Lula na Europa

Com ele ou sem ele. Só depende de nós.

De Flávio Carvalho, para o site da FIBRA.
Sociólogo, Escritor e Poeta (é o que dizem)
@1flaviocarvalho @amaconaima

Barcelona, 12 de abril de 2023.

“Sem medo de ser feliz”.

É fato. E está publicada a confirmação da visita de Lula à Península Ibérica. Evidentemente, pode haver alteração de percurso, mas a intenção já é clara e objetiva: 25 de Abril, comemoração da Revolução dos Cravos em Portugal.

Em função disso, o que fazermos, ativistas em defesa da democracia, na Europa?

Começo contando um episódio. Estive no Palácio do Planalto, como representante do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior, anos atrás. Visitei um velho conhecido, assessor de Lula, na Presidência da República (PR), chamado Marco Aurélio Garcia. Protocolei a Carta de Bruxelas, do Encontro da Rede de Brasileiras e Brasileiros no Exterior, aprovada em 2007, na cidadezinha de Valbeck, perto de Bruxelas. Marco Aurélio só deu entrada no Protocolo Geral da PR – o tenho guardado em casa – depois de prometê-lo que passaria o resto da minha vida lutando, se fosse preciso, para que o pedido de banheiro no consulado brasileiro em Genebra (eu juro que isso foi verdade e foi fruto de discussão na Bélgica) e expressões genéricas como o “fim da discriminação” se transformassem em umas quantas, poucas, sistematizadas, agrupadas, listinha de prioridades estratégicas a serem encaminhadas diretamente ao Presidente Lula, este mesmo, o que virá à Europa anos depois.

Este texto trata disto: incentivar a escolha de prioridades estratégicas para o diálogo institucional com o nosso governo.

A presença do Presidente Lula é suficiente motivo para a comunidade brasileira no exterior se organizar e tentar todos os canais de comunicação possíveis com o nosso representante máximo. A comunidade brasileira antifascista, responsável em boa medida pela derrota do projeto totalitarista do bolsonarismo, motiva-se mais ainda. E o ativismo, não somente os petistas, mas todos aqueles que assumem A Segunda Tarefa (garantir a base popular de apoio e sustentação desse mandato complexo, sob a nossa hegemonia política, com o PT no comando), estão mais animados ainda.

Este texto de opinião vai dirigido, portanto, não somente – embora principalmente – à comum-unidade de ativistas simpatizantes e Núcleos Partidários no exterior, à Secretaria de Relações Internacionais do PT, enfim. Seria muita ingenuidade da nossa parte não pensarmos dessa forma. É continuidade de uma série de reflexões que estamos fazendo (assistam às lives promovidas pelo Núcleo do PT em Barcelona ou leiam texto anterior publicado no Migramundo.org). Nosso empenho colabora com a possibilidade de detectar um novo momento na militância brasileira no exterior: a vitória de Lula reacendeu a chama dos Núcleos. Isso é tão inegável quanto natural e necessário. Legítimo, portanto.

Eu entrei no PT exatamente quando Lula perdeu a primeira eleição presidencial. Eu passei a morar fora do Brasil exatamente quando Lula ganhou a primeira eleição presidencial. Eu posso ter uns quantos defeitos, mas besta eu não sou. Minha ingenuidade política ficou em alguma gaveta em Olinda. Eu conheço o Brasil que dirá que a brasileirada no exterior nao é prioridade, e sim a fila do osso no lixão de cada núcleo de miséria lá dentro do nosso país.

Não nos motiva tanto os recursos do Orçamento Federal (que também é nosso, sim), quanto o fortalecimento da nossa cidadania no exterior até mesmo como forma de lutar para recuperar nossas riquezas, aqui na Europa, onde pagamos impostos e onde o neocolonialismo continua forte. Por exemplo, para rever os milhões de euros que as empresas privadas espanholas estão ganhando ao custo do suor e sangue da nossa gente, lá no Brasil.

