das massas, do populacho, por sua vez, inaugurou o processo de mídia de massa. Mas a era moderna é também a era da burguesia, que é aquela que detém não só os meios de produção de bens, mas também os meios de comunicação. Não foi em vão que Karl Marx e Friedrich Engels (1974) em A ideologia Alemã afirmaram que:

“A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe ao mesmo tempo dos meios de produção espiritual, o que significa que, ao mesmo tempo, em média, as idéias daqueles a quem carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente. As ideias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes concebidas como ideias” (p.50-51).

A origem do jornalismo foi claramente marcada por esse caráter de classe. Desde a Lei Diurna na Roma antiga até os diários europeus, todos representavam os interesses das classes políticas ou das classes econômicas, ou ambas juntas. A história das lutas operárias, no entanto, não se contentou com a posição de que a burguesia não deveria ser para sempre nem detentora dos meios de produção, nem detentora da mídia, nem detentora das ideias dominantes. O conflito de classes também deu origem a uma luta pelo controle da narrativa histórica. Os trabalhadores e os partidos fundaram seus próprios meios de comunicação para combater a hegemonia burguesa. Além disso, a luta pela liberdade de imprensa tem interessado as classes trabalhadoras, mas também os setores liberais como um dos instrumentos para garantir o funcionamento saudável da democracia representativa, pois sem o direito de comunicação não havia/não há possibilidade de mudança de regimes. .

Pierre Albert (2003) em A História da Imprensa (Histoire de la presse) afirma que:

“O progresso da imprensa foi consideravelmente retardado pela severidade do controle político, mas não menos importante. Em primeiro lugar, em termos de conteúdo: enquanto as pequenas gazetas do início do século XVII publicavam apenas notícias secas, em meados do século publicavam artigos comentados e alargavam o campo da informação a todo o tipo de notícias. aspectos da vida social e cultural. Mais tarde, e apesar do sistema de privilégios, as publicações multiplicaram-se, especializando-se primeiro e depois competindo entre si. Finalmente, a imprensa adquiriu, apesar dos censores, um poder político, variável segundo os Estados; na vanguarda das ideias liberais, eles liderariam a luta por sua própria liberdade. (pág. 13)

E embora a burguesia não considerasse inicialmente a imprensa como um meio ideal para refletir a realidade atual, ela progressivamente ganhou importância devido “à aceleração do mundo e particularmente” aos “períodos revolucionários” que devido a “uma realidade precipitada e a intensa curiosidade” … “deram origem a um público cada vez maior” que deu “finalmente, à imprensa a possibilidade de conquistar, tanto na vida social como no jogo das forças políticas, o seu lugar na primeira fila” (Albert , 2003, p. 14).

A liberdade de imprensa em nosso tempo é fruto de um longo processo dialético entre forças contra e por sua existência, mas também dos avanços técnicos que contribuíram para sua expansão e democratização. Walter Benjamin (2013) atesta essa expansão de novas técnicas e mídias em sua obra A obra de 

Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, mas como parece ser a regra, o surgimento de novas tecnologias, ainda que resolva alguns problemas, dá enfrentar novos desafios e novos problemas.

Benjamin (2003) chama a atenção para a “estetização da política”. Um fenômeno que ele relaciona com a emergência das massas e o desejo fascista de controlá-las através da expressão de cidadãos sem crítica e sem lutar por seus direitos (p. 96).

“O fascismo tenta organizar as massas proletárias que foram recentemente geradas, mas sem tocar nas relações de propriedade para cuja eliminação elas tendem. Eles têm como objetivo fazer com que as massas alcancem sua expressão (mas de forma alguma, é claro, seu direito)” (Benjamin, 2003, p.96).

Mas se por um lado o fascismo encorajou essa expressão acrítica, a arte por arte das/para as classes proletárias, por outro ele criticou fortemente a imprensa crítica como foi o caso do regime nazista que usou o termo Lügenpresse (imprensa mentirosa) como arma de propaganda contra judeus, comunistas e imprensa estrangeira contrária aos seus interesses.

