Memória e esquecimento

Por Selma Vital, para o site da Fibra.

Iowa, 29 de setembro de 2022.

Meu pai sempre me dizia
Meu filho tome cuidado,
Quando eu penso no futuro
Não esqueço o meu passado
(Paulinho da Viola, Dança da Solidão)

Imagens: Selma Vital

Se eu ganhasse um dólar por cada vez que perco o meu celular dentro de minha própria casa ou por todas as coisas que já perdi ao longo da vida por puro esquecimento, eu certamente estaria com a vida mais tranquila. Talvez não a ponto de comprar 51 imóveis em dinheiro vivo, mas melhor do que estou.

Sou conhecida por esses lapsos de memória. Por outro lado, sou imbatível com datas de aniversários, nomes e rostos. E, mais importante do que tudo isso, me orgulho de ter memória histórica. Neste quesito, especialmente, tento melhorar todo dia. Não quero esquecer dos motivos do passado que nos trazem o presente que temos, seja para o bem ou para o mal.

Mesmo assim a lembrança que o The Intercept trouxe, em uma de newsletters, nesta semana de pré-eleições, me tocou profundamente. A colunista Carla Jimenez reconta o momento em que o Instituto Ibope apontava vantagem do atual presidente em relação ao candidato do PT, Fernando Haddad, mas projetava vantagem de Haddad com 42% dos votos, contra 38% de seu oponente.

Dias depois dessa projeção, mais propriamente seis dias antes das eleições, Sérgio Moro divulga a delação premiada de Antonio Palocci, que era sigilosa, na qual ele afirmava que Lula sabia da corrupção da Petrobrás e reforçava que o delator havia sido ministro de Dilma. A mesma delação já havia sido descartada pelo Ministério Público Federal de Curitiba por falta de consistência e provas (a série de reportagens Vaza Jato, do The Intercept, confirmaria isso depois). O juiz em questão, como sabem, que com esse artefato afetou tão seriamente os resultados do pleito, depois se tornaria ministro da Justiça do candidato que ele beneficiou. Uma relação inaceitável e desonesta, aparentemente “normal” para quem, afinal, trocava estratégias jurídicas com o promotor no caso que ele atuava como juiz. Relação imoral? Mais que isso, criminosa.

Enfim, é uma memória que ainda dói demais, que causa revolta em qualquer pessoa com um mínimo de decência, mas que nesta campanha parece ter sido esquecida. Pois que a gente não se esqueça nem por um momento do que essa gente é capaz. O que não quer dizer entrar em pânico, desanimar, mas fazer os ‘esquecidinhos’ perceberem que a desinformação e a falta de conhecimento de nossos processos sociais e políticos são nocivas e extremamente perigosas. Estou certa de que os que elegeram o asqueroso do planalto por medo do kit gay ou da mamadeira de piroca, votariam nele de qualquer maneira. É triste, mas fica difícil discutir neste nível. No entanto, muita gente deve ter anulado seu voto por conta dessa manobra de Moro, num momento em que ignorar ou questionar esta mentira era crucial para o destino do país.

Que todos votem tendo em mente a gravidade deste momento da nossa história, mesmo que, o comitê do ódio e da fake news tente mais uma das suas. Estejamos ‘atentos e fortes’ porque se tem algo que não me esqueço é que merecemos celebrar e muito a vitória de Lula e o ocaso desses tempos sombrios.

Até a vitória!


Selma Vital é jornalista e professora. Fez parte do Coletivo Aurora, de Aarhus (Dinamarca) e agora é membra independente da Fibra, morando em Iowa, EUA.

Acompanhe as letras de Selma:

Instagram: @selmadaclaraboia

Site (@svital): Claraboia

Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos como tal pela autora, sendo por tanto de sua exclusiva responsabilidade.

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