A Rita levou meu sorriso…

Por Selma Vital, para o site da Fibra.

Carolina do Norte (EUA), 15 de maio de 2022

“Se as vozes que você tem ouvido não te contemplam,
talvez o que falte seja a sua voz.”
(Rita von Hunty, personagem de Guilherme Terreri Lima Pereira)

Desde que vi o primeiro vídeo de Rita von Hunty caí de amores pelo estilo, humor, e até pelo forçado sotaque de paulistana quatrocentona. Eu que não dou muita bola para influenciadores de qualquer tipo, passei a ver os vídeos da Rita como se estivesse indo para uma aula. Aulas com conteúdo e base, sem nunca perder a cadência, que continuaram a me cativar dia após dia.

Obviamente acordar com chamadas no Uol e no Globo salientando que Rita prega o ‘voto radical’, o que na visão dela significa não votar em Lula no primeiro turno, foi um soco no estômago desta combalida fã.

É certo que a amada personagem, com quase um milhão de seguidores em seu canal de Youtube, Tempero Drag, não tem nenhuma obrigação de corresponder às nossas expectativas. Por isso, meu sentimento não foi e não é de raiva, mas de decepção.

Passei os últimos dias borocoxô, lendo e observando os argumentos de lado a lado. Alguns, sentindo-se traídos, clamam pelo ‘cancelamento’ da estrela; desenterram antigos tuites comprometedores do Guilherme e até um comercial de cerveja, o que julgam uma traição à causa. Outros, acusam os esquerdistas/Lulistas de desrespeitarem o direito democrático de Rita se manifestar publicamente.

Seja o que for, sendo ou não sua intenção, a polêmica deu a medida da presença digital de Rita von Hunty, que não é pequena. E com certeza tudo isso vai fazer mais bem do que mal nesse termômetro de algoritmos e egos. Prefiro pensar, porém, que nada foi feito de caso pensado.

Aparentemente a decisão de Rita deve-se a coisas que Lula omitiu em seu discurso de lançamento de campanha, como por exemplo a revogação de medidas contra os trabalhadores e a reestatização de empresas que foram privatizadas. Nas palavras dela, não houve “Nenhuma linha sobre o teto de gastos, sobre a reforma da previdência, a lei da terceirização irrestrita? […] Nada sobre a violência policial. Nada sobre a concentração obscena de terras nas mãos do agronegócio. Nada sobre a violência no campo. Nada de nada”.

Enquanto ainda escrevia este texto, Guilherme, o criador de Rita, apareceu pela primeira vez depois do ocorrido, no programa Forum Onze e Meia, no Youtube, que vai ao ar toda sexta-feira. Se ainda não viu este, recomendo-o fortemente.

Foi assustador saber que gente do nosso lado chegou a fazer ameaças horríveis a Guilherme, com violência típica da turma do outro lado. A gente tem de tomar muito cuidado para não deixar que os canalhas deem o tom da conversa nessa campanha; haja o que houver, me recuso a entrar no nível baixíssimo deles.

Mas nem tudo está perdido: os dois debatedores convidados, Maria Fro e Julian Rodrigues, foram um bálsamo para nossos coraçõezinhos feridos. Como bem lembrou Maria Fro, o PT nasceu de uma dissidência. A criação do partido, afinal, foi duramente criticada na pós ditadura, quando os oposicionistas do regime, por anos reunidos sob a sigla MDB, julgavam que não era o momento de rachas.

Ainda assim, ela aponta que o contexto que temos hoje é diferente e que neste momento trabalhar contra Lula no primeiro turno é, entre outras coisas, erro estratégico. A tudo Guilherme respondeu com idealismo e defendendo o direito de manter sua postura. Mas faltou a convicção que se esperava. Em alguns momentos, dava a impressão que a opção dele já estava decidida antes mesmo do pronunciamento de Lula.

Já Julian Rodrigues, que também escreveu um texto sobre a polêmica, foi igualmente brilhante em sua discordância . Quando Guilherme enfatizou que ele era um comunista, Julian rebateu que talvez ele vá encontrar mais marxistas dentro do PT do que no PCB (essa até eu sabia!). E aqui vale citar uma passagem de seu texto, no qual Julian pondera: “Tenho sinceras dificuldades em compreender o sentido dessa tática supostamente de autoconstrução – que de fato nada constrói, só isola e estigmatiza PSTU e PCB”.