Em nosso tempo, a Web 2.0 deu a cada um de nós a possibilidade de se tornar um jornalista em potencial. Nos relacionamos em redes de troca de informações que, como já foi dito, são produzidas, distribuídas, consumidas, descartadas e reutilizadas em uma velocidade vertiginosa. Praticamente todo esse processo é feito digitalmente, mas isso também dificulta a verificação da autoria e autenticidade dos objetos digitais. A Internet é um mundo paradoxal, um mundo de contradições onde podemos acessar uma enorme quantidade de informações mas, ao mesmo tempo, muitas dessas informações podem estar comprometidas com falsidades. E mesmo quando a verdade é dita, essa verdade pode ser refutada como falsa ou mentirosa como foi feito na era nazista. Assim, o desafio na chamada “sociedade do conhecimento” ou “sociedade da informação” não é o acesso ao conhecimento ou à informação, mas saber distinguir a boa da informação falsa.

Este ensaio tem como objetivo discutir a questão da pós-verdade, fake news, bolhas ideológicas e questionar uma possível relação entre esses fenômenos e o caso da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Fake news e pós-verdade

As fake news são comumente relacionadas às chamadas mídias digitais alternativas devido à proliferação de todo tipo de notícias em inúmeros sites da Internet. As referidas notícias são veiculadas nas redes sociais juntamente com outras produzidas pela grande mídia. Essa mistura gera um caldeirão que torna muito difícil para o usuário distinguir quais notícias são verdadeiras e quais são falsas.

Em relação à forma e conteúdo, Leonardo Murolo (2019) apresenta três tipos de links que estão vinculados nas redes sociais que representam essas fake news:

  1. Títulos falsos que posteriormente são negados ou atenuados no corpo da mesma nota. Esses links podem vir de mídias reconhecidas e tradicionais que geralmente apelam para o uso da condicional em suas declarações.
  2. Títulos falsos com notas falsas. Em geral, são sites dedicados a fake news que são desenvolvidos dentro dos cânones dos gêneros jornalísticos, mas com informações errôneas.
  3. Títulos falsos com notas inexistentes. São sites dedicados a notícias falsas apenas em manchetes e com páginas vazias. Estes apelam aos usuários para rolar e não abrir os links.

Notícias e informações geralmente são produzidas por pessoas e possuem qualidades e estilos diferentes; mas também devemos indagar sobre as intenções e propósitos por trás da produção e publicação de informações e notícias. Seria uma mentira que foi escrita por alguém que acreditava que era verdade? É verdade o que foi escrito com a intenção de enganar mas no final condiz com a realidade? e as pessoas bem intencionadas que pensam “fazer o bem”? São perguntas que nos ajudam a entender a complexidade da discussão sobre fake news e pós-verdade.

Cass R. Sunstein (2008) destaca dois fatores para a disseminação de notícias falsas ou hoaxes: 1. Os propagadores 2. O pano de fundo. A primeira refere-se aos sujeitos que produzem ou propagam as histórias. Os antecedentes têm a ver com as crenças básicas que uma pessoa tem e que colaboram para que ela tenda a dar crédito a determinada notícia ou história (p.3).

Para Sunstein (2008), existem quatro tipos de propagadores:

  1. Muito interessados:

“Eles procuram promover seus próprios interesses prejudicando uma determinada pessoa ou grupo. Uma alegação de que uma determinada pessoa é racista ou sexista, ou envolvida em má conduta ou projetos corruptos, é um exemplo comum” (p. 3-4).