Exijo Pontos de Cultura no Exterior tanto quanto pergunto a cada associação que conheço se ela já se inscreveu para a convocatória pública de subvenção cultural da Prefeitura de Barcelona, governada pela Ada Colau que já nos recebeu a ritmo de samba no luxuoso palácio da Prefeitura.

Mas, então, que papel jogam os tais Núcleos, quando o assunto é comunidade brasileira, nossos direitos como migrantes (com E de Emigrar, mas também com I de Imigrar aos países onde vivemos)? Por que lutar por direitos nos aproxima tanto, nas lutas – mais que debates estéreis?

Primeiro, o papel: o de ajudar a criar unidade na diversidade política. E isso só se consegue com a superação de algumas desavenças do passado. Dou testemunho do avanço histórico do Núcleo do PT em Barcelona, como um excelente bom exemplo.

Segunda, a missão: ser significativamente, mas tão somente, mais um agente da capacidade de incidência política das comunidades de brasileiros no exterior, aliando-se a outros espaços e outras formas de organização tais como as associações e redes, à Fibra, à Unidade Contra o Fascismo e o Racismo (perdoem por mencionar tantos exemplos daqui da Catalunha, por mais e melhor os conhecer), às ONGs de cooperação internacional, aos sindicatos, aos Comitês de Apoio ao MST, ao que virá a ser um novíssimo CRBE, a resgatar o papel da Rede de Brasileiras no Exterior, às associações culturais, de capoeira, feministas, antirracistas, ecologistas, etc.

Se Lula e o PT foram capazes de demonstrar como se constroi Frente Ampla (vencer, sem descaracterizar-se – no meio da complexidade gigante que é o nosso Brasil), porque não caberia aos Núcleos um processo de construção coletiva de conhecimento e expansão da nossa rede de solidariedade, com base nessa mesma experiência? Mais o que nos une do que o que nos separa. Ganhamos a eleição, mas a vitória se constroi na base das estruturas. Ampliar a base, enfim.

Escutem Jean Wyllys, por exemplo, aqui em Barcelona, incluir o que chamamos de Sexto Ponto das suas pautas de reivindicações apresentadas ao Novo Governo Lula. Ele fala exatamente disso, porque vivenciou isso aquí conosco. E porque conhece Brasília como poucos de nós. Ele não poderia ser um excelente representante daquilo que exatamente expresso neste texto de opinião? A meu ver é claro que é um excelente exemplo, para começar.

Portanto, opino que a SRI do PT poderia:

  • Estar preparada para as duas opções, com a presença do Lula em Lisboa, ou mesmo sem a presença do Presidente, mas garantindo interlocução – ou pedidos vários de interlocução – com os nossos ministérios. Carta se entrega na mão. Mas carta também se entrega simbolicamente, por meio de muitas mãos. Aprendemos com a migração que as vezes a distância é subjetiva e até aproxima.

Não podemos esquecer que a chamada aberta para todos os petistas e simpatizantes do novo governo que queiram e possam estar em Lisboa, com ou sem Lula, passa pela chamada aberta, direta, incisiva (da SRI, também e principalmente), para que compareçam e prestigiem o III Encontro Internacional da FIBRA em Lisboa. O que há hoje de mais articulador em nível internacional na Europa do que essa Frente que foi constituída exatamente para defender a nossa Presidenta Dilma dos misóginos ataques golpistas? A SRI deve sentir-se convidada ao Encontro da Fibra em Lisboa, como um dos tantos atores importantes que participarão por sua própria vontade e iniciativa. Não se pode perder esse bonde. A SRI deve incentivar o chamado da Fibra. É o seu papel. É o que já está fazendo, de alguma forma ou de todas as formas.

Até mesmo porque o PT é o único e maior partido que, no exterior, consegue juntar exatamente a maioria de ativistas políticos que atuam junto à Fibra e com várias organizações antifascistas. É fato. Quem há de negar?

