Pode a Revolução Social começar na Revolução Sexual? Vamos falar de consciência.

@1flaviocarvalho | @quixotemacunaima | Sociólogo e Escritor.

Barcelona, 17 de maio de 2022.

Pessoas com uma vida ativa em matéria de preocupações sociais, como eu, tendem a esquecer-se da sua própria conexão com o mundo. O impulso vital, neste caso, é predominantemente coletivo.

Não é um problema categórico de sociólogos ou de determinadas formas de viver. Creio que é um tema bem mais extenso do que pensamos. E hoje me sinto mais consciente sobre isso.

Ler muito, de forma quase compulsiva, não me impediu de cuidar da saúde do meu corpo. E uma vida racionalista não é incompatível com a importância dos sentimentos e das emoções. Em que medida atingimos esse equilíbrio? Qual o sentido da própria palavra Equilíbrio nas nossas vidas? Quando tudo é prioritário, nada é prioritário.

Demorei muito tempo a reconectar-me com minha essência vital, por uma opção de que sempre há pessoas mais necessitadas do que eu. Mas o que de fato poderias conseguir pro mundo, se não estás bem contigo mesmo? Hoje me sinto em pleno caminho. Mas com um novo e muito importante impulso. Ao sentir que o caminho pode, realmente, ser delicioso. Pois de excelentes compatibilidades está feita a vida de cada um de nós.

E onde estaria esse botão de reinício? Não foi por falta de pistas, por exemplo, na minha trajetória de vida. Estudei antropologia, licenciei-me em sociologia, entrei num mestrado de ciência política…

Faz anos que me auto descrevi politicamente como Anarquista Libertário. Principalmente depois de revelar-se a mim, o que era e o que não era o tal do Anarquismo. De fato, neste texto repleto de perguntas, do que falamos mesmo quando estamos falando de “Política”? Neles, nos movimentos anarquistas libertários (e onde eu moro, a Catalunha, como um referente mundial), encontrei a expressão do corpo, da natureza sublime (e do naturismo), do papel fundamental da arte e de como a sexualidade pode ser a base de diversos tipos de opressão – e, portando, de libertação.

Permitam-me, ao falar do processo, tratar um pouco de mim. Poucas pessoas sabem, antes de ler esse texto, que já participei – muitos anos atrás, ainda no Brasil – de um centro especializado em Gnose (no bairro da Boa Vista, no Recife); que aceitei o convite de uma amiga para estar durante semanas numa comunidade Hare Krishna (chamada Nova Vraja Dhama, no interior de Caruaru); que desde muito jovem iniciei um processo de participação intensa com um grupo de Somaterapia (no Alto da Sé, em Olinda); que estive em retiros de meditação e yoga; que participei em ritual xamânico (ou em uma “derivação”, chamada União do Vegetal, em várias cidades do Nordeste do Brasil); além de uma ou outra experiência de alteração do que se dizia “estado natural de consciência”. Mais por interesse antropológico, jamais aprofundado, cheguei bem perto de rituais da Jurema (uma divindade sincrética entre Indígena e Afrobrasileira), do Candomblé e outros fenômenos que considero terapêuticos, tanto quanto essencialmente amalgamam a diversidade cultural brasileira – inegavelmente associada à transcendência, muito mais que a uma efêmera espiritualidade. Porque explicar tudo isso? Porque há espaço pra tudo nessa vida. Basta compatibilizar equilíbrios e prioridades.

Daí, atualmente, uma recente constatação: a resposta sempre é menos externa do que pensamos. Sempre esteve comigo. Há gente que simplesmente a busca. Outras se conformam a moldar seu Religare (a origem da palavra religião). Não sou eu a informar sobre o impacto das diversas manifestações religiosas na política. O Brasil passou a ser um extremo exemplo.

E até nisso – ou principalmente nisso – somos induzidos a um privilegiado equívoco (transformando-o em oportunidade). Passei a priorizar a desconstrução de machismos. E me encontrei com um fator preponderante. Todo o Religare é feminino. Inclusive a origem da vida. Por tabu ou pelas origens patriarcais, negamo-nos até mesmo à nossa própria intimidade. Pode uma pessoa reprimida lutar contra a opressão de toda uma sociedade? Não seria melhor dedicar-nos a algumas vitalidades que precedem a nossa existência social? Quantas fogueiras foram acesas para queimar quem ousar falar de sexualidade, até mesmo dentro de qualquer partido político de esquerda? Quais os espaços para o que realmente importa em todas as lutas contra as opressões?

Hoje, hesito em datar de forma categórica os meus primeiros contatos com a (re)descoberta do Tantra – com cuidado à diversidade de significados com que o apresentam, e de forma cada vez mais crescente. Nem parece que faz pouquíssimo tempo que “reencontrei-me com esse velho desconhecido”. Até vacilo em definir como se fosse algo que “faz pouco tempo”. Não me é estranho. É como se estivesse sempre caminhando ao meu lado, em paralelo. Como um ilustre desconhecido que sempre tivesse feito parte da minha vida.

Por ser maravilhosamente complexo, escutei recentemente várias pessoas – ao fugir de reducionismos e insignificâncias – tentar simplificar em uma expressão: Sexualidade Consciente. Muito e pouco, ao mesmo tempo. Mas o que são, uma coisa e outra? Ou de onde vem o que pensávamos que era isso? O que tem tudo isso a ver com uma vida dedicada “àquilo que pensava que era pura política”?