  1. Geralmente interessados:

“Eles podem tentar vender um produto, ou atrair olhares, espalhando (o que acabaria sendo) falsidades. Embora possam publicar falsidades sobre a vida profissional ou pessoal das pessoas, não têm interesse em prejudicar ninguém; Falando sério, porém, o dano acaba sendo colateral. Seu iniciador de rumores pode não ser baseado em nenhuma evidência, um pouco, moderado ou muito. O que importa é que seu próprio interesse está claramente em jogo. Na Internet, as pessoas costumam espalhar boatos falsos como forma de atrair olhares. Aqueles que espalham fofocas, de um tipo ou de outro, se enquadram nessa categoria.” (pág. 4)

  1. Altruístas:

“Eles estão preocupados com algum tipo de causa. Quando dizem que alguma pessoa pública cometeu má conduta, estão tentando promover o bem público como o vêem. Ao iniciar ou espalhar um boato falso sobre um indivíduo ou uma instituição, eles esperam ajudar ainda mais a causa. Na Internet, assim como em programas de rádio, propagadores altruístas são fáceis de encontrar; desempenham um papel particularmente importante na arena política. Tanto os propagadores egoístas quanto os altruístas podem ser extraordinariamente casuais com a verdade, no sentido de que às vezes estão dispostos a dizer o que sabem ser falso, e às vezes estão dispostos a dizer o que não sabem ser verdade. (pág. 4)

  1. Concupiscentes, cruéis, malévolos:

“Eles procuram descobrir e revelar detalhes embaraçosos ou prejudiciais, não por interesse próprio ou causa, mas para seu próprio bem. Eles afirmam afirmativamente prejudicar as pessoas, geralmente por raiva, raiva ou crueldade particular ou generalizada. Aqui também, a relação entre suas alegações e a verdade pode não ser totalmente próxima.” (pág. 4)

Como podemos ver, para entender notícias falsas também é importante entender os conjuntos de intenções que estão por trás delas. Mas de acordo com Sunstein (2008), “os rumores geralmente aparecem e ganham tração por causa de sua relação com as condenações anteriores do aceitante” (p. 2). A pessoa nega um fato porque este fato vai contra seu grupo de referência, ou uma ideologia ou crença que muitas vezes constrói sua identidade. Isto é chamado de “dissonância cognitiva”. Sunstein (2008) argumenta que “quando aliados de uma figura pública afirmam não acreditar num boato, eles podem muito bem estar dizendo a verdade; eles estão fortemente motivados a negá-la, mesmo para si mesmos” (p. 5). Mas é bem provável que as mesmas pessoas aceitem uma mentira sobre uma figura pública que não faz parte de seu coletivo. García-Marín e Aparici (2019) chamam este fenômeno de “viés de confirmação”.

Mas por que a verdade se tornou tão elusiva, tão intangível, tão fácil de falsificar, tão irrelevante em nossos tempos?

Vilém Flusser (2001) escreve que “o pensamento crítico está atualmente em crise, porque lhe faltam critérios adequados para criticar seus próprios produtos” (p. 134). No passado, a escrita era usada para descrever ou criticar imagens. Tais críticas geraram uma ciência que por sua vez desenvolveu aparelhos capazes de criar imagens técnicas que por sua vez não podem ser usadas para criticar as imagens técnicas. Isto criou um distanciamento da realidade física que deu origem a um relativismo, um “vale tudo”, desde que se sinta ou acredite o suficiente.

Para Antônio C. Grayling citado em Murolo (2019) “da filosofia, as raízes da pós-verdade estão no pós-modernismo e no relativismo”. Tudo é relativo. As histórias são inventadas o tempo todo, não existe mais a verdade”. 

É verdade que os seres humanos na modernidade tardia tiveram que conviver com diferentes sistemas de ideologias e crenças. Mas o filósofo Dario Sztajnszrajber, também citado em Murolo (2019), é mais crítico em relação ao caráter do poder que faz certas histórias se apresentarem como verdades hoje. Para Sztajnszrajber (citado em Murolo, 2019), “embora a verdade não exista, é gerado consenso a partir de certos estratos de poder para estabelecer que certas idéias passam como se fossem verdadeiras”. 

No contexto das redes sociais, onde também há polarização, são feitas tentativas de impor “a verdade” de um lado ou do outro. Mas a grande mídia é apresentada como alto-falantes nesta “sala pública onde todos podem dizer o que quiserem”. O surgimento da Internet eliminou de alguma forma o poder da mídia tradicional de ditar a agenda (agenda setting) e a construção de “verdades” na sociedade. 

