Texto de Dai Sombra Aisha, para o site da FIBRA
@daisombraaisha
Barcelona, 28 de junho de 2022.
Sou a filha caçula de uma família de 5 irmãos. Meus pais fizeram parte da educação linha dura da época, e com todas as interseções que nos atravessam, sendo nós uma família preta periférica de pais com empregos instáveis e renda escassa, a eleição de certas decisões eram pensadas em benefício de toda a família. Coisas simples como decidir a hora de dormir, a roupa que deseja comprar ou o quanto de alimento há sobre a mesa, não eram decisões individuais. Foi em família que eu aprendi a sonhar em coletivo.
Eu fui daquelas crianças que as pessoas etiquetam como “uma criança com caratér”, mas eu nunca faltei o respeito aos meus pais e aos meus e minhas mais velhas. Aquela vizinhança do meu entorno, nessa educação extendida que é característica do meu povo.
Eu ainda estava (e continuo) aprendendo sobre o mundo e sobre a construção do meu ser.
Quando eu queria fazer alguma coisa e minha mãe negava (meu pai sempre foi aquele que em decisões delicadas dizia: “- Pergunta a sua mãe.”), e me indicava o que eu deveria fazer, eu fazia, mas antes eu usava a mesma frase que era aproximada a esta: “-Eu gostaria de fazer da minha maneira, mas como a senhora é quem manda em mim, farei o que diga, por respeito. Mas gostaria que soubesse que eu o faria da minha maneira, se pudesse.”
Eu não tinha noção do efeito que essa frase poderia causar, mas nunca sofri represália, porque, afinal de contas, eu não estava desrespeitando-os.
Com o tempo, e em algumas exceções, meus desejos foram até contemplados, como utilizar menos saia e mais bermuda. Eu adorava subir em árvores e a saia era muito politicamente correta pra mim aos 7 anos de idade.
Outro aprendizado: não tenha medo de dizer que discorda. Em algum momento seu ponto de vista pode ser considerado. Tenha discernimento de escolher o momento de dizer e o de calar.
Esses aprendizados eu trouxe pra vida!
Na escola adorava expor minhas opiniões, divergentes ou concordantes, na sala de aula. Com minhas amizades sempre era a que dava uma perspectiva diferente a alguma contestação unânime e até os dias de hoje, sempre que possível, exponho minha percepção em assuntos em questão.
Eu tenho um modo de viver onde a comunicação é a chave. Seja dando minhas aulas de capoeira, formando ações antirracistas interdisciplinares em outras aulas, sendo relações públicas da Diáspora Produtora, ou como vendedora de livros, ou livreira, como prefiro nomear. O *Ofó é meu instrumento principal.
E assim eu vou desenvolvendo cada vez mais, a minha assertividade.
Acredito que aprendemos muito nos contrastes e discordâncias e sou dessas pessoas que se desafia e duvida quando todes estão de acordo comigo, em todas as circunstâncias.
Eu cresço com a diversidade!
A comunicação assertiva só existe em companhia da empatia. Caso contrário é arrogância e só. Sou capaz de empatizar com uma opinião totalmente contrária à minha e manter a minha sobre a mesa, sem ter que derrubar a opinião alheia, baseada na sua experiência vital.
Empatizar é poder chegar o mais perto possível a nível cinestésico da outra pessoa para poder entender suas atitudes, condutas, palavras… Entretanto, entender não é concordar.
Eu, na maioria das vezes, era consciente que teria que contemplar o bem familiar, mas opinava quando sabia que o núcleo não ia ser alterado. Discordava com minhas amigas, quando era necessário essa crítica construtiva. E aos dias de hoje, divirjo com parte da sociedade em prol do sonho coletivo do meu povo. Às vezes… eu só me limito a entender a outra pessoa. E muito poucas se dão conta da sutileza que existe em entender sem concordar.
Concordar é criar harmonia, mas se pode criar o mesmo sentimento na discordância também. Mas a harmonia na discordância só é possível se trazemos junto a empatia, a assertividade e o discernimento.
Se não há harmonia é conversa entre egos e isso leva ao caminho contrário.
Há situações que requerem somente o nosso entendimento e não nossa concordância.
Eu não concordo com metade do mundo, mas tô aqui, me entendendo com ele há quase 40 anos!
Em busca da harmonia, sem abusar da utopia.
E você, concorda comigo?
*Ofó = Força da palavra em Yorubá
Dai Sombra Aisha é Produtora sócio-cultural, capoeirista, ativista antirracista Decolonial, Mulherista africana, poeta e escrevivente.
Acompanhe as mídias de Dai Sombra Aisha: @daisombraaisha
Acesse seu livro de poesia marginal em ebook Manifestar em:
Amazon.es
Amazon.com.br
#Manifestar #livromanifestar #libromanifestar #poesiamarginal #literaturapreta #pretasescritoras #soufilhadoilê #DiásporaProductora
Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pela autora, sendo de sua exclusiva responsabilidade e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.