Não me veio de um bem absoluto, este meu contato recente com este assunto. Como muitas transcendências vividas, me veio por um imenso sofrimento (alheio, principalmente; mas que eu o vivi como se fosse meu). Veio-me por pura empatia, pelo autocuidado, pelo gozo de pensar mais “no outro”.

Acostumei-me a repetir: não há mal que não venha para o bem. Há uma palavra árabe que resume: Maktub (“estava escrito”; ou: tudo que vem, convém…).

Longe de pretender substituir a intensa busca de revolução social e econômica, por um novo conceito de revolução na sexualidade (e eu concordo que a palavra Consciente é um excelente complemento), creio sinceramente – hoje mais que nunca, por ser algo que sempre me chamou muita atenção – em pelo menos poder falar abertamente de nossa sexualidade, como um maravilhoso elemento de transformação pessoal. E o melhor: que, irradiando, se coletiviza. Melhor assim.

Assim fui percebendo, aos poucos, que uma das lutas antifascistas que mais avançam no mundo era, antes, a única que trazia a palavra Sexualidade já de forma escrita – e que ao mesmo momento já se reivindicavam como eminentemente “Políticas” ao longo do tempo. Homossexualidade, Trans-sexualidade… Porque somente a elas se incluíam a palavra Sexualidade, quando a luta dos movimentos feministas, por exemplo, sempre foram, desde o início, uma firme reivindicação do corpo, em toda a sua essência e significado?

Por outro lado, li muito sobre os marxistas que debateram polêmicas infinitas sobre o conceito de Consciência. Tanto quanto Wilhelm Reich (e Roberto Freire, o criador da “Soma”) foram demonizados pelos psicanalistas que não aceitaram as suas formas de dialogar sobre as sexualidades nas sociedades – e na política. Do próprio Freud (e de Foucault) o que se diz? Porque todas as minhas citações são de celebridades masculinas? E Elas? Onde foram parar as invisibilizadas em todo esse debate?

Mas, atenção! Não tenho e nem pretendo ter em mãos ferramentas para definir ou explicar o Tantra. Não é esta, agora, minha missão. Para isto, me rodeio de pessoas, inclusive de profissionais com suficiente experiência. E vivo, eu, o momento vivido. Como se isto me fosse autossuficiente. E que, de certa forma, bem o é.

Este breve relato possui, portanto e em conclusão, três objetivos fundamentais. Faço questão de tentar concluir com suficiente claridade sobre isso.

O primeiro objetivo é expandir um sentimento, compartilhando-o – com afeto – entre pessoas próximas (objetiva e subjetivamente falando). Isto já seria uma razão suficiente. Se não fosse porque a primazia da razão, em mim, vai cedendo espaço, de forma tranquila, à primazia das emoções. Já não é pouco.

A segunda intencionalidade é chamar a atenção para um fenômeno crescente: a prática do Tantra e as novas formas de relacionar-se com o próprio corpo e com o mundo. Para mim, bastou – neste breve texto – com mencionar a palavra Tantra pouquíssimas vezes, sem dar maiores pistas que não sejam três palavras que já me serviam antes de conhecer esta filosofia de vida milenar: Confiança em compartilhar experiências com pessoas que pensam ou não como eu (expondo-me, sem o menor medo dos falsos moralismos); Respeito profundo comigo mesmo (sim; comigo, principalmente; porque assim tal respeito “contagiaria” todos os meus entornos, de maneira magnífica); e Diálogo com a construção de uma Consciência Coletiva. Sem intermediários. Eu sou meu mestre e, ao mesmo tempo, meu anti-guru.

Ao me seguir (pelas redes sociais onde participo), perceberás como seguirei repartindo expectativas tanto quanto esperanças; ou delicadamente semeando pistas. Ao falar de Tantra, ou do papel da Sexualidade Consciente (Confiança, Respeito e Diálogo) nos processos de transformação social, leia-se – por favor – a palavra Vida.

“Enlouqueceu, esse rapaz?”.

Não. E lembrei-me de uma frase no final do filme Ran, do Akira Kurosawa: “Mundo louco; hei de ser louco para ser sensato”.

Leia, releia e re-siginifique os seus próprios conceitos (de vida, os vitais, os essenciais…).

Perceberás, de início, o destaque que os teus mecanizados processos mentais atribuirão à palavra que mais se agarrará na tua mente, ao terminar este modesto texto. Sexo! E verás que a sexualidade é muito mais que isso (ou que aquilo). A sexualidade é tudo aquilo que não te ousavas perguntar o que é.

E tudo aquilo que paras para perguntar-te na vida, ressignificam-se em duas coisas: ou em filosofia ou em política. Ou naquilo que as unifica.

O que você entende por isso? O que é para ti, o amor, a amizade, o sexo? O que te impediu, até agora de falar da importância desses significados na tua vida? Afinal, o que realmente importa nessa vida? E concluo, com a pergunta essencial: o que sempre significou, para a minha vida, a palavra “Política”?

Falar de vida sempre foi, para mim, falar de política. Ou vice-versa. A grande questão, em conclusão, é que chegou a hora de falar “de verdade”. Pois pode ser, no melhor do caso, duas coisas: sanador e/ou libertador. Porque no fundo (no fundo, no fundo…) só depende mais de ti.

Tudo que transforma e que liberta me interessa muito.

“Amar e mudar as coisas me interessa mais”
(Belchior).

Aquele abraço.


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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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