Mas, atenção! A Fibra não se constitui somente de petistas. É ampla, plural e diversa. Nem é partidária, mas também não é apolítica – se é que isso existe, a tal da apolítica! Porque tudo é político. Inclusive e principalmente aquele analfabeto político, descrito pelo Bertold Brecht, quando diz que não gosta de política.

Logo, de forma paralela e, claro, sem interferências, todas aquelas pessoas simpatizantes e representantes dos Núcleos do PT no exterior poderiam reunir-se em algum momento em Lisboa, nem que seja para trocar contatos e esperanças – já que não haveria muito tempo para debates em profundidade. Sem misturar as bolas, mas aproveitando, legitimamente a presença e oportunidade. É preciso diagnosticar e limpar o terreno.

Por último, nossa experiência acumulada nas Conferências Brasileiros no Mundo, convocadas pelo Itamaraty, os 4 Encontros da Rede de Brasileiros no Exterior, desde 2007, mais os diversos fóruns internacionais onde nos encontramos, já apontaram alguma solução. Sem falsa modéstia.

Primeiro: menos é mais. Não adianta cada associação apresentar Sua Carta ao Lula. Ajuda, claro! É fundamental, mas não resolve. É claro que o Lula repetirá: “organizem-se, coletivizem-se cada vez mais e tragam prontas as prioridades, as questões urgentes. Não me peçam tudo de uma vez, por mais importante que cada demanda reprimida vos seja. Todos sabemos que temos um país a refazer.”

Nossa experiência de interlocução com governos anteriores (devo dizer que mesmo com os governos petistas) já demonstrou: se quiser ter o nada, peça logo tudo ao mesmo tempo. Aprendamos com a menina dos olhos dos primeiros governos petistas, o Orçamento Participativo: priorizar é planejar estrategicamente. Tudo na vida é melhor com planejamento. O fazemos, mesmo sem querer – a cada acordar, a cada amanhecer, o que fazer do nosso dia, começando por onde. Toda escolha é uma decisão política. Esse esforço dá mais frutos do que jogar em cima do novo governo, cheio de crises, duzentas propostas não sistematizadas, diversas cartinhas de cada associação ou rede (todas legítimas, insisto, mas improdutivas se não se aliam com outras), tudo aquilo que chamamos de demandas reprimidas. Sabe por quê?

Primeiro porque não devemos jamais mentir para nós mesmos. Juntar gente dá trabalho; juntar ideias mais ainda. Mas há quem goste desse desafio. Como eu. Vale qualquer esforço.

Mas, também, porque NUNCA antes na história tivemos um governo que se desse conta de que nós, brasileiras, brasileiros e brasileires no exterior existimos. E ainda nem vou falar dos preconceitos daqueles que pensam que brasileiro no exterior é igual a um filhinho-de-papai matriculado numa boa universidade em Paris. E somente isso.

O Brasil não tem a menor ideia de quem somos. E o pior é que nem nós mesmos sabemos. Por que nunca nos dedicamos com profundidade a esse diagnóstico: quem somos? Quantos somos? O que queremos? Não existe planejamento estratégico sem um diagnóstico participativo.

Segundo: vocês sabiam que o governo não pode esperar e já iniciou a constituição de uma Comissão de Trabalho com 155 representantes da sociedade civil para debater sabem qual tema? Migração! O que isso tem a ver conosco? Estamos bem representados? Quem são? Eu só tenho uma certeza: temos aliados importantíssimos cuidando disso por nós. Mas queremos que seja não somente Por Nós, mas Conosco. Disso não abrimos mão. Debater migração no Brasil é o melhor caminho para exigir justiça: cidadania universal como valor fundamental! Migrante é ser humano. Pessoa é pessoa. Não importa de onde venha nem para onde vá. Eu dependo do africano no Brasil tanto quanto VOX, o partido fascista de Bostanaro, na Espanha, sabe disso.