Mas no contexto da mídia e das redes, “uma andorinha não faz um verão”. Apenas uma notícia mal redigida ou maliciosa não muda a subjetividade geral. É necessária a criação de um discurso em torno de um assunto ou em torno de um parafuso para que seja gerada uma pós-verdade. Murolo (2019) argumenta que “a melhor maneira de esconder uma grande mentira é entre muitas pequenas”. Desta forma, uma pós-verdade que propõe que um grupo de pessoas é corrupto pode ser construída com uma soma de notícias falsas que falam precisamente de lugares, caminhos e quantidades. Falsas notícias que dão precisão e se escudam em verosimilhança”. 

Na seção seguinte analisarei o caso que levou à condenação do ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, por suposta corrupção relacionada à aceitação de subornos para aprovar contratos de grandes empresas. Mas para isso, também é necessário analisar o contexto da mídia naquele país, pois, como veremos, o contexto político e econômico no Brasil está intimamente ligado ao funcionamento da mídia.

2. Estudo de caso

Introdução

A imprensa foi proibida no Brasil até a chegada da família real, em janeiro de 1808, mais de três séculos após sua descoberta (Zweig, 1941, p. 76). No Brasil de hoje, 211 anos após a publicação do primeiro jornal, a situação da mídia é bem diferente, mas ainda dominada por oligarquias político-econômicas. 

Classificado em 105º lugar em liberdade de imprensa pelos Repórteres Sem Fronteiras em 2019, o Brasil está atrás do Líbano (101º), Ucrânia (102º), Moçambique (103º) e Montenegro (104º). A grande imprensa no Brasil é hoje dominada por 11 famílias que têm um pé na mídia e outro na política (Brasil : Se vislumbra…, 2019) (FNDC – Mídia brasileira…, 2019). 

Embora a propriedade da mídia seja proibida por lei no Brasil, de acordo com os Repórteres Sem Fronteiras (Oligopólios de mídia…, 2017), 32 deputados federais e 8 senadores são proprietários formais da mídia. Também segundo Repórteres (Idem), “a família Macedo, que controla o grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus, também domina um partido político, o Partido Republicano Brasileiro (PRB), que tem um ministro no governo federal, um senador, 34 deputados federais, 37 deputados estaduais, 106 prefeitos e 1.619 conselheiros”. 

A grande mídia está concentrada no sudeste do país, onde os 50 maiores grupos de mídia pertencem a 26 grupos econômicos (Oligopólios de mídia…, 2017). 

De acordo com Repórteres sem Fronteiras:

“Nove são do grupo Globo, cinco do grupo Bandeirantes, cinco de Edir Macedo (considerando a Rede Record e os meios de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus), quatro da RBS, três do grupo Folha. O grupo Estado, o grupo Abril e o grupo Editorial Sempre Editora / SADA controlam cada um dois dos veículos com o maior público. Os outros grupos possuem apenas um dos meios investigados” (Oligopólios de mídia…, 2017).

A Rede Globo e a democracia

No Brasil, o direito à comunicação em massa é uma concessão estatal, ou seja, o Estado disponibiliza um serviço de informação aos cidadãos através de empresas privadas que oferecem este serviço.

A TV Globo foi oficialmente fundada (legalizada) em 1967, três anos depois de 20 anos de ditadura militar no Brasil. Mas a estação de Roberto Marinho não se tornou uma rede, a Rede Globo, até 1969 com a transmissão do mítico Jornal Nacional (Rede Globo, 2019).

Talvez também por causa de sua posição de liderança, a TV Globo sempre foi alvo de muitas acusações, desde promover a alienação até ajudar em eleições fraudulentas no Brasil. Uma das maiores acusações tem sido a de apoiar o golpe militar de 1964.  De fato, em 2013 o jornal O Globo admitiu apoiar o golpe militar:

“A memória é sempre desconfortável para o jornal, mas não há como negá-lo. É história. O Globo, na época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de jornais como ‘O Estado de S. Paulo’, ‘Folha de S. Paulo’, ‘Jornal do Brasil’ e ‘Correio da Manhã’, para citar apenas alguns”. (Apoio editorial ao…, 2013)

Há também acusações de ter feito uma cobertura omissiva do processo de redemocratização conhecido como Diretas já (eleições diretas já para presidente) e de ter favorecido em 1989 o então candidato Fernando Color de Melo contra o candidato esquerdista Lula da Silva (Rede Globo, 2019).

