A BORBOLETA DE ANITTA E O APÓSTOLO DA MORAL

Por Namir Martins, para o site da Fibra.

Frankfurt, 06 de junho de 2022

“Tem que ter um estômago de ferro para viver no Brasil de Bolsonaro. Este país não é para amadores! A cada dia um novo escândalo”, dizem os brasileiros com um misto de resignação e sarcasmo. Uma história que poderia passar despercebida, uma baixaria que acabou se tornando um novo escândalo nacional.

Namir Martins: A BORBOLETA DE ANITTA E O APÓSTOLO DA MORAL

Tudo começou na noite de 12 de maio de 2022, quando o cantor sertanejo Zé Neto criticou Anitta em um show na cidade de Sorriso (MT). Ele disse que não precisava de apoio do governo. O cantor, que é apoiador de Bolsonaro, criticou a lei Rouanet com base em informações falsas. Ele também disse que não precisa tatuar o “rabo” para conseguir shows porque quem paga “é o povo”.

Os comentários do cantor sertanejo foram comemorados e aplaudidos nas redes sociais por apoiadores de Bolsonaro. No entanto, o cantor deu um tiro no pé! Um problema grave veio à tona: cantores sertanejos, que podem até não aplicar a lei Rouanet, mas recebem cachês muito altos de pequenas comunidades por todo o Brasil, ou seja, dinheiro público. Como resultado, um sistema de contratos de milhões de dólares, muitas vezes sem licitação, foi descoberto.

A Lei Rouanet é o principal mecanismo de promoção da cultura no Brasil. A Lei 8.313/91 instituiu o Programa Nacional de Promoção da Cultura (Pronac), estabelecendo regras sobre como o governo federal deve disponibilizar recursos para a execução de projetos artísticos e culturais. Esses projetos podem ser enquadrados no artigo 18 ou no artigo 26 da Lei Rouanet.

O artigo 18 confere aos financiadores o direito à dedução de 100% do valor investido, desde que respeitado o limite de 4% de responsabilidade fiscal para pessoas jurídicas e de 6% para pessoas físicas. O artigo 26 prevê a dedução do imposto de renda em 30% – no caso de patrocínio, ou em 40% – no caso de doação, para pessoas jurídicas. Para pessoas físicas, a dedução do imposto de renda é de 60% – para patrocínios, ou de 80% – para doações.

Originalmente, a lei, que leva o nome de seu idealizador, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet, continha três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Este último, nunca foi colocado em prática.

O exemplo mais claro dessa situação até agora foi o show de Gusttavo Lima, que custou R$ 1,2 milhão à Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, cidade mineira de 8 mil habitantes.

Quando o apoiador de Bolsonaro, Gusttavo Lima, criticou a lei Rouanet, ele finalmente revelou muitos contratos de milhões de dólares, que muitas vezes eram gastos sem licitação.

Lima difama e critica artistas brasileiros que aplicam a Lei Rouanet, rotulando-os de “comunistas” e exploradores de recursos públicos. Artistas de quem ele debocha chamando-os de “Geração Mimimi”. Gusttavo Lima incentivou multidões, durante a pandemia (que já matou mais de 600 mil brasileiros), a se aglomerarem. Logo após instalada a polêmica nas redes sociais, Lima chorou durante transmissão ao vivo em seu Instagram na segunda-feira (30/5), quando relatou que foi muito criticado. Em uma transmissão pública, porém, declarou que também faz shows que são pagos com dinheiro público.
Pois é, os crocodilos também choram! Gusttavo Lima é dono de um avião no valor de R$ 250 milhões (R$ 250 milhões) e um barco que comprou do cantor Roberto Carlos por R$ 25 milhões.

O cantor sertanejo Zé Neto, que foi o estopim dessa situação toda, com as críticas à tatuagem íntima de Anitta, comentou a live de Lima e se solidarizou com ele. Ele também disse que estava “passando por uma fase ruim” e que a situação “não tinha nada a ver com Lima”. Mesmo que “não tenha nada a ver”, Gusttavo Lima já sentiu as reações às críticas de Zé Neto à Anitta. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro abriu uma investigação sobre um contrato multimilionário para um show do sertanejo na cidade de Magé. Uma investigação semelhante está em andamento na cidade de São Luiz, com 8 mil habitantes, onde R$ 800.000,00 foram destinados para um show. A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro (MG) anunciou o cancelamento do show da dupla Bruno e Marrone.

A empresa “Balada Eventos e Produções Ltda”, que administra os shows de Gusttavo Lima, recebeu dois empréstimos no valor de R$ 1,03 milhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esse dinheiro destina-se a compras de máquinas e equipamentos a juros baixos. Não é a primeira vez que situação desse tipo ocorre a Balada Eventos e Produções já recebeu dois empréstimos anteriores, entre 2018 e 2019. O valor total na época girava em torno de R$ 900 mil.

O Supremo Tribunal Federal (STJ) finalmente reagiu após todos esses escândalos e suspendeu a decisão que autorizou a realização da multimilionária “Festa da Banana” na cidade de Teolândia, Bahia. O sertanejo Gusttavo Lima teria sido uma das principais atrações.

O pedido de suspensão havia sido feito pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). O tribunal viu confirmada a suspeita de irregularidades no gasto do dinheiro. Só Gusttavo Lima receberia um cache superior a R$ 700 mil.

O município de Teolândia, que está em estado de emergência oficial desde o final do ano passado, gastaria mais de R$ 2 milhões na festa. No total, o festival teria 28 shows, com um custo total de R$ 2 milhões, o que representaria em torno de 40% do dinheiro que a comunidade gastou com saúde no ano passado.

Essas pequenas cidades estão transformando suas tradicionais festas locais em grandes shows patrocinados pelo agronegócio – como é o caso do “Festival da Banana”, em Teolândia. Os cantores sertanejos passaram a fazer parte dessas festas. Muitos deles acumulam grandes fortunas e são hoje proprietários de grandes fazendas. A maioria desses cantores e duplas faz parte da indústria agrícola.

Jornalistas que acompanham diariamente o mercado musical sertanejo dizem que Zé Neto passa por uma grande crise no momento e que está sendo duramente criticado nos bastidores pelos colegas.

Enquanto isso, Anitta falou sobre o caso pela primeira vez no domingo (29.05.22) em uma curta mensagem no Twitter: “E eu pensei que estava fazendo uma tatuagem no meu rabo”.

Moral da história: os cães que olham para a cauda sarnenta do outro muitas vezes esquecem a sarna em suas próprias caudas! Ou resumindo: teria sido melhor deixar a borboleta da Anitta em paz…


Para versão original em alemão: leia aqui.

Namir Martins é membra da Fibra e do Coletivo Desmascarando o Bolsonaro Já! , na Alemanha.

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pela autora, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.

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