Ao longo da conversa na Forum, os debatedores reforçaram que ao contrário do que Guilherme afirmava, Lula tinha se comprometido, sim, em reverter as presepadas do atual governo, incluindo o teto de gastos para saúde e educação. Era preciso olhar além da referência usada por ele. E, mais, lembraram que a agenda de Lula em 2022 é até mais radical que a primeira, lá de 1989.

A omissão apontada no discurso de Lula foi de fato uma falha. Mas por que não poderia ser revertida? Se estamos falando de uma frente unida pelo Brasil, não seria o caso de levantar essas reinvindicações e sugerir até mesmo que estes partidos menores negociassem apoio com base em compromisso em torno desses pontos?

Guilherme também faz objeção, como esperado, à indicação de Geraldo Alckmin para a vice-presidência. Segundo ele: “Alckmin fere a minha existência”. Ele lembrou o tratamento que Alckmin reservou aos professores de São Paulo. E imagino que muita gente ainda tenha fresca essa memória. A questão é, se o ex-governador vai continuar na chapa no segundo turno, por que isso deixaria de ser problema no segundo turno?

O que me intriga mais que tudo é se por acaso Guilherme percebeu que de tudo o de bom que sua Rita tem falado nesses últimos anos pós-golpe, foi exatamente sua crítica a Lula que a levou às manchetes de veículos da famigerada grande imprensa. Isso também foi salientado no texto de Julian e foi o mote, aliás, dos tuites de Jean Wyllys. Ele diz “[…] quando alguma voz da esquerda por ressentimento, ideologia cega ou “utopia”dão margens a ataques [a Lula] e ao PT, sobretudo em eleições, ela automaticamente se torna fonte da imprensa corporativa, vira “notícia”em suas redes, passam a ser ouvidas”. Ele lembra ainda que essa mesma imprensa “ajudou a eleger Bolsonaro e chega a afirmar que é irresponsabilidade não apoiar Lula já no primeiro turno e o iguala a apoio indireto ao energúmeno (o adjetivo é licença poética minha… ).

A pergunta que não quer calar é: como alguém tão inteligente e usualmente tão perspicaz não se daria conta dessa cilada? Renato Rovai e seus convidados entendem que talvez Guilherme Terreri não tenha se dado conta do impacto de uma declaração de Rita. E pedem que ela repense a responsabilidade que essa posição demanda.

Pragmaticamente falando, já temos evidências de que Bolsonaro está comprando uma galera poderosa para melar as eleições. As centenas de milhares de reais adicionados aos já polpudos salários dos generais e a ampla distribuição de verbas a seletos deputados dão uma vívida ideia de que o jogo vai ser pesado.

E como já sabemos, a tentativa de golpe tem mais chances de acontecer no segundo turno porque contestar os resultados do primeiro implicaria em disputar também a eleição dos outros cargos eletivos e isso é muito mais complicado.

Curiosamente, David Miranda, que era suplente de Jean Willis na câmara e que portanto o substituiu quando ele teve de sair do Brasil, aplaudiu a fala de Rita “O posicionamento da Rita Von Hunty é perfeitamente democrático, a gente só é obrigado a escolher entre duas candidaturas no segundo turno. O primeiro deve ser feito com base em programa e discussão política. Isso é democracia”. Contudo, é preciso ressalvar que David saiu do PSol para integrar o PDT, apoiando uma candidatura de centro-direita, e que historicamente não se solidariza com os candidatos de esquerda no segundo turno. D’accord?

A Rita que dá título a este texto, como você deve imaginar, é a do Chico Buarque. Na canção, o narrador avisa que a partida da musa causou perdas e danos e lhe deixou mudo o violão. Ver nossa Rita abandonando nosso barco neste primeiro turno certamente teve suas consequências. No entanto, como ela própria sugere, não podemos abdicar da nossa voz. E acrescento: mesmo que nossa voz não chegue tão longe como a da Rita Von Hunty, não vamos ficar mudos nem emudecer o violão.

Vem com a gente Rita? Lula no primeiro turno!


Selma Vital é jornalista e professora. Fez parte do Coletivo Aurora, de Aarhus (Dinamarca) e agora é membra independente da Fibra, morando na Carolina do Norte, EUA.

Acompanhe as letras de Selma:

Instagram: @selmadaclaraboia

Site (@svital): Claraboia

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos como tal pela autora, sendo por tanto de sua exclusiva responsabilidade.

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