O Governo da Dilma e a Operação Lava Jato (lavagem de carros)

No campo político, a ex-presidente Dilma Rousseff em 2013 teve índices de popularidade muito altos devido aos bons resultados das políticas de seu governo e de seu antecessor, Lula da Silva. Com tanta popularidade, a Dilma decidiu assumir os bancos e cortar as taxas de juros. Isto desagradou muito ao setor financeiro, que viu reduzidas suas possibilidades de crescimento. 

A partir de meados de 2013, o Brasil sofreu uma série de protestos. Os primeiros foram alegadamente motivados pelo aumento de 20 centavos no preço do transporte em São Paulo. Em três semanas, a popularidade da Dilma caiu 27 pontos (Popularidade de Dilma…, 2013).

Em março de 2014, a chamada Operação Lava Jato iniciou suas operações. O nome da operação é dado após o uso de uma rede de lavanderias e postos de gasolina por grupos criminosos para lavar dinheiro. 

Já em 2008, o empresário Hermes Magnus do setor eletrônico denunciou a tentativa de lavagem de dinheiro através de sua empresa. As investigações levaram a quatro grupos criminosos. Um dos líderes desses grupos era o cambista Alberto Youssef, que havia comprado um carro para um diretor da companhia petrolífera estatal Petrobras.   

No final de 2014, apesar da queda de popularidade e apoio, Dilma Rousseff conseguiu ser reeleita, mas seu oponente, Aécio Neves, senador do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), não aceitou os resultados (53% dos votos) e iniciou uma campanha para seu impeachment. Devido à prisão de alguns membros do Partido dos Trabalhadores da Dilma, Aécio chamou seu partido de “organização criminosa”. 

Grupos extremistas de direita surgiram então em redes sociais: Revoltados Online (Rebeldes Online), MBL (Movimento Brasil Livre) entre outros que não pouparam acusações contra membros da esquerda e especialmente os do PT. 

Lava Jato e Lula da Silva

Parte da estratégia da Lava Jato para perturbar as quadrilhas criminosas é a chamada “denúncia recompensada”, ou seja, um recurso para encorajar os acusados a denunciar outras pessoas em troca de uma redução em suas penas. 

No final de 2015, a Polícia Federal do Brasil anunciou um roubo de quase 42,8 bilhões de reais da Petrobras. Em dezembro, Lula da Silva testemunhou como informante no caso. Não como réu. Entretanto, em janeiro do ano seguinte, ele foi acusado sob o regime de informante premiado por Nestor Cerveró, um ex-diretor da Petrobrás que o acusa de tê-lo nomeado em troca de um empréstimo fraudulento. A partir de então, a imagem de Lula não seria mais a mesma, pelo menos para os membros da Lava Jato e na mídia (Operação Lavagem de carros, 2019).

Em 2 de março de 2016, o Juiz Sergio Moro ordenou a prisão coerciva de Lula para testemunhar, mas proibiu que o ex-presidente fosse registrado. Em 4 de março, Lula foi levado à força para a Polícia Federal. Lula nunca havia recebido uma intimação para ir à polícia. O evento foi maciçamente coberto pela mídia. Mais tarde ficou conhecido que a operação foi gravada e as imagens divulgadas para a mídia pela própria Polícia Federal. Um ator que interpretaria o personagem de Lula da Silva em uma série Netflix admitiu assistir às gravações em preparação para sua performance (Ator incorporou trejeitos…, 2019). Ao saber que sua ordem não foi cumprida, a única ação do Juiz Moro foi solicitar informações ao Ministério Público, que disse que não houve violação. Que as imagens foram feitas para garantir o bom funcionamento da operação. 

