Por Ermeson Vieira
Desde a Revolução Francesa até o nosso tempo, os movimentos sociais têm sido influenciados por diversas teorias e movimentos artísticos.
O Iluminismo foi um movimento de extrema importância para as sociedades que desejavam sair da tirania de mais de 800 anos de monarquias absolutistas e da opressão religiosa. Seu tema era “Sapere audi”, em outras palavras: “atreva-se a conhecer”. O século XVIII foi o século da filosofia onde reinavam os ideais de liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, laicidade, Governo Constitucional e Parlamento (A política baseada na representatividade e no diálogo). Um Grande exemplo da influência do Iluminismo foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Muitos foram os textos que deram sustentação política a uma série de ideias defendidas por esse movimento como:
Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens de Rousseau (1754);
Do Contrato Social (1762);
A Riqueza das Nações de Adam Smith (1776);
O Espírito das Leis de Montesquieu (1748).
Todos escritos antes da Revolução Francesa em 1789. A revolução intelectual iluminista também foi responsável pela crítica do Mercantilismo, uma das doutrinas econômicas da época. O século XIX não fez mais que reforçar as ideias baseadas na razão e no conhecimento sistematizado. A filosofia alemã produziu nomes de tanta importância como Hegel, Karl Marx ou Friedrich Engels, que conseguiram influenciar desde a própria forma como entendíamos a história até certo tempo atrás, ou como a economia se dividem na sociedade capitalista, ou como podemos empregar a dialética para entender e mudar a sociedade, criar movimentos, sindicatos, produzir novas práticas sociais e políticas como as greves, os congressos de obreiros, operários e trabalhadores em geral, a formação política, a militância e mais teoria revolucionária. Pela primeira vez, quem sabe a prática política estava diretamente relacionada ao que se produzia dentro ou apesar, a revelia das universidades. Marx e Engels entenderam rapidamente que suas teorias deveriam criar e influenciar na prática afim de produzir uma revolução do proletariado.
Textos como o Manifesto do Partido Comunista de Marx, Do Socialismo Tópico ao Socialismo Científico de Engels e o Capital de Marx foram de extrema importância para a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), e a Revolução Cubana (1959).
O século XX é o século das massas. É o momento em que as massas de pessoas ocupam as cidades que se tornou metrópoles. E também o século da comunicação de massas, do jornal impresso, da rádio, do cinema, da televisão, do satélite e da internet. É o século da espetacularização da política movida pela influência de uma nova ciência: a propaganda.
Influenciado pela estatística e pela psicologia, Edward Bernays desenvolveu os princípios da propaganda e das relações públicas modernas. Baseou suas ideias numa crença antiga de Freud, seu tio, que as pessoas eram irracionais e que suas ações e decisões podiam ser manipuladas facilmente; uma vez que elas fossem levadas a seguir seus impulsos ou instintos mais primitivos que eram racionais, elas poderiam se deixar levar por um líder que capitalizaria ou canalizaria essas forças.
Tais ideias serviram, junto com o nacionalismo, como base para regimes tão destrutivos como o nazismo e o fascismo e o stalinismo. E é exatamente nesse momento do século XX que a ciência, a teoria, e mesmo as artes em lugar de provocarem estímulos de mudança positivos, provocaram desconfiança. A ciência que produzia vacinas e tratamentos era a mesma que havia produzido duas bombas nucleares e todas outras tecnologias destrutoras que ceifavam vidas como espigas de trigo nos campos.
Mesmo assim a teoria continuou norteando a luta de esquerda. Os anos 50 foram os anos das lutas por independência de diversos países africanos e pela Revolução Cubana.
Frantz Fenon, francês das Antilhas, filósofo político e psiquiatra, influenciou com sua teoria pós-colonial, pan- africanista e humanista a Guerra de Independência da Argélia (1954 – 1962), e diversos outros movimentos de independência principalmente na África do Sul, na Palestina, no Sri Lanka, e nos Estados Unidos.
São obras suas:
• Pele Negra, Máscaras Brancas;
• Os Condenados da Terra;
• Em Defesa da Revolução Africana, entre outras.
Na França, os intelectuais, artistas e filósofos também tiveram uma grande influência na política do pós-guerra (II); notavelmente Jean-Paul Sartre com seu Existencialismo levou a sociedade francesa e mais especialmente a uma parte da esquerda (a outra parte o odiava) a pensar no que significava a liberdade e a responsabilidade diante das situações que lhes concernia. Tal pensamento ia de encontro à ideia de seguir qualquer liderança sem refletir no que mesmo isso significava, nas consequências de tal ação e se finalmente isso merecia ou não nossa adesão consciente.
O Maio de 68 com a sua derrota descomunal, outra vez lançou por terra a esperança de que a teoria e a ciência nos levasse a melhor porto. Mas o que aconteceu com a fé dos movimentos políticos na ciência, no conhecimento?
E de acordo com vários teóricos a partir do Maio de 68 inaugurou-se um novo período conhecido como Pós-modernidade. A grande característica desse período é a descrença nas chamadas meta-narrativas ou grandes verdades. O fascismo, o nazismo e até o comunismo haviam “falhado” como formas de organizações sociais e econômicas. Essas ideologias eram vistas muito mais como alguma forma de religião ou sistema de crença que como uma alternativa ao capitalismo.