Sobre isso eu escrevi em dezembro no site da Fibra, quando já alertava que o Novo Regulamento Consular Brasileiro foi mudado no apagar das luzes do governo fascista. E que os lobistas já estavam operando sem pausa no Congresso Nacional. E quem Lula consultou antes de regulamentar a contratação de Adidos Tributários nos consulados, com salários que dariam para alimentar quantos projetos participativos das comunidades no exterior no mesmo sentido? Podem ser importantes, mas a questão aqui é a mesma: o que é prioridade?

Você leu aquele meu texto anterior sobre a Cidadania Ativa no Exterior até o final? Aqui umas dicas da leitura:

  • Procure informar-se sobre o que muda – ou pior, sobre o quê isso não muda em nada – nas suas vidas e/ou das suas famílias?
  • Sabe o que está acontecendo com os contratados locais no exterior, aqueles “terceirizados” de quem mais depende o seu bom atendimento consular, tal como você sempre merece?;
  •  Já ouviu falar das greves anunciadas em alguns consulados?;
  • Já se deu conta que pessoas idosas, que dependem dos consulados brasileiros, enfrentam uma dinâmica de acesso pós-pandemia de maior dependência da tecnologia – que possibilita, mas que também exclui digitalmente essas pessoas se a gente não se preocupa com isso?
  • Qual a prioridade da política exterior? Encher avião de empresário para vender na China ou incluir pautas sociais, com representantes legítimos, em cada visita internacional? Tudo é questão de compatibilidade, para mim.

Terceiro: o diálogo tem que ser permanente. A visita do Lula deve ser somente um importante primeiro passo. O que esperar dos Conselhos de Cidadania, de um novo CRBE, dos projetos de lei (vários!) que tratam da eleição de representantes no exterior para o Congresso dos Deputados no Brasil –como na Itália, Argentina e Uruguai, entre muitos outros, que já avançaram nesse sentido?

Importante: eu não sou candidato a nada. Preciso deixar isso bem claro. Para mim, é muito importante que isso fique claro. Antes de pensar somente em mim, conheço trezentas outras mulheres – trans, inclusive e principalmente – mais capazes e lutadoras do que eu. Além disso a luta antirracista (sou um homem branco privilegiado) passa na frente de muitas outras coisas, cada vez mais, quando o tema é Brasil.

Quem e como garantiremos não somente o planejamento, mas também o monitoramento e a avaliação processual do que priorizamos ou viermos a priorizar? Coleciono várias versões do Plano de Ação do CRBE – fui dele vicepresidente e Conselheiro Representante eleito por voto direto em toda a Europa – e vejo repetirem-se todas as mesmas pequeninas e importantes questões, com somente 13% de implementação de tudo aquilo que realmente chegamos a consensuar e pedir.

A visita de Lula à Europa é uma excelente oportunidade de bom início. Facilitemos a sua vinda e a sua vida. Disso depende a nossa. E das nossas famílias. Temos muitas questões em jogo e não temos tempo a perder. Aliás, não sou eu quem digo isso. É o próprio Luís.

Este é um artigo de opinião política, escrito em primeira pessoa. Para mim, a Fibra é uma excelente oportunidade e o seu III Encontro Internacional: Re-existir. Re-construir., um maravilhoso momento para isso.

Ah! Por certo e como provocação final: deixemos os egos inflados de lado. O bom, ao dizer isso e desta forma terminar esse texto é que não serve para ninguém diretamente, mas serve muito ao conjunto de reflexões subjetivas de cada um de nós. Inclusive para mim. Esse caminho eu já fiz. E admito que é gostosíssimo.

Deliciem-se. Aproveitemos. Aproveitemo-nos.

Viva Luiz! Bem-vindo, Presidente! Com foto ou sem foto! A sua foto oficial já está em (quase todos?!) os consulados e embaixadas. Isso para mim é o que importa.

Muito!

Aquele abraço.

PS.: Por certo, no “seu” consulado ou embaixada, já está a foto oficial do Presidente na parede? Nao é obrigatório porque não é símbolo pátrio impositivo. Mas diz aqui para mim se não é importante? 😊


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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra

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