Em 16 de março de 2016, o Juiz Moro do julgamento da Lava Jato escutou a Presidente Dilma em uma conversa com Lula da Silva sobre uma suposta nomeação dele como Ministro da Casa Civil. Os áudios foram entregues à Rede Globo para publicação no Jornal Nacional (Fern, C. e Globo, 2016). 

Em 14 de setembro de 2016, o Procurador Geral da República, Deltran Dallagnol, convocou uma coletiva de imprensa em um hotel em Curitiba. Neste evento, o promotor mostrou uma apresentação em PowerPoint onde apresentou várias supostas evidências de que Lula da Silva era o líder de um esquema de corrupção na Petrobras (Nogueira, K., 2016). 

Com relação a tal “evidência”, Dallagnol argumentou que “a evidência é uma peça da realidade que gera convicção sobre um determinado fato ou hipótese”. Para os promotores presentes, Lula da Silva foi “o comandante máximo da corrupção na Petrobras”, pois foi ele quem “escolheu os nomes para os altos comandos do governo” e “é o verdadeiro mestre desta orquestra criminosa” (Nogueira, K., 2016). As acusações foram muito fortes, mas a conclusão a que chegaram os promotores foi a seguinte:

“Não temos provas, mas temos convicção” (Nogueira, K., 2016).

O ex-presidente foi finalmente condenado pelo Juiz Sergio Moro a 12 anos e um mês de prisão pelo caso do suposto recebimento de um apartamento de uma construtora em que Lula da Silva nunca dormiu uma noite e nunca teve um registro legal de posse. Ele foi impedido de concorrer à presidência em 2018. O promotor Deltran Dallagnol continua como promotor do Ministério Público Federal e o Juiz Sergio Moro foi nomeado Ministro da Justiça e Segurança Pública do candidato vencedor, Jair Messias Bolsonaro. 

A pós-verdade 

Como disse Manuel Castells, “poder é mais que comunicação, e comunicação é mais que poder”. Mas o poder depende da comunicação, assim como a contra-potência depende da quebra desse controle”. Manuel Castells (Comunicação e Poder, p.23). Por esta razão, os interessados em projetos de poder vêem a mídia como uma grande possibilidade de construir seu poder. 

As potências que existem no Brasil, um país com dimensões continentais, são enormes. São grupos oligárquicos, de mídia, religiosos, militares, econômicos e judiciais. Meu argumento é que muitos desses grupos são constituídos como uma colaboração tácita. Não é um acordo silencioso, mas indivíduos e grupos se apóiam mutuamente por causa da sobreposição de interesses. Estamos falando aqui dos mesmos mecanismos psicológicos que operam dentro de outros grupos fechados, as chamadas bolhas ideológicas.   

Um exemplo desta colaboração tácita poderia ser o impeachment de Dilma Rousseff iniciado por políticos que se opunham a ela, divulgado na grande mídia, apoiado por grupos de direita nas redes sociais, e embora nenhum crime tenha sido encontrado, Dilma acabou sendo impedida, negando os fatos e impondo o poder de decisão. Vale notar que, nestes processos, o silêncio também é uma forma de colaboração. 

Na prática, esta colaboração gera a construção de uma “verdade”, de uma subjetividade social que tem o poder de polarizar a sociedade. Ela gera uma bola de neve onde a verdade não tem mais que estar relacionada à realidade. O mais importante é o consenso, como afirma Darío Sztajnszrajber (citado em Murolo, 2019), “embora a verdade não exista, o consenso é gerado, muito dirigido a partir de certos estratos de poder para estabelecer que certas idéias passam como se fossem verdadeiras” (Murolo, 2019).

Murolo (2019) argumenta que “notícias falsas são geralmente baseadas no uso do verbo no condicional, para então afirmar dados – datas e lugares – que embaçam o próprio condicional para se tornarem uma afirmação”. Desta forma, as histórias são moldadas por múltiplos interesses e preconceitos de confirmação.

Desta forma, a idéia apresentada por Murolo (2019) de que “a melhor maneira de esconder uma grande mentira é entre muitas pequenas” é fundamental. 