Os intelectuais pós-modernistas como François Lyotard e Jean Baudrillard, por exemplo, ajudaram a traçar e até celebrar as características do novo período:
- Desconfiança na razão como motor do progresso humano;
- A descrença nas meta-narrativas/ grandes verdades;
- O fim das oposições binárias (capitalismo versus socialismo, direita versus esquerda, etc);
- Descrença numa identidade estável;
- Destruição progressiva do nacionalismo;
- A perda da aura do objeto de arte devido a sua reprodução mecânica (imprensa, cinema, televisão);
- Entre outros.
A pós-modernidade produz um relativismo, uma existência fragmentada, multiversal, não linear, topográfica, descentralizada, interdependente e em rede. O pensamento crítico e a teoria são deslocados pela propaganda, pela psicologia usada para o mercado e pelas pesquisas de grupos -alvo (focus group surveys).
E com nossa entrada nas redes sociais e a desaparição da arte e da teoria da política de esquerda resultou no declínio do trabalho de base. Colocamos toda a nossa fé no suposto “poder” das redes sociais. E o mito da liberdade pela internet nos levou ainda mais a erros que são muito difíceis de reverter.
A internet prometia ser livre (apesar de paga), conectar e educar a milhões de seres humanos, porém ela se transformou justamente em um instrumento de desunião, destruindo mais rapidamente o status da verdade, da ciência, da teoria, e do pensamento racional. As redes sociais com seus instrumentos de personificação, individualização, economia da atenção (guerra psicológica pela atenção), a economia da atenção que inclui a desinformação, o pânico moral, e o ódio ajudaram a retirar da política a última gota de sangue do humanismo e a última letra das teorias e das canções de autor.
A estupidez ou a bullshit como dizia Harry Frankfurt, foi além da verdade e até mesmo da mentira e salpicou na política e na vida social uma mancha difícil de limpar. Nos acostumamos a “teorias” como: a Terra é plana, o Covid-19 não existe ou foi criado por Bill Gates, ou que depois de tudo, o Comunismo está a ponto de invadir o Brasil e transformar todas a crianças em homossexuais. Até conseguimos eleger um presidente que é um craque tanto e mentir como em criar bullshit (merdas de boi/gado). Sob esse presidente a estupidez foi idolatrada, incentivada e até promovida com cortes de verbas desde a educação básica até à universidade. E os universitários foram estigmatizados como “maconheiros” (como se isso fosse insulto). Até os professores foram mais uma vez desqualificados, desmotivados e até perseguidos. Instaurou-se o regime dos falsos profetas, dos charlatões, e dos agitadores de extrema direita.
Leo Lowenthal, sociólogo alemão da escola de Frankfurt, definiu o agitador (falso profeta) da seguinte maneira:
“Diferentemente do habitual advogado da mudança social, o agitador, enquanto explora o estado de descontentamento, não tenta definir a natureza desse descontentamento através de conceitos racionais. No lugar disso, ele aumenta a desorientação dos membros do público destruindo toda indicação racional e propondo que eles, pelo contrário, adotem modos de comportamentos parecidos.” (P.7-8)
O agitador não tem a menor intenção de resolver e de fazer com que as pessoas entendam as verdadeiras razões do seus problemas. É mais, o agitador alimenta e literalmente se alimenta do mal-estar social. Não faz falta dar exemplos. Já faz quatro anos que vivemos isso todos os dias.
Para Lowenthal, “O mal-está pode ser comparado a uma doença de pele. O paciente que sofre de tal doença tem uma instintiva urgência de coçar a pele. Se ele seguir as ordens de um médico competente, ele irá evitar se coçar e buscar a cura para a causa da sua coceira. Porém se ele sucumbir à sua reação irrefletida, ele irá se coçar ainda mais vigorosamente. Este exercício irracional de auto-violência lhe irá dar um certo tipo de alívio, mas ao mesmo tempo irá aumentar sua necessidade de coçar e não irá de forma alguma curar sua doença. O agitador diz para continuar se coçando.” (p.18)
E o excessivo relativismo dos nossos tempos provocado pela descrença na ciência, na teoria, na distância são da política dos intelectuais, pela superficialidade provocada pelos media, a perda da aura dos livros, do conhecimento, dos intelectuais provocado pelas redes sociais nos levou a um estado de penúria intelectual tanto na direita como na esquerda, com ganho para a direita.
É verdade que no Brasil a situação poderia ser muito pior, porém muito ainda tem que ser feito para que os movimentos sociais e a política brasileira possam voltar a ser regidos por conhecimentos científicos, filosóficos e racionais necessários para que os problemas da população sejam profundamente resolvidos.
Fará falta uma reforma do setor do audiovisual ou seja da comunicação de massa, de uma escola onde haja lugar para uma educação crítica filosófica, uma educação mediática e uma educação política e ainda assim muita vontade de tirar o populismo tanto da política de direita como da política de esquerda e perder o preconceito e o medo à teoria.
Ouça também o podcast onde Ermeson Vieira amplia os conhecimentos sobre este artigo:
Ermeson Vieira Gondim é cearense de Quixeramobim, co-fundador do comitê Lula Livre em Bruxelas. É Mestre em Comunicação e Educação na Internet pela UNED (Espanha), Mestre em Cinematologia pela Universidade de Amsterdã, Bacharel em Filme e Vídeo pela Universidade do Leste de Londres. Tem organizado cursos de cinema e realizado filmes além de colaborar com a Fibra.
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Nota: Os textos, citações, e opiniões são fornecidos pelo autor, sendo de sua exclusiva responsabilidade, e podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.
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