O Telegrama e Lava Jato

Recentemente, o jornal de investigação digital The Intercept começou a publicar uma série de vazamentos sobre as ações do ex-juiz Sergio Moro e do promotor Deltran Dallagnol, que supostamente mostraram uma relação de cooperação, e até mesmo orientação do ex-juiz nas ações da Lava Jato.

Membros da força tarefa Lava Jato, outros juízes e funcionários do judiciário supostamente comunicados, dispersos em vários grupos de Telegramas. Esses grupos poderiam ter o potencial de gerar uma bolha ideológica? 

Michel Hoechsmann, Paul R. Carr e Gina Thésée (2019) mais uma vez chamam nossa atenção para a polarização em ambientes digitais, dizendo:

“a volatilidade das informações em ambientes digitais tem afetado a qualidade do discurso de um usuário que, na ausência de um conjunto compartilhado de textos chave, tende cada vez mais a ler apenas aquilo que concorda com suas opiniões anteriores”. 

Além disso, os autores advertem sobre as graves conseqüências dessas bolhas ideológicas para a democracia:

“As implicações que estes processos têm para uma democracia significativa, funcional e crítica são numerosas, e grande parte da estratégia em torno do uso e desenvolvimento de tecnologias digitais novas e alternativas relaciona-se mais com a forma de ganhar uma eleição do que com a construção de uma democracia participativa” ( Hoeschsmann, M., R. Carr, P., & Thésée, G., 2019).

As investigações estão apenas começando a desvendar este novo episódio da Operação Lavagem de Veículos. Muitos fatos ainda estão sendo publicados por The Intercept e outros meios de comunicação brasileiros. Será necessário esperar para saber mais sobre estes fatos. Entretanto, este é certamente um exemplo de como os setores político, econômico, da mídia e jurídico podem estar enredados na estrutura de poder da sociedade.

3. Conclusão

Concluindo, podemos dizer que o Brasil está atualmente mostrando fortes sinais de construção pós-verdade, seja por causa dos interesses político-econômicos de sua mídia, seja por causa do poder exagerado que exercem, seja por causa do sentimento de impunidade que esta situação gera.

Também concluímos que há uma polarização na sociedade brasileira devido ao impeachment de Dilma Rousseff e ao impedimento da candidatura de Lula da Silva, eventos que podem ser vistos como ultrajes do sistema democrático e que podem levar à exacerbação de posições em redes sociais e na sociedade como um todo. Tudo isso tem o poder de gerar posições partidárias, mesmo por parte dos poderes estabelecidos.

De modo mais geral, concluímos que:

  • No mundo de hoje, a produção da “verdade” está cada vez mais distante da realidade física e muito mais próxima dos projetos de poder.
  • Os meios de comunicação de massa não perderam o poder de ditar o que é e o que não é falado na sociedade. Que a disputa para impor a narrativa é à l’ordre du jour. Uma disputa que também representa uma forma de lutar por uma sociedade democrática e justa. 
  • O Brasil precisa de mais garantias para o livre exercício do jornalismo e isto requer o fortalecimento do Estado de Direito e uma nova lei de mídia que regule o setor para evitar oligopólios de mídia e controle ideológico. A informação é um direito, assim como a comunicação, e o Estado deve garantir esses direitos.
  • No contexto atual do Brasil, é importante que a mídia mostre determinação em produzir jornalismo Parciall para garantir credibilidade e assim varrer o avanço das ideologias fascistas que se aproveitam deste descrédito para tomar conta do espaço narrativo. 
  • E finalmente, vemos a necessidade de distanciar o judiciário da mídia por causa do risco de que a espetacularização do judiciário também prejudique sua credibilidade e sua ação livre de erros. 

6. Bibliografia e Referências

Albert, P. (2003). Histoire de la presse (10. éd., Mise à jour, 67. mille). Paris: Presses Univ. de France.

Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro. (2013, agosto 31). Recuperado 23 de junio de 2019, de O Globo website